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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Música da Cabeça - Programa #387

 

"Abrindo todas as pennas/ Das suas azas serenas/ Sobre o negro soffredor,/A Liberdade esperada/ Foi assim como uma fada/ Que allivio lhe deu á dôr" É com a poesia negra de Lino Guedes, de 1936, que, resistindo a açoites e chibatadas, o MDC de hoje celebra o Dia da Consciência Negra. Poetas tanto quanto, Arthur Verocai, Jim Morrison, Azymuth, The Ambitious Lovers, Chico Science, Ronaldo Bôscoli também clamam por Palmares. O grito na mata se ouvirá às 21h, na quilomba Rádio Elétrica. Produção, apresentação e senhor das demandas: Daniel Rodrigues


 (www,radioeletrica.com)

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

João Gilberto - “Live at The 19th Montreux Jazz Festival” (1985)

 

No topo, capa do LP original
lançado no Brasil e, abaixo,
a da edição americana

“É a grande soma da obra de João Gilberto. É o disco que dá a visão mais ampla da ideia que ele tem de repertório, de estilo”.
Caetano Veloso

Os baianos, mais do que qualquer outra gente, são donos de uma genialidade que às vezes beira a ingenuidade. Caetano Veloso conta que, certa vez, ao visitar Dorival Caymmi em sua casa numa quente tarde de Salvador, o anfitrião mal o deixou entrar pelo portão e já se pôs a mostrar-lhe uma novidade que havia descoberto para aliviar aquele intenso calor. Levou, então, Caetano até a sala e solenemente lhe apresentou sua mais nova obra de engenharia doméstica: havia disposto a cadeira na qual estava sentado só de bermuda e chinelos feito um Buda nagô de frente para um... ventilador! 

Por mais óbvio que pareça o raciocínio de Caymmi, ele guarda, no fundo, uma percepção que, muitas vezes, foge aos mortais preocupados em complexar a vida: a simplicidade. Foi valendo-se do mesmo senso natural que outro baiano favorecido pelos Céus, João Gilberto, chegou a uma conclusão semelhante. Além daquilo que produzia nos invariavelmente indispensáveis discos de estúdio desde o final dos anos 50, João costumava reinventar seu repertório a cada nova apresentação ao vivo. Geralmente, só ele é o inseparável violão. Uma magia inimitável a qualquer outro momento da história da música moderna. Então, do fundo de sua cabeça privilegiada mas distraída, pensou: "porque não gravo um disco ao vivo que transmita essa atmosfera?" 

Sim, passados mais de 30 anos de carreira, João nunca havia feito um álbum neste formato. Tinha até então dois ao vivo, todos com parcerias e/ou bandas/orquestra acompanhando: "Getz/Gilberto #2", em companhia do saxofonista de jazz norte-americano Stan Getz, de 1965, e o especial da TV Globo "João Gilberto Prado Pereira de Oliveira", de 1980, no qual recebe vários convidados. Assim, só ele no palco, nunca.

O que parecia óbvio, por se tratar da essência do som do homem que inventou a moderna música brasileira com a concepção da bossa nova, ganhava, enfim, um registro fiel. Já havia se tornado comum a artistas brasileiros a partir dos anos 70 gravarem seus shows no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, desde que a curadoria do evento se abrira para a sonoridade da MPB como sendo cabível no gênero do "jazz moderno". De A Cor do Som a Elis Regina, passando por Gilberto Gil, Pepeu Gomes e Hermeto Pascoal. Faltava João.

E o Bruxo de Juazeiro não deixa por menos. Com seu repertório impecável selecionado cirurgicamente, une velhos sambas, como os de Ary Barroso, Haroldo Barbosa, Geraldo Pereira e Wilson Batista, a então novos clássicos. Melhor exemplo é "Menino do Rio", de Caetano, lançada em 1979 pelo autor e já versada pelo próprio João um anos depois. Mas ocorreu que a música fizera novamente muito sucesso em 1982 na voz de Baby Consuelo para a trilha do filme homônimo, e João, ao resgatá-la, transformava-a imediatamente de um hit para um clássico. 

João destila musicalidade. É tocante ouvir o trato de cada detalhe, de cada pronúncia, de cada acorde ou silêncio. A permanente confluência harmonia-melodia, as variações de ritmo, o casamento de cordas vocais e cordas de nylon num constante entendimento, entrelaçando-se, dançando. "Tim Tim Por Tim Tim", conhecida do repertório de João, abre com um verdadeiro show de gingado. Quem escuta ele tocando e cantando com tamanha naturalidade pode até pensar que se trata de um improvido. Mas o mais impressionante de João é que tudo aquilo faz parte de um exercício de controle absurdo, e ao vivo isso fica mais evidente. As soluções harmônicas, as escolhas de tempos, a voz afinadíssima mas sem vibrato, o controle da cadência, o que arpejar e o que silenciar: tudo se resolve ali, na hora, no palco, diante do microfone e da plateia. 

O público, neste show, aliás, merece uma atenção à parte. Até mais: merece também aplausos. Visivelmente formada por muitos brasileiros, mas certamente também por suíços e outros estrangeiros, na maioria da Europa, a plateia se emociona e transmite essa emoção para o artista, que retribui, numa corrente de energia poucas vezes vista ou perceptível em discos ao vivo. João brincando de "quém quém" ao cantar "O Pato" ou sambando com a voz em "Sem Compromisso" não deixam mentir. Mas, principalmente, "Adeus América". O samba de Haroldo Barbosa, escrito para outro símbolo mundial do Brasil (o maior deles), Carmem Miranda, como uma declaração de amor ao Brasil após ela ser tachada pelos compatriotas invejosos de "voltar americanizada" dos Estados Unidos, aqui soa (e ainda mais aos brasileiros da plateia) como um canto de exílio, um canto de saudade da terra mater. “Não posso mais, que saudade do Brasil/ Ai que vontade que eu tenho de voltar/ Adeus América, essa terra é muito boa/ Mas não posso ficar porque/ O samba mandou me chamar”. É certamente o momento mais emocionante do show, como talvez nenhuma outra gravação ao vivo de João neste ou noutros discos.

Há também a apropriação "mpbística" do jazz standart italiano "Estate", presente no memorável LP "Amoroso", de 1977, e, claro, a reverência à bossa nova. Mais precisamente, a Tom Jobim. Do maestro, João toca quatro das 15 do set-list: "Retrato em Branco e Preto", dois ícones da primeira fase bossanovista, "Garota de Ipanema" e "Desafinado"; e uma imbatível "A Felicidade", menos recorrente no repertório de João e até por isso ainda mais impactante.

Outro maestro, no entanto, é exaltado por João na histórica apresentação no 19º Festival de Montreux. Cabe ao legado de Ary Barroso fechar o show com três faixas: "Morena Boca de Ouro" e outras dois símbolos de brasilidade em música: as ufanistas "Isto Aqui o que É?" e aquele que é considerado o segundo hino da nação, "Aquarela do Brasil", numa execução de quase 10 minutos. João, que a havia protagonizado no disco "Brasil", de quatro anos antes e quando teve a companhia de Caetano e Gil para interpretá-la, encara aqui a empreitada sozinho. Coisa só de quem tem a mesma envergadura da própria música que entoa.

Prestes a completar 40 anos de seu lançamento, “Live at The 19th Montreux Jazz Festival” guarda a primazia de ser a primeira gravação fiel de um show de João Gilberto, abrindo caminho para vários outros que viriam nos anos seguinte e dos quais destacam-se pelo menos dois: “João Gilberto In Tokyo”, de 2004, e “Live At Umbria Jazz”, de 2002. No entanto, este registro evidentemente possui uma aura e uma importância especial. Mesmo que na maioria dos discos, inclusive os de estúdio, João fosse captado “just in time” pelas mesas de som, no palco não há o que editar ou refazer. É aquele pulsar orgânico e indelével. E no caso de João, isso vale mais do que o silêncio, como diz Caetano. 

E dizer que João levou mais de duas décadas para deixar essa óbvia joia da cultura brasileira para a posteridade... Às vezes, a obviedade é mesmo genial.

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Originalmente lançado no Brasil e no Japão em 1985 como LP duplo de 15 faixas, "Live At The 19th Montreux Jazz Festival", na versão norte-americana, de um ano após, chamou-se apenas de "Live In Montreux" e contendo 13 músicas: sem "Tim Tim Por Tim Tim", "Desafinado" e "O Pato" e tendo acrescida "Rosa Morena" (Dorival Caymmi).

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FAIXAS:
1. “Tim Tim Por Tim Tim” (Geraldo Jacques, Haroldo Barbosa) - 3:38
2. “Preconceito” (Marino Pinto, Wilson Batista) - 2:25
3. “Sem Compromisso” (Geraldo Pereira, Nelson Trigueira) - 4:05
4. “Menino Do Rio” (Caetano Veloso) - 3:45
5. “Retrato Em Branco e Preto (Antonio Carlos Jobim, Chico Buarque) - 6:36
6. “Pra Que Discutir Com Madame?” (Haroldo Barbosa, Janet de Almeida) - 6:25
7. “Garota De Ipanema” (Antonio Carlos Jobim, Vinicius De Moraes) - 3:42
8. “Desafinado” (Antonio Carlos Jobim, Newton Mendonça) - 4:53
9. “O Pato” (Jaime SIlva, Neuza Teixeira) - 6:08
10. “Adeus América” (Geraldo Jacques, Haroldo Barbosa) - 6:50
11. “Estate” (Bruno Brighetti, Bruno Martino) - 5:18
12. “Morena Boca de Ouro” ((Ary Barroso) - 5:37
13. “A Felicidade” (Antonio Carlos Jobim, Vinicius De Moraes) - 5:10
14. “Isto Aqui, O Que É? (Sandália de Prata”) (Ary Barroso) - 6:43
15. “Aquarela Do Brasil” (Ary Barroso) – 9:05



Daniel Rodrigues


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Música da Cabeça - Programa #386

 

É desumano. E ponto. Colocando o assunto em discussão, o MDC vem em escala digna de trabalho onde batem o ponto Fellini, Danilo Caymmi, Stevie Wonder, Ultramen, Beck e mais, como Torquato Neto, que completaria 80 anos de firma. Com tempo de folga, o programa pega no batente às 21h na trabalhadora Rádio Elétrica. Produção e apresentação em escala 4x3: Daniel Rodrigues (arte-base de @maripveiga)


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quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Música da Cabeça - Programa #385

 

Tá tensa essa apuração das eleições nos Estados Unidos, hein? Pra aliviar um pouco, nada melhor que um MDC cheinho de ideias democratas. Elegemos hoje The Smashing Pumpkins, João Donato, Jorge Mautner, Peter Murphy, Cazuza e mais. E o ilustre cidadão norte-americano Quincy Jones, a quem perdemos nesta mesma fatídica semana, também será lembrado. Comparecendo às urnas, o programa vai ao ar às 21h na presidenciável Rádio Elétrica. Produção, apresentação e "simbora, Kamala!": Daniel Rodrigues


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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Wayne Shorter - "Etcetera" (1980)

 


Acima, a capa criada em 1965 com 
arte de Patrick Roques e foto de Francis
 Wolff, e, abaixo, a arte para o
lançamento póstumo, em 1980 
“Minha ambição desde o início como engenheiro de gravação era capturar e reproduzir a música melhor do que outros na época. Fui levado a fazer a música soar mais próxima da maneira como soava no estúdio. Essa era uma luta constante - fazer com que os eletrônicos capturassem com precisão o espírito humano.”
Rudy Van Gelder

Destacar como exemplo um trabalho de Rudy Van Gelder, que completou um século de nascimento no último dia 2, é impossível. Ele é a mente e as mãos que moldaram a sonoridade da música mais avançada do mundo, o jazz, ao longo de quatro décadas. O talento de gênios como John Coltrane, Thelonious Monk, Tom Jobim, Don Cherry, Sonny Rollins e Miles Davis certamente não seriam transmitidos com a mesma fidelidade entre aquilo que foi pensado e o que foi gravado não fosse este judeu ex-optometrista nascido em Nova Jersey (EUA) e apaixonado por jazz desde a adolescência, nos anos 30 de Era do Jazz. Dono de uma técnica refinada e própria de engenharia e a masterização de som, Van Gelder, entre outras inovações, foi o pioneiro no uso de técnicas de captação próxima, limitação de pico e saturação de fita para imbuir a música com uma sensação adicional de imediatismo. Sua estética de gravação é dotada de uma inconfundível acústica. Límpida, elegante e orgânica.

Após montar um pequeno estúdio na casa dos pais, na metade dos anos 40, foi na década seguinte que ele passa a realizar as gravações para o selo Vox Records. Um de seus amigos do meio do jazz, o saxofonista Gil Mellé, apresentou-o, em 1953, a Alfred Lion, cabeça da Blue Note Records. Em 1959, muda, então, o Van Gelder Studio para o lendário endereço na Englewood Cliffs, onde assina, por diversas gravadoras como Prestige, Verve, A&M, CTI e, claro, a própria Blue Note, centenas de trabalhos, grande parte deles clássicos absolutos da história da música moderna, como “Maiden Voyage”, de Herbie Hancock, “A Love Supreme”, de Coltrane, ”Walkin'”, de Miles, e “Song for my Father”, de Horace Silver.

São tantas realizações de Van Gelder, que seria impossível resumir em apenas uma. No entanto, “Etcetera”, do saxofonista e compositor Wayne Shorter, é certamente uma dessas extraordinárias joias modeladas por Van Gelder. Gravado na fase áurea de Shorter pela Blue Note, em meados dos anos 60, embora tenha permanecido inédito até 1980, traz na banda Hancock, ao piano; Joe Chambers, bateria, e Cecil McBee, baixo. Há muito considerado um dos melhores álbuns de estúdio do artista, “Etcetera” tem cinco composições de autoria de Shorter, com exceção de “Barracudas” de Gil Evans, um extenso tema modal com atuação especialmente destacável para um possuído Hancock em estado de graça.

A faixa-título, no entanto, encarrega-se de abrir o álbum dando as cartas: jazz modal pós-bop capaz de hipnotizar o ouvinte. Misto de tensão e enigma, “Etcetera” tem incursões esparsas do piano e do sax, que mantém um diálogo o tempo todo. Sustentado pelo chipô e variações tam-tam/caixa de Chambers (que, aliás, encerra a faixa com um excelente solo, cuja espontaneidade Van Gelder soube ressaltar), é mais uma prova do quanto Shorter entende de como abrir bem um disco, assim como os imediatamente anterior “JuJu”, na faixa homônima e também de 1965, e posterior, “Speak no Evil”, de 1966, com a fenomenal “Witch Hunt”.

Balada como só os mestres do jazz sabem compor e executar, “Penelope” é mais do que cativante:  é estonteante. Quanta sensualidade no sax de Shorter! E que leveza do piano até bem pouco de notas carregadas por Hancock na faixa anterior. Aqui, ele equilibra o tempo cadenciado do compasso, enquanto McBee se encarrega de apenas conduzir a saudável lentidão, como um sono prazeroso. Chambers quase se cala, não fosse os leves chispados das escovinhas na caixa da bateria.

“Indian Song”, na sequência, ocupa o lugar especial no cancioneiro de Shorter como uma de suas composições mais intensamente hipnotizantes. Dividida em duas partes, carrega a atmosfera oriental que o músico expressava com frequência desde que se identificou com essa cultura, no início daquela década. "Mahjong", de “JuJu”, e "Charcoal Blues", de “Night Dreamer”, não deixam mentir. “Indian...” também evoca as tradicionais faixas de encerramento de discos de Shorter, invariavelmente a mais rebuscada dos álbuns, tal “Playground” (de “Schizophrenia”), "Armageddon" (de “Night...”) e “Mephistopheles” (“The All Seeing Eye”),

O encontro de Van Gelder com os músicos do jazz é, certamente, um dos maiores acontecimentos da história da música moderna. A técnica, como em raros outros momentos, unia-se de forma amalgamada a uma grande profusão de expressões do mais alto nível musical proporcionadas pelo jazz a partir dos anos 40 nos Estados Unidos. Shorter, foi um desses beneficiados: sua arte maior pode, por obra deste talentoso engenheiro de som com sensibilidade de artista chamado Rudy Van Gelder, ser transmitida com precisão diante daquilo que criou. 

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FAIXAS:
1. “Etcetera” - 5:17
2. “Penelope” - 6:44
3. “Toy Tune” -7:31
4. “Barracudas (General Assembly)” (Gil Evans) - 11:06
5. “Indian Song” - 11:37
Todas as composições de autoria de Wayne Shorter, exceto indicada

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues


quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Música da Cabeça - Programa #384

 

É, Vini Jr., a gente também não acredita no que está ouvindo. Não dar a Bola de Ouro pra ti é a maior bola fora! Mas o MDC, esse sim, dá pra acreditar no que se vai escutar. Ovacionados pela torcida, entram em campo Esquivel, New Order, Tribalistas, Adriana Calcanhotto e outros. E uma dupla premiação para Antônio Cícero nos quadros Sete-List e Palavra, Lê. Jogando um bolão, o programa leva todas as taças hoje, às 21h, na premiada Rádio Elétrica. Produção e apresentação na luta contra o racismo: Daniel Rodrigues


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quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Música da Cabeça - Programa #383

 

Sem essa de roubar o boi dos outros, pois aqui é garantido que o Boi Garantido não é fake! E garantia também é de um novo MDC com a mais pura verdade. Sandra Sá, Arthur Rimbaud, Iggy Pop, Enya e Cornelius que não nos deixam mentir. Igualmente, um Cabeção pra não restar dúvida sobre a importância de Charles Ives. Garantindo a qualidade e a veracidade, o programa vai ao ar às 21h na confirmada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e "que vacilo, Lud!": Daniel Rodrigues.


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quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Música da Cabeça - Programa #382

 

Não dá pra enxergar nada nesse apagão.. Mas o MDC a gente reconhece até no escuro! É só botar pra rolar Funkadelic, Tom Zé, The Smiths, Zizi Possi e Gil Scott-Heron, por exemplo, que a gente não precisa nem ver pra curtir. Igual a Marlui Miranda, a quem jogamos luz no quadro Cabeção. Sem privatizar e com energia própria, o programa se acende às 21h na luminosa Rádio Elétrica. Produção, apresentação e lanterna: Daniel Rodrigues.


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quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Sean Lennon - “Friendly Fire” (2006)

 

"Quando eu era jovem, me preocupava com a estética do inacabado, do feito em casa. Mas com ‘Friendly Fire’ resolvi ver se conseguia fazer algo refinado. Optei por uma estética mais elegante e elaborada".
Sean Lennon

Lá fora no oceano que veleja afora/
Eu quase não posso esperar/
Para te ver mais velho/
Mas eu acho que vamos apenas ter que ser pacientes/
Porque o caminho é longo
”. 
Trecho de "Beautiful Boy", escrita para Sean 
por John Lennon em 1980, ano de sua morte

A vida de Sean Lennon é, mesmo que ele não queira, sui generis. Dono do sobrenome mais pesado entre os mortais, Ono Lennon, ele carrega a herança genética e cultural de dois ícones mundiais. Ímpar, aliás, também é seu destino. Além da rara coincidência de nascer exatamente na mesma data de seu pai, hoje, 9 de outubro, a quem, por óbvio, guarda muita semelhança, teve a infância marcada pelo trauma do assassinato do mesmo, quando tinha apenas 5 anos. Hoje, faz 49, enquanto seu pai, morto há pouco menos de 34, completaria 84 se vivo. Em contrapartida, à base de muita dor, Sean contou também com a proteção da mãe. 

Nesta redoma, não demorou muito para que o rapaz com cara de John Lennon de olhos puxados percebesse que a hereditariedade lhe favorecia. Afeito às artes visuais mas, principalmente, à música, aos 7 já participava cantando na faixa-título do disco da mãe “It's Alright (I See Rainbows)”, de 1982, com quem, aliás, contribuiria ainda diversas vezes noutros trabalhos. Mas não só com Yoko Ono: hábil em vários instrumentos e na mesa de som, tocaria com e produziria diversos outros artistas, como Cibo Matto, Lenny Kravitz, Miley Cyrus, Carly Simon, Soufly e Tom Zé, até lançar, aos 21 anos, seu primeiro disco solo, o excelente “Into the Sun”. Cristalizava-se ali um talento nato.

Mas a vida de Sean é mesmo fadada ao incomum. Herdeiro e administrador da mais valiosa obra musical do século XX, o milionário Sean não tem a menor necessidade de viver de música, o que por si só o diferencia de qualquer outro cidadão do planeta. A forma de conciliar a comodidade financeira à pulsão natural em produzir foi a escolha de fazer só aquilo que gosta e quando quer. Tanto é que, hoje, com mais de 40 anos de vida artística, Sean soma, afora trilhas sonoras e contribuições a outros artistas, apenas três álbuns solo. Para que ele entre num estúdio e grave algo seu tem que valesse a pena de verdade. Caso de “Friendly Fire”, de 2006.

Para falar desse disco e o que o motivou, contudo, precisa-se voltar um ano antes de sua gravação. A vida de Sean, como dito, anda por linhas tortas. E o que é mais passível de desgovernar o caminho de alguém? Se não a morte, o amor. No caso, o que se abateu sobre Sean foram as duas coisas. O melhor amigo, Max LeRoy, e a então namorada de Sean, Bijou Phillips, estavam envolvidos em um triângulo amoroso. Quis o destino que, tragicamente, LeRoy morresse em 2005, num acidente de trânsito, antes que os amigos pudessem se reconciliar. Claro, que o namoro também acabou. Autobiográfico, “Friendly Fire”, assim, carrega-se do profundo efeito que a morte de LeRoy teve sobre Sean, que com esse combustível compõe um dos discos mais doloridos e bonitos da música pop recente. 

Ao estilo de “discos de separação” como “Blood on the Tracks”, de Bob Dylan, neste trabalho é outra referência a um corte físico e emocional que Sean suscita, visto que ainda mais profundo. O “fogo amigo” tanto pode ser entendido como uma traição quanto como a ação fatal de alguém, LeRoy, que se autopenalizou por um erro da pior maneira possível. “Dead Meat”, título de uma das melhores faixas do álbum e responsável por abri-lo de forma melancólica e carregada, fala dessa ferida exposta, como um coração dilacerado, como uma “carne morta”. Os acordes iniciais são o toque valseado de piano tão circense quanto choroso, como se um clown desgraçado e ridículo entrasse no picadeiro para gargalharem de sua figura miserável. Tamanha é a força da música que, ao soar a orquestra ao final, intensa e emocionada, tem-se a clara impressão de que o álbum está terminando.

Sean mostrava que, em 8 anos desde seu primeiro disco, muita coisa havia mudado. Mudara, literalmente, do quente para o frio. Ao invés de se aquecer “através do sol” (“Into the Sun”), esse mesmo calor havia se convertido num “fogo amigo” que conduz à gélida morte, como um tiro que se leva de um companheiro sem intenção de ferir. Mas que fere. Até as capas são vinho e água: numa, o desenho de Sean sorridente sob o tom quente da cor laranja; no outro, um autorretrato de poucos traços de um rapaz sério em um fundo massivamente branco, sem vida. Isso tudo, claro, se reflete nos sons. Ao contrário da luminosidade experimental do trabalho de estreia, a escolha para representar esse novo momento é o refinamento pop, como que tomado pela impassibilidade e pelo assombro. Este é o caso também de "Wait for Me", cujo título dispensa explicações. “Algum lugar por entre a lua e o mar/ Eu estarei esperando por você, meu amor/ Então, espere por mim”, diz a letra deste pop-folk classudo forjado no violão, lembrando coisas nesse estilo de John com os Beatles (“I’m Only Sleeping” e “Cry Baby Cry”) ou solo (“Look at Me”).

"Parachute", outra preciosidade de “Friendly...”, é, quiça, a mais deprê de todo o disco, o que não significa que, nem por isso, Sean recaia ao enfadonho. Balada bela e lamentosa, não à toa foi o hit do disco, tendo o ajudado a alcançar o posto 152 na parada Billboard 200. Refrão marcante e delicado, daqueles que Sean, atento ao aspecto emocional das canções, sabe fazer como ninguém. Mesmo caso da faixa-título: melodia dolorida, mas que pega. Num arranjo perfect pop, as sentidas palavras de Sean dizem: “Você lançou o ataque com a primeira bola de canhão/ Meus soldados estavam dormindo/ Eu sei que você pensou que nunca iria cair/ No último minuto/ É fogo amigo”. Mesmo que inconscientemente, o amigo, ao morrer, se culpabiliza mas se vingou ao mesmo tempo. É perceptível o abatimento na voz de Sean, como se não quisesse ter que cantar aquilo. Mas há-lhe um impulso interno mais forte, que se impõe.

E quando Sean olha para o amanhã? O mesmo vazio. O blues “Tomorrow” desenvolve-se suave sobre essa desesperança. Outra balada cortante, "On Again Off Again", é mais uma prova da habilidade musical de Sean em criar canções tocantes e saborosas ao mesmo tempo. Na sequência, certamente a mais “alto astral” do repertório: "Headlights". Batida de violão, palmas marcando o ritmo, escala em lá maior. Mas alegre até por aí, visto que, nas palavras, Sean está dizendo que “a vida é apenas morrer lentamente”.

Versão de Marc Bolan, "Would I Be the One", pode-se dizer daqueles covers tão legais quanto a música original, do início dos anos 70. Afinal, parece uma música composta pelo próprio Sean, o que acaba por dar ainda mais coesão a um repertório tão pessoal. Igualmente down e comovente, como todo o restante, inclusive do tema de encerramento: a balada "Falling Out of Love". Outra título autoexplicativo. “Por favor, eu te esquecerei/ Não vou deixar você entrar no meu coração/ Eu te deixei esperando/ Esperando na escuridão/ Está tudo desmoronando”. É de cortar o coração. Sean está processando o luto de dois amores: o da namorada e o do amigo. 

Uma matéria da época do lançamento de “Friendly...” disse com assertividade: “a apresentação imponente dessas 10 músicas desmente seu tema recorrente: ser filho de uma lenda do rock'n'roll e de uma matriarca de vanguarda não torna sua vida romântica mais fácil”. De fato, ninguém escapa dos desafios do coração. Mas ainda mais certo é que, Sean, sensível e talentoso músico como cedo já demonstrava, consegue entregar um material tão sofisticado e bem elaborado desse momento de sua vida, que, ao final, soa como algo positivo, engrandecedor. Da tragédia, a beleza. Qualidade de quem aprendeu, já criança, a ressignificar a dualidade vida e morte para trilhar seu caminho único e intransferível.

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FAIXAS:
1. "Dead Meat" - 3:37
2. "Wait for Me" - 2:39
3. "Parachute" - 3:19
4. "Friendly Fire" - 5:03
5. "Spectacle" (Lennon, Jordan Galland) - 5:24
6. "Tomorrow" - 2:03
7. "On Again Off Again" - 3:18
8. "Headlights" - 3:16
9. "Would I Be the One" (Marc Bolan) - 4:58
10. "Falling Out of Love" (Lennon, Galland) - 4:07
Todas as faixas compostas por Sean Ono Lennon, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:
Sean Lennon - “Friendly Fire”


Daniel Rodrigues

Música da Cabeça - Programa #381

 

Então, vamos para o segundo turno? Aqui no MDC, o pleito já começou. E começou com a música de Cátia de França, Morrissey, The Cure, Majur, Madonna e mais. Ainda, um Sete-List já aludindo ao Dia da Crianças, comemorado dia 12, só com artistas mirins que deram certo. Exerce tua cidadania e confirma teu voto no programa hoje, às 21h, na democrática Rádio Elétrica. Produção, apresentação e zona eleitoral: Daniel Rodrigues.



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quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Música da Cabeça - PROGRAMA ESPECIAL Nº 380

 

"Om" é o som da criação para os hindus. Mas isso não interessa agora, pois essas quatro cabeças de Brama aí são só pra gente dizer que vai ter no MDC especial de nº 380 um superquadro Cabeça dos Outros! Com músicas saídas de quatro cabeças de ilustres ouvintes, o programa de hoje terá ainda mais música e homenagem a Kris Kristofferson. Repete esse mantra e entre em sintonia com o universo às 21h pelas ondas primordiais da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e som do universo: Daniel Rodrigues





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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Música da Cabeça - Programa #379

 

Dona Cate Blanchet sabe das coisas. Na vibe de descobrir genialidades brasileiras, o MDC desta semana reprisa a sua edição de nº 290, que teve, como convidado especial, um genial artista da nossa música: Cid Campos. Confiram a entrevista dele e relembrem nosso programa de outubro de 2022. É hoje, 21h, na genial Rádio Elétrica. Produção, apresentação e confissões bombásticas: Daniel Rodrigues.


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quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Música da Cabeça - Programa #377

 

Olhar para o céu tem trazido surpresas ultimamente. Mas não estou falando do sol vermelho de poluição, que esse é motivo de se preocupar. Falo, sim, do MDC, que raiou no céu para iluminar mentes e corações. Tem PJ Harvey, Milton Nascimento, Kula Shaker, Tim Maia e Pat Metheny pra cumprir esse papel. Ainda, um Sete-List, enumerando momentos da carreira de Sérgio Mendes. Radiante, o programa vai ao ar (puro, neste caso) às 21h, na solar Rádio Elétrica. Produção, apresentação e olhos ardendo: Daniel Rodrigues.


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terça-feira, 10 de setembro de 2024

Kula Shaker - "K" (1996)

 




"Govinda Jaya Jaya
 Gopala Jaya Jaya"
saudações à deusa Krishna
na canção "Govinda"



Cara, Kula Shaker é muito Beatles!

Mas calma, não precisam se exaltar os beatlemaníacos mais apressados. Não estou dizendo que é igual, não estou dizendo que é melhor. Não são os novos Beatles. Mas a vibe de "K", o disco de estreia desses ingleses é muito a cara do quarteto de Liverpool. A psicodelia, a "pureza", aquela energia com ares de rock sessentista, os vocais em dueto, os coros de fundo nos refrões, o experimentalismo, a produção com aquela sujeira quase artesanal das guitarras... Tudo está lá.

"Into the Deep", "Magic Theatre", "Hollow Man", dividida em duas partes igualmente viajandonas, e até "Grateful When You're Dead", que faz referência direta a outra banda (Grateful Dead), são provas incontestes dessa influência.

Isso sem falar no toque oriental, indiano, característico daquelas coisas que George Harrison, especialmente, gostava de fazer, e que dão a tônica praticamente de todo o álbum. A própria capa não deixa dúvidas, não. "Sleeping Jiva", instrumental executada toda com instrumentos típicos hindus; a lisérgica "Tattva" um transe rock'n roll; a celebração reverencial de "Temple of Everlasting Light"; e, especialmente, "Govinda", uma peça apoteótica, e a que melhor conjuga o psicodelismo rock'n roll com a sonoridade exótica e suas representatividades espirituais, são os melhores exemplos dessa revisita aquela rica fusão que Harrison já levara seus companheiros de banda a experimentar lá nos idos dos 60's.

Destaque também para o rock estridente da vibrante "303", para a balada folk "Start All Over, com cara de "Rubber Soul", e para o funk-rap-krishna psicodélico "Hey Dude", cuja semelhança, "por mínima que seja", com algum título de música dos Beatles que você conheça, provavelmente, não terá sido mera coincidência.

Imitação? Não. Eu diria inspiração. E os rapazes do Kula Shaker tiraram bom proveito da fonte nesse seu magnífico "K".


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FAIXAS:

  1. Hey Dude
  2. Knight on the Town
  3. Temple of Everlasting Light
  4. Govinda
  5. Smart Dogs
  6. Magic Theatre
  7. Into the Deep
  8. Sleeping Jiva
  9. Tattva
  10. Grateful when You're Dead / Jerry Was There
  11. 303
  12. Start All over
  13. Hollow Man

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Ouça:
Kula Shaker - K


Cly Reis 

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Música da Cabeça - Programa #376

 

"Bote no meio do X, só pra ficar mais feliz", diz aquela música. É, às vezes, a vida imita a arte. Bloqueando quem quer avacalhar, o MDC desta semana vem com a autoridade de Rush, Paul McCartney, Rogério Skylab, Walter Franco e mais, como o homenageado Anton Bruckner no quadro Cabeção. Cumprindo a decisão, o programa, ao contrário do X, não sai do ar: entra. Será às 21h, na desbloqueada Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues (e não é que Xandão também se escreve com X...)


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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Françoise Hardy - "Tant De Belles Choses” (2004)

 

"Henri Salvador, que tinha uma gravadora, viu minha apresentação na televisão e telefonou com a intenção de assinar um contrato comigo. A reunião nunca aconteceu, porque eu já estava sob contrato, mas eu sinto tontura toda vez que penso no meu desenvolvimento profissional e o curso que isso tomaria se um artista tão excepcional quanto Henri tivesse me colocado sob sua asa."
Françoise Hardy, em sua autobiografia "The Despair of Monkeys and Other Trifles: A Memoir by Françoise Hardy", de 2018

Ela havia completado 80 anos recentemente, o que foi motivo de celebração para os fãs desta artista cult que somente um país como a França podo gerar. Ela é Françoise Hardy, cantora, compositora, atriz e modelo, que além de linda e talentosa, reúne características daquilo que há de melhor na cultura de sua cidade-natal, Paris: o bom gosto, a delicadeza e a elegância. Mas um câncer a levou em junho deste ano, pouco mais de um mês antes da abertura das Olimpíadas iniciarem na própria Cidade-Luz. Quem sabe ela também não estaria na cerimônia de abertura às margens do Sena tocando?

Surgida como uma das principais figuras do movimento yé-yé nos anos 1960, ela conquistou a Europa com sua voz suave e estilo distinto. Instrumentista desde a adolescência, ela fez faculdade de Ciências Políticas e de Letras na Sorbonne, mas não conclui nenhum dos cursos, pois já havia descoberto sua vocação. Depois de passar em uma seleção de novos talentos da gravadora Vogue, em 1961, passa a cantar na TV francesa e logo foi catapultada ao sucesso com a canção "Tous les Garçons et les Filles", que vendeu milhões de cópias. Hardy não conquistou só o público francês, mas também ganhou notoriedade internacional, gravando versões de suas músicas em italiano, alemão e inglês.

Bela, foi também musa na moda e no cinema. Com o fotógrafo Jean-Marie Périer, com quem se relacionou até 1967, Françoise entrou no mundo da moda atuando como modelo e tornou-se um ícone fashion. Em colaboração com designers renomados como Yves Saint-Laurent e Paco Rabanne, ela influenciou a moda dos anos 1960 com seu estilo característico de minissaias e botas brancas. No cinema, foi dirigida por Jean-Luc Godard, Roger Vadim, Clive Donner e John Frankenheimer, quando contracenou com Peter Sellers e Peter O'Toole no clássico "Grand Prix", de 1966. Françoise era desejada por homens e mulheres, de David Bowie a Mick Jagger, de Brian Jones a John Lennon.

Na música, no entanto, foi onde mais se desenvolveu. Evoluiu do rock inocente e passou a gravar coisas como o folk “Suzanne”, de Leonard Cohen, e, em passagem pelo Brasil, voltou para a França na mala com uma versão francófona de “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, intitulada “La Mésange”. As fronteiras sonoras de Françoise começavam a se expandir. Entre 1962 e 1973, ela lançou um álbum por ano, consolidando seu status como uma das principais artistas da época. Alguns de seus maiores sucessos incluem "Le Temps de l'Amour" e "Mon Amie la Rose". Ela trabalhou com compositores renomados como Serge Gainsbourg, que escreveu para ela o hit "Comment te Dire Adieu", e Michel Berger, que compôs duas canções para o álbum "Message Personnel" (1973). Com tudo sua voz ligeiramente rouca e afinada e muito bom gosto sonoro, tornou-se uma excelente melodista e letrista admirada por ícones como Henri Salvador, que até quis contratá-la no início da carreira.

Embora a extensa discografia, que adentrou os anos 70, 80 e 90, foi na maturidade que Françoise chegou a seu auge em termos de musicalidade. Ela já havia surpreendido crítica e público com o triunfante retorno aos estúdios depois de 4 anos de pausa com “Clair-Obscur”, de 2000, quando, além de suas excelentes interpretações, composições e versões, canta com gente como Iggy Pop, Olivier Ngog e o ex-marido e eterno parceiro musical Jacques Dutronc. Porém, precisariam mais quatro anos para que viesse, aí sim, com o irretocável “Tant De Belles Choses”, 24º de sua longa trajetória e que completa 20 de lançamento em 2024.

Françoise: ícone também
da moda e do cinema nos
anos 60 e 70
À época com 60 anos, parece que a idade dava a Françoise aquilo que poeticamente Caetano Veloso sentenciou sobre a velhice: “Já tem coragem de saber que é imortal”. A faixa-título e de abertura e encerramento, evidencia esse amadurecimento diante do mundo, diante das coisas, que se tornam graciosamente belas a seu olhar. Na sequência, a sempre presente influência da música brasileira na sonoridade dos franceses está na francesíssima bossa-nova “À L'ombre De La Lune”. Clima parecido tem “Jardinier Bénévole”, mais cadenciada e enigmática, contudo, principalmente pelas programações de ritmo, pelos teclados reverberantes e pelo contracanto de Alain Lubrano.

Balada triste e romântica, “Moments” é uma das duas cantadas em um inglês do álbum juntamente com o pop quase tribal “So Many Things” – ambas não coincidentemente muito parecidas com o som da Everything But the Girl, uma vez que a inglesa Tracey Torn certamente tem em Françoise uma grande inspiração no modo de cantar e compor. Já “Souir de Gala” é um dos belos exemplos da canção pop hardyana, com versos muito melodiosos e visivelmente composta ao violão, embora o piano faça a marcação enquanto a guitarra solta frases pontuais. A voz dela, aliás, sempre suave, bem colocada, sensual. Sem percussão, apenas sob teclados e efeitos, “Sur Quel Volcan?” é outra que merece muita atenção. Interrogativa e não menos reflexiva, a letra diz: “Eu peço emprestado passagens, becos/ Eu pego mensagens, segredos/ Neste espaço de filigrana/ Eu veria um pedaço da sua alma?/ Em qual vulcão/ Vamos dançar/ Você e eu/ A que custo?/ Quem vai queimar lá/ Você ou eu?”.

O jazz com traços franceses, que mestres como Henri Salvador e Francis Lai legaram à música ocidental, vem na gostosa “Grand Hôtel”. A linha jazzística permanece em “La Folie Ordinaire”, que antecipa a potente – e fantasticamente melódica – “Un Air de Guitare”, em que Françoise canta com urgência os versos, os quais fraciona em três instantes bem marcados. O violão, constante e premente, ganha a parceria da dona da música, a “guitare”, tocada pelo filho Thomas Dutronc. Que baita música! Já na tensa “Tard Dans La Nuit…” – que lembra os temas densos de Nico –, Françoise fala das dores e angústias que a noite esconde. “Ela não é quem deve ser culpada/ Tantos sonhos se dissipam/ É melhor se esconder nas sombras/ As ruas não são seguras/ Atrás das portas blindadas/ Cães latem impiedosamente/ Ninguém pôde dizer/ De onde vieram os golpes/ Tarde da noite”.

Finalizando, mais uma preciosidade: “Côté Jardin, Côté Cour”. Lindo refrão: melodioso, elegante, suave e intenso ao mesmo tempo. A faixa se liga diretamente com a segunda versão de “Tant De Belles Choses”, que ressurge para terminar o disco de maneira imponente. E embora Françoise tenha lançado ainda outros quatro bons trabalhos até o fim da vida, este parece melhor representar a si e ao país ao qual trazia o radical no nome. Com 20 anos de antecedência à própria despedida, ela versa, concordando com aquilo que Caetano disse, a seguinte frase: “O amor é mais forte que a morte”. Nada além da mais pura verdade quando se fala de uma artista imortal como Françoise Hardy.

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FAIXAS:
1. "Tant De Belles Choses" (Pascale Daniel/ Alain Lubrano) - 4:02
2. "À L'ombre De La Lune" (Benjamin Biolay) - 3:38
3. "Jardinier Bénévole" (Lubrano) - 4:02
4. "Moments" (Perry Blake/ Marco Sabiu) - 3:31
5. "Soir De Gala" (Thierry Stremler) - 2:46
6. "Sur Quel Volcan?" (Daniel) - 3:08
7. "So Many Things" (Blake/ Sabiu) - 3:29
8. "Grand Hôtel" (Stremler) - 3:13
9. "La Folie Ordinaire" (Ben Christophers) - 2:32
10. "Un Air De Guitare" (Françoise Hardy)  - 3:58
11. "Tard Dans La Nuit…" (Daniel/ Lubrano) - 3:27
12a. "Côté Jardin, Côté Cour" (Lubrano) - 4:10
12b "Tant De Belles Choses (Version)" (Daniel/ Lubrano) - 3:58

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Daniel Rodrigues

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Música da Cabeça - Programa #374

 

Qual é a música? Vocês já devem ter adivinhado: a da cabeça, óbvio. Na semana em que Silvio Santos atravessou de vez a porta da esperança, a gente abre aqui nosso baú da felicidade recuperando mais um programa antigo, desta vez o de nº 280, rodado há exatamente 2 anos e no qual sorrimos e cantamos com André Abujamra, entrevistado da edição. O MDC vem aí, às 21h, na televisiva Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues la, la la la la, la la... 


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quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Caetano Veloso & Chico Buarque - "Caetano e Chico Juntos e ao Vivo” (1972)



por Márcio Pinheiro

"Eu gosto muito de você, Caetano, porque você me desconcerta."
Chico Buarque

No final de 1972, Chico Buarque estava na Bahia, ao lado de Caetano Veloso - que completou 82 anos no último dia 6 - para a realização de um show que dava fim a qualquer boato que colocasse os dois artistas em campos opostos. Registrado pela gravadora Philips, o show se transformaria em disco que seria lançado ainda antes do Natal.

O momento histórico reunindo os dois músicos – numa triste coincidência, na mesma noite em que o poeta e jornalista Torquato Neto se suicidara no Rio de Janeiro – mostra em pouco mais de meia hora de gravação como a afinidade entre eles era imensa.

Com um repertório reunindo composições de Chico (“Bom Conselho”, “Quando o Carnaval Chegar” e “Partido Alto”) e de Caetano (“Tropicália” e “Esse Cara”), com os dois ora se alternando, ora dividindo os vocais, o disco já nascia como relato  histórico caráter antológico. A aparente separação em algumas canções era soterrada na abertura do lado B, com Caetano convidando Chico em “Eu quero dar o fora/E quero que você venha comigo”, em “Você não Entende Nada”, e Chico aceitando o convite e respondendo com “Todo dia eu só penso em poder parar/Meio-dia eu só penso em dizer não/Depois penso na vida pra levar/E me calo com a boca de feijão”, em “Cotidiano”.

Como foi bem observado pelo crítico Julio Hungria em texto no JB, a gravadora apenas se descuidou ao não dar ao evento a condição de caráter histórico, omitindo do registro diálogos, frases de bastidores, confidências que retratassem a importância do encontro. “É um disco predestinado”, definia Hungria, sem esquecer que a censura se fazia presente, como em "Bárbara", de Chico e Ruy Guerra, em que a letra fala de uma “paixão vadia, maravilhosa e transbordante como uma hemorragia” e onde os cortes da Censura podem ser adivinhados apesar da habilidade dos técnicos de gravação. Ou ainda em “Ana de Amsterdã”, dos mesmos autores, em que, num dos versos, a palavra “sacana” da versão original virou “bacana”

Trecho do livro "O Que Não Tem Censura Nem Nunca Terá", de Márcio Pinheiro

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FAIXAS:
1. "Bom Conselho" (Chico Buarque) - Intérpretes: Chico Buarque - 02:00
2. "Partido Alto" (Chico Buarque) - Intérpretes: Caetano Veloso - 05:32
3. "Tropicália" (Caetano Veloso) - Intérpretes: Caetano Veloso - 03:31
4. "Morena dos Olhos D'Água" (Chico Buarque) - Intérpretes: Caetano Veloso - 02:32
5. "A Rita" (Chico Buarque)/ "Esse Cara" (Caetano Veloso) - Intérprete: Caetano Veloso - 03:35
6. "Atrás da Porta" (Chico Buarque/Francis Hime) - Intérpretes: Chico Buarque - 02:44
7. "Você Não Entende Nada" (Caetano Veloso)/ "Cotidiano" (Chico Buarque) - Intérpretes: Chico Buarque/Caetano Veloso - 07:01
8. "Bárbara" (Chico Buarque/Ruy Guerra) - Intérpretes: Caetano Veloso/Chico Buarque - 03:50
9. "Ana de Amsterdam" (Chico Buarque/Ruy Guerra) - Intérpretes: Chico Buarque - 01:45
10. "Janelas Abertas Nº 2" (Caetano Veloso) - Intérpretes: Chico Buarque - 01:56
11. "Os Argonautas" (Caetano Veloso) - Intérpretes: Caetano Veloso - 03:23

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OUÇA O DISCO:

terça-feira, 6 de agosto de 2024

10 músicas francesas de autores não-franceses


Eles não são franceses, mas manjam dos “mon amour”. A sonoridade do idioma francês enseja à musicalidade. E que músico que não gostaria de cantar uma canção em francês? Há os que se aventuraram com muito sucesso, a se ver por Cássia Eller com "Non, je ne regrette rien", Grace Jones com “Libertango” ou Caetano Veloso em "Dans mon Ile". 

No entanto, cantar em francês é uma coisa. Agora, compor não sendo da terra de Piaf é, aí sim, tarefa para poucos. 

Poucos e bons, é possível dizer. Em época de Olimpíadas de Paris, fizemos aqui uma pequena lista de músicos não-franceses e suas composições, originais, na língua de Hugo. E é cada preciosidade, que Aznavour diria, com toda a certeza: “Oh là là”!, elogio que até quem não é da França compreende.

Semelhante ao que fizemos há 3 anos quando das Olimpíadas de Tóquio, pinçamos só coisas interessantes, desde roqueiros a jazzistas, de músicos populares a eletrônicos. Só coisa boa, só "crème de la crème". Confiram aí!

PS: Pensaram que a gente ia puxar a Gretchen cantando "Melô Do Piripipi", hein!?




“La Renaissance Africaine” – Gilberto Gil
Certa vez, nos anos 90, assistia na TV5, canal de televisão estatal francês, a uma entrevista do craque Raí, cidadão francês e ídolo por lá. Até que, de repente, quem o apresentador chama para entrar no estúdio? Gilberto Gil. Com um francês em dia, o mestre teria uma lista só sua de composições francófonas. Uma delas, destacamos aqui, talvez a mais bela de todas, originalmente de 2008 e gravada de maneira gigante em "Concerto De Cordas & Máquinas De Ritmo". Numa Olimpíadas em que grande parte dos atletas da casa são descendentes diretos de africanos, esta música se torna cada vez mais pertinente e poética.




“Dis-mois Comment” – Chico Buarque
O cara tem casa em Paris, onde, aliás, passou o seu recente aniversário de 80 anos. É outro da MPB que domina o francês talvez tanto quanto o português pelo qual é multipremiado como escritor. Tanto que é capaz de escrever canções como “Joana Francesa”, feita para a voz de Jeanne Moreau para o filme homônimo de 1973 na qual brinca com a sonoridade de um idioma e outro. Mas esta aqui, em especial, é integralmente em francês. Trata-se de ser uma das 14 joias da parceria Chico Buarque e Tom Jobim, que nada mais é do que "Eu te Amo", que o autor gravou com a cantora Cecília Leite em 2005.





“Le Petit Chevalier” – Nico
Nico iniciou a carreira musical muito bem amparada por nomes como Bob Dylan, Jackson Browne, Lou Reed e John Cale. Porém, embora o inquestionável talento dessa turma, ela ficava sempre muito dependente e, pior, subjugada a homens e relegada apenas a uma intérprete. Foi então que, em 1971, ela mesma compôs faixa a faixa aquele que é seu melhor álbum: “Desertshore”, no qual consta esta bela canção de ninar cantada em francês pela voz do pequeno francesinho Ari Boulogne, filho da musicista e modelo com o ator Alain Delon, à época com 9 anos. Uma preciosidade, ou melhor, "un bijou".






“Orléans” – David Crosby
Neil Young é amado pelos fãs de rock, mas da turma do folk rock da Costa Oeste David Crosby talvez seja o mais lendário deles. Após encabeçar projetos célebres como a The Byrds, a Crosby, Stills, Nash & Young, ele lança, em 1971, seu primeiro disco solo. Afiado melodista assim como seus parceiros de estrada, ele traz no seu maravilhoso “If I Could Only Remember My Name”  a linda “Orléans”. Tá certo: trata-se de um tema tradicional do folclore norte-americano, mas a roupagem dada pelo arranjo de Crosby justifica o crédito.





“Aéro Dynamik” – Kraftwerk
Por meio e através das máquinas, eles criaram sons universais. Nada mais natural, então, de criarem músicas não apenas no alemão, seu idioma original, mas em outros diversos como inglês, espanhol, português e até japonês. Para a língua da França, no entanto, a Kraftwerk guardou um trabalho especialmente dedicado, que é o belíssimo disco “Tour de France Soundtracks”, de 2003. Todas as músicas não instrumentais receberam letra em francês, como esta, que fala sobre um dos elementos essenciais para o ciclismo e outros esportes de velocidade: a aerodinâmica.





“La Pli Tombé” – Marku Ribas
Marku Ribas é daqueles craques da música brasileira que o Brasil não conhece. Talvez até por isso, ele seja mais bem entendido por quem fala francês. Tendo morado em Paris no final dos anos 60 (atuou neste período em filmes de Robert Bresson e Jean-Marc Tibeau, no qual interpreta o líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes, inclusive), este mineiro incontrolável foi parar na Martinica, onde oficialmente fala-se francês, mas não-oficialmente o crioulo. Numa mistura dessas duas fontes, Marku escreveu algumas de suas canções, como esta, baseada em um folclore tradicional martinicano, que grava em seu excepcional disco “Marku”, de 1976.





“Bonjour, Monsieur Gendarme” – Chico César
Outro talentoso músico brasileiro também se aventurou pelo bom “français”. Chico César, em seu álbum “Vestido de Amor”, de 2022, gravado em Paris e que tem, além da produção do franco-belga Jean Lamoot, toques de músicos africanos, brasileiros e franceses. Primeira composição feita por Chico em francês, foi uma das iscas para atrair os ouvintes de lá para a edição estendida do álbum. Espertinho esse Chico César.





Valse Au Beurre Blanc” – Ed Motta
O ouvido de Ed Motta capta e absorve tudo que é som do mundo. Da tão admirável Paris, não seria diferente. No seu “Dwitza”, de 2009, considerado por muitos seu melhor trabalho, ele manda ver nesta genial “chanson” – e com uma pronúncia daquelas de quem sabe o que está cantando. Mais do que isso: convida para os vocais um coro de barítono e sopranos e ao estilo Bel Canto elegantérrimo. Ah, detalhe: é ele, Ed, quem toca todos os instrumentos. “Va te faire foutre!”, é só o que posso dizer.





Le Mali Chez la Carte Invisible” – Tiganá Santana
O primeiro álbum do compositor, cantor e instrumentista baiano Tiganá Santana, "Maçalê", lançado em 2010, é nada mais, nada menos, do que o primeiro álbum na história fonográfica do Brasil em que um autor apresenta canções próprias em línguas africanas. São línguas do tronco linguístico bantu, mas onde também entra bela canção em francês inspirada em reconstruções idiomáticas de várias pessoas que habitam o solo do continente africano.




Purquá Mecê” – Os Mulheres Negras
A música saiu na gozação com o idioma francês, daquelas típicas da dupla Maurício Pereira e André Abujamra, principalmente, que faria várias dessas na sua banda Karnak anos depois com o russo, o espanhol, o esperanto e por aí vai. Além de ser um barato, a letra, que não diz coisa com coisa, explora a sonoridade do francês e tenta (sim, tenta) traduzir para o português. Clássico d'Os Mulheres Negras.




Daniel Rodrigues