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sábado, 13 de julho de 2024

"As Raízes do Rock", de Florent Mazzoleni - Companhia Editora Nacional (2012)


 


Nesse Dia do Rock, aproveitamos pra destacar aqui um livro bem bacana que conta como esse velho senhor chamado rock'n roll surgiu, focando especificamente nos primórdios do gênero, lá no início da coisa quando sequer tinha esse nome e agregava diversos ritmos para formar sua identidade.

"As Raízes do Rock", do jornalista e fotógrafo francês Florent Mazzoleni repassa as etapas de formação do rock, indo lá no blues raiz dos anos 20 e 30, nos cantores gospel das igrejas, nos primeiros grupos vocais, na aproximação com o jazz, na eletrificação daquele ritmo incipiente, na incorporação de elementos country, na explosão dos grandes nomes, chegando até o início dos anos 60, quando o autor considera que se encerra o primeiro grande ciclo do rock'n roll, que a partir dali daria espaço para outras variações que o próprio gênero possibilitava.

O grande barato do livro na minha opinião é a grande ênfase e reconhecimento da importância dos artistas negros no processo de construção do rock. Mazzoleni não esquece Eddie Cochram, Buddy Holly, Gene VincentHank Williams e, é claro, Elvis, mas destaca com veemência o valor fundamental de um Floyd Smith, um Chubby Checker, de Fats Domino, Sister Rosetta Tharpe, tida por muitos como uma das criadoras do estilo, e Ike Turner com sua "Rocket 88", considerada uma das músicas definidoras do rock'n roll.

Ele anda meio doente, meio capenga, muitos dos grandes nomes que o fizeram chegar até aqui estão indo embora, mas nós amamos esse cara chamado rock'n roll e mesmo que o grande público praticamente o ignore ou não o compreenda bem com sua missão revolucionária e contestadora, ele viverá eternamente para aqueles que o tem nas nas veias, no coração. Hoje e sempre, viva o rock'n roll!

Aqui, alguns detalhes do interior do livro.
Pesquisa séria e dedicada do autor.



por Cly Reis



quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Lonnie Johnson - "Me and My Crazy Self" (1991) *gravações de 1947 a 1953

 




"Tive a sorte de conhecer Lonnie Johnson 
no mesmo clube em que trabalhava 
e devo dizer que ele me influenciou muito. 
Eu costumava observá-lo sempre que podia 
e às vezes ele me deixava tocar com ele. 
Acho que seu estilo de tocar guitarra é o meu favorito."
Bob Dylan


Adoro o blues de Lonnie Johnson!

Acho uma das guitarras mais elegantes do blues. Ela tem uma pegada jazz, também soa meio havaiana às vezes e, de certa forma, já prenuncia um pouco a sonoridade das guitarras da surf music. E tem aquela voz... Ah,  uma voz suave mas empostada, sabe? Intensidade com delicadeza. Isso tudo sem falar no pioneirismo do músico que, nos anos '20, já inovava sendo o primeiro a utilizar um violino amplificado eletricamente.

O bluesman da Louisiana teve altos e baixos na carreira: foi reverenciado, logo depois esquecido, tentou outros rumos, fez escolhas infelizes, chegou a abandonar a carreira, foi redescoberto por um DJ nos anos 60, voltou a brilhar brevemente, voltou a afundar, nunca teve o sucesso merecido, mas no fim das contas, hoje, o que persiste é sua importância como um dos nomes mais influentes do blues.

Seus primeiros álbuns, efetivamente gravados, datam do final dos anos 50, mas a coletânea, lançada nos anos '90, "Me and My Crazy Self", recupera coisas lá de seus primórdios musicais. 

Destaques para "What a Real Woman", a doce "Old Fashioned Love", cara de filme gostoso de comédia romântica, a instrumental "Playing Around", quase uma jam com cada músico detonando no seu instrumento, a charmosíssima "It was all in vain", e a faixa que dá título à coletânea, "Me and My Crazy Self", com sua guitarra requintada, o vocal aveludado de Johnson e uma retaguarda de sax de tirar o fôlego.

Mais um mestre do blues que entra para a seleta galeria dos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS.


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FAIXAS:
1. It Was All In Vain
2. Nothing But Trouble
3. Me And My Crazy Self
4. What A Woman
5. Falling Rain Blues
6. Playing Around
7. It's Too Late Too Cry
8. Seven Long Days
9. Why Should I Cry
10. Friendless Blues
11. Happy New Year Darling
12. Old Fashioned Love
13. My My Baby
14. What A Real Woman

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Ouça:

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

"Robert Johnson - Pacto de Amor à Música", de J.M. Dupont e Mezzo - ed. Darkside / selo Macabra (2022)

 



"Se você é alucinado por blues,
vai adorar este livro.
Mas não é necessário amar o estilo
para apreciar este retrato do bluesman
mais famoso de todos os tempos.
Verdadeira obra-prima,
tanto pela qualidade das ilustrações
quanto pela narrativa,
esta história é mais do que 
uma simples graphic-novel
graças à poética de seu texto e 
à grandeza de seus quadros,
que são, por si só, verdadeiras obras de arte."
Lawrence Cohen, produtor musical do álbum


Algumas biografias, às vezes, podem ser melhores nos quadrinhos do que escritas. Embora tenha assistido a alguns documentários, nunca li, efetivamente, nenhuma biografia de Robert Johnson, mas o que posso afirmar é que a graphic-novel "Robert Johnson - Pacto de Amor à Música", cumpre muito bem seu papel em contar a trajetória do nome, possivelmente, mais importante da história do blues e, certamente, um dos mais importantes da história da música em todos os tempos. 

Nome sempre cercado por lendas, polêmicas e histórias mal contadas, Robert Johnson figura que mudou a forma de fazer, de tocar o blues e influenciou diversos nomes de expressão como Bob DylanRolling Stones, Led Zeppelin, Eric Clapton e outros, teve uma vida conturbada desde a infância, como era comum aos negros norte-americanos sulistas no pós-escravidão. Dotado, na juventude, de um "misterioso" talento, conquistou respeito e até uma certa inveja dentro do meio musical, ao mesmo tempo que causava a ira de produtores musicais por sua irresponsabilidade e tendência à bebida, e provocava o ódio de maridos por conta de sua reputação de mulherengo. Mas é claro, que o principal elemento que envolve o nome de Johnson é o suposto pacto com o Diabo, que teria proporcionado a ele todo aquele absurdo talento. 

Arte que remete ao impressionismo de Van Gogh
com a tradição dos negros sulistas das garrafas nas árvores
 para capturar os maus espíritos

O livro roteirizado pelo jornalista e escritor J.M. Dupont e pelo quadrinista Mezzo, como não podia deixar de ser, explora a lenda na própria narrativa, proporcionado uma condução interessante e constantemente instigante. Com as devidas liberdades artísticas e criativas diante da falta de informações precisas, com uma arte robusta e com um traço marcante, os autores nos entregam uma biografia gráfica convincente ao mesmo tempo poética e documental.

Mais uma biografia em quadrinhos que não fica devendo nada a outras em outros formatos e que comprova, mais uma vez, o valor das HQ's. Documento indispensável para amantes da música, aficcionados pelo blues, fãs de Robert Johnson e, até mesmo... adoradores do Diabo.

Arte maravilhosa de Mezzo!
O blues embalando a loucura durante a grande depressão norte-americana dos anos '30



por Cly Reis


quinta-feira, 15 de junho de 2023

"O Som dos Negros no Brasil - Cantos, Danças, Folguedos: Origens", de José Ramos Tinhorão - ed. 34 (2008)

 



Estudo sobre as origens e influências dos ritmos de origem africana no Brasil

"Tendo caminhado naquele dia até quase as quatro da tarde,
ouvi perto da estrada, por onde se descia a um vale,
a música pastoril dos pretos, que parecia
se estavam suavizando do jugo do trabalho."
Nuno Marques Pereira, peregrino português,
em relato do final do séc. XVII


"A música tem, em elevado grau,
a faculdade de espairecer o espírito dos negros e,
naturalmente que ninguém lhes pretendia negar o direito
de suavizar sua dura sorte caras quão
desagradáveis aos ouvidos dos outros.
Consta que certa vez se pretendeu proibir que os negros cantassem
[enquanto trabalhavam] para não perturbar o sossego público.
Diminuiu, porém, de tal forma a sua capacidade de trabalho
que a medida logo foi suspensa."
Reverendo Kidder, missionário metodista, 
em relato de 1837


Numa dessas, conversando com minha mãe sobre blues, sobre meu gosto pelo gênero, o efeito que aquele ritmo produz em mim, comentei com ela sobre sua origem, um canto oprimido, simulado, trabalhando, na escravidão, nos campos de algodão do sul dos Estados Unidos. Foi então que ocorreu a ela me apresentar o livro "O Som dos Negros no Brasil", no qual se dava uma situação  semelhante, de escravos negros cantando mesmo durante a mais pesada e forçada labuta. Efetivamente, o livro do jornalista e pesquisador José Ramos Tinhorão dedica uma parte de seu estudo a esse curioso pormenor, contudo, em absoluto, se limita a isso. É um abrangente e muito bem documentado estudo que retorna desde antes da própria colonização em terras brasileiras, já relatando os hábitos e manifestações dos cativos africanos em seu próprio território, em terras portuguesas e, capturados, já submetidos, a bordo das embarcações dos exploradores.

Tinhorão examina a fundo cada passo da manifestação musical dos negros escravizados no Brasil, desde as senzalas, as manifestações religiosas de seus deuses e entidades, as limitações, as proibições, as pequenas concessões dos brancos, avançando para uma tímida 'entrada' na Casa-Grande, a uma gradual aceitação da sociedade, e chegando a apropriação por parte do branco, dos sons dos negros, originais de rituais e folguedos, adaptados a ritmos menos 'selvagens'. Cada detalhe é comprovado por cartas, anúncios de vendas de escravos, matérias jornalísticas da época, documentos oficiais, relatos de viajantes e pesquisadores, e documentos oficiais, não deixando margem de dúvida quanto a datas, locais ou envolvidos em determinado episódio que marque o desenvolvimento dos ritmos negros no nosso país.

À parte as curiosidades, a maneira inferior como eram tratados os hábitos musicais africanos, o desprezo e a resistência da sociedade em relação à introdução desses ritmos na cultura 'civilizada', me chamou atenção, particularmente, a dimensão da influência que esses sons, que essa cultura negra teve na própria música portuguesa, em especial no fado. Dada a leveza e a melancolia do gênero musical tipicamente lusitano, nunca imaginaria ter sofrido tamanha influência da umbigada e do lundu dos negros, afro-brasileiros ("A julgar pela descrição das danças do lundu e do fado feitas por viajantes (...) os pontos coincidentes entre as duas danças são tantos que quase se poderia no fado como um segundo nome para o mesmo lundu.").

Enfim, uma bela recomendação de leitura. Muito melhor do que imaginava. Estudo, pesquisa, trabalho documental, mas nada maçante. Muito pelo contrário! Leitura extremamente prazerosa e estimulante.


Cly Reis 

domingo, 18 de setembro de 2022

AC/DCover e Blues Etílicos - Expo Rio Cervejeiro - Praça Paris - Rio de Janeiro /RJ (17/09/22)



Nem a lama, da chuva do dia anterior, atrapalhou
os fãs de rock e amantes da cerveja.
Estive, ontem, na Expo Rio Cervejeiro, festival de expositores, cervejaria, gastronomia e cultura, realizado na Praça Paris, no Rio de Janeiro, onde tive o prazer de assistir a dois ótimos shows: da AC/DCover, grupo de músicos-fãs, obviamente, inspirados nos australianos da AC/DC, que não decepcionam na homenagem e na interpretação, satisfazendo o público com uma falsa, mas agradável sensação, de quase aquilo é quase tão bom quanto o original. Muita energia, músicos competentes, entrosados, bem ensaiados, lição de casa bem feita e um Angus (Flávio) Young que sola, rola no chão, faz o passinho característico e ainda paga um strip-tease exibindo uma cueca com o logo da banda (Impagável!). Baita show! Muito valeu! Destaque para"Thunderstuck", em que puxaram o coro naquele clássico "Thunder!!!", e "Highway to Hell", cantado junto pela galera no refrão.


AC/DCover - "Back in Black"


O outro foi da excelente Bles Etílicos, meio desfalcada, é verdade, do vocalista Greg Wilson , com problemas de saúde, do baterista titular, licenciado em ano sabático na Europa, mas não menos competente e impressionante pelas ausências. Aquele blues cheio de tradição norte-americana mas com um pé nas raízes do Brasil e, é claro, sempre muito inspirada no álcool, nos drinks e nos "birinaites", com duas grandes odes à cerveja, a grande homenageada do evento, uma, parceria da banda com Fauto Fawcett, é outra, com o saudoso Celso Blues Boy.
Enfim, rock roll, blues e cerveja... O que é que alguém pode querer mais?
Noite de sábado perfeita.
Fique, aí, com algumas imagens do evento:


O AC/DCover no palco


O cover de Angus Young foi um show à parte.

Aqui, a Blues Etílicos quebrando tudo no blues.


O lendário Flávio Guimarães mandando ver na harmônica





Cly Reis

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Stephen Stills - "Stephen Stills" (1970)

Como fazer um disco clássico em 10 lições


“Sou uma das pessoas mais preguiçosas que conheço, mas quando eu pego fogo, fico obsessivo.”
Stephen Stills

Quem acessa as páginas do livro “1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer” talvez nem se aperceba de um dado interessante: há mais álbuns do combo Crosby-Stills-Nash-Young do que dos Beatles. Enquanto os ingleses somam 12 discos seja da banda quanto dos trabalhos solo de seus ilustres integrantes, os americanos mandam ver em nada menos que 16 registros considerando-se os dos quatro juntos, em trio, em duo, seus respectivos solo, um da Buffalo Springfield e os três da The Byrds com David Crosby na formação. Mais do que curiosa, essa comparação diz muito principalmente quando se refere ao rock do início dos 70. Enquanto os Beatles separavam-se e dispersavam suas produções, a turma da Costa Oeste mantinha-se firme e forte. E unida. Somente nos primeiros três anos daquela década, são 6 memoráveis discos em que todos se visitam, entre estes o primeiro solo de Stephen Stills

Acontece que, mesmo sendo um ativo integrante da Buffalo e autor do maior hit da banda, a clássica "For What It's Worth", de 1966, que colocara a banda no rol das vendedoras de 1 milhão de cópias, pairava uma inexplicável desconfiança sobre a verdadeira capacidade de Stills. Claramente, o jovem cantor e compositor texano, de apenas 25 anos à época, talvez pela personalidade mais acanhada ou preguiçosa, não gozava da mesma idolatria que seus companheiros, principalmente em relação a Crosby, já considerado uma lenda do rock, e, claro, ao carismático e talentoso Neil Young, consagrado em carreira solo havia dois anos. 

Se não lhe faltava igual talento, então, o que precisava? Vencer a própria indolência e agir. Stills disse a si mesmo: "Querem que eu prove que sei fazer sozinho? Então, vou ser bem didático". Munido de todo seu amplo conhecimento musical, Stills compõe, então, um disco como quem prepara uma aula. São 10 lições... quer dizer: 10 canções, que percorrem o rock em todas as suas vertentes originárias faixa a faixa e de maneira não apenas pedagógica como, principalmente, com rara inspiração. Casando ousadia e melancolia, o doutrinamento começa com “Love the One You're With”, sucesso do disco. Rock com levada latina, seu marcante refrão, a voz rasgada de Stills e os acachapantes coros são de tirar o fôlego. Até os reconhecíveis melismas “tchu ru ru”, ouvido em temas como a suíte “Judy Blue Eyes", da Crosby, Stills & Nash, de um ano antes, estão presentes. Aliás, os colegas estão reunidos fazendo-lhe o coral juntamente com John Sebastian, Priscilla Jones e Rita Coolidge, praticando a mensagem central da canção: “Ame quem está com você”. Com esse cartão de visitas impactante, é como se Stills entrasse pela porta da classe e dissesse à turma: “cheguei!”

Agora que os alunos estão estaqueados nas carteiras, é hora de vir com a segunda lição: “como compor um rock melódico”. A resposta é "Do for the Others", em que o próprio autor faz praticamente tudo sozinho: toca baixo, guitarra, percussão e, claro, canta. Aliás, canta lindamente. Ouvindo-a, fica muito claro de onde vem parte das harmonias da Buffalo e da CSN&Y - e também de onde Ben Harper tirou a melodia de "Diamonds on the Inside". Parte do ensinamento é o de saber variar e aproveitar suas próprias capacidades compositivas. Por isso, a próxima, o rhythm and blues gospel "Church (Part of Someone)", seja talvez ainda tão mais impressionante e marcante. Esplendorosa, pode-se dizer, com direito ao vozeirão de Stills a la Joe Cocker e um coro simplesmente arrebatador.

Tema de casa nº 4: “se forem tentar fazer um hard rock psicodélico em plena fase áurea de Led Zeppelin, Steppenwolf, The Who e Queen, façam-no por completo”. Com a companhia de Calvin "Fuzzy" Samuels no baixo, Jeff Whittaker na percussão e Conrad Isidore na bateria, Stills ataca o Hammond e o microfone e deixa a guitarra para ninguém menos que o maior de todos do instrumento: o amigo Jimi Hendrix, em uma de suas últimas gravações antes de morrer prematuramente um mês depois de “Stephen Stills” ser lançado e a quem, por isso, o disco é dedicado. É visível a proeminência de Hendrix ao lançar suas frases de guitarra, sendo que a música o ajuda muito a desenvolver sua técnica insuperável: embalada, de refrão pegajoso, performances empolgadas e arranjo na medida.

Momento importante da aula, quando o professor Stills excede o ensinamento da disciplina em si e contribui filosoficamente com seus aprendizes: “se você já foi ao Céu, então, não perca a oportunidade de estar com Deus”. Stills faz exatamente isso. Se na faixa anterior ele conta com as palhetadas do gênio da guitarra, em "Go Back Home" é o Deus do instrumento, Eric Clapton, que é convocado. Comandando os pedais de distorção, o autor de “Layla” escreve um blues eletrificado abençoado pelos anjos. Um show nas nuvens.

É a vez de aliviar novamente o andamento e trazer o delicioso pop-rock "Sit Yourself Down", em que conta mais uma vez com um poderoso coro dos amigos, agora ainda ajudados por Cass Elliot e Claudia Lanier. Mais uma melodiosa, a balada triste “To a Flame”, além de emocionar, tem a primeira aparição de orquestra, claro, estrategicamente reservada para surpreender os ouvintes no sétimo número, já se encaminhando para o final do disco. Com arranjo e condução do maestro Arif Mardin, as cordas e metais entram na segunda metade da faixa e acompanham o piano e a voz agora suave e afinadíssima de Stills. Que perfeição!

O conteúdo até aqui teve R&B, hard-rock, blues, gospel, balada, country e tudo mais, certo? Pois Stills guarda ainda três joias diferentes entre si para completar seu compêndio musical. O músico traz, agora, a acústica “Black Queen”, limite entre o folk e o blues: ao estilo Muddy Waters em "Folk Singer", conta com violão de corda de aço e voz. Aliás, o vozeirão rouco e inebriado de Stills! Com esta nova batelada de conhecimento, Stills encaminha-se para o encerramento de seu tutorial.  "Cherokee", a nona preleção, é o intermeio entre tudo o que veio antes e o aguardado final. O que não significa que o mestre desperdice esse momento. Aliás, faz num rock soul com rico arranjo de metais e madeiras e outra participação ilustre, a do multi-instrumentista Booker T, líder da Booker T & The MG's, esmerilhando no órgão.

Ufa! Quanta variedade! Mas ao mesmo tempo, quanta coesão do disco até aqui. Porém, antes da sirene tocar, Stills guarda o melhor para a última página do polígrafo. Com versos de esperança a uma América livre e afetiva (“Todos são estranhos, todos são amigos/ Todos são irmãos”), "We Are Not Helpless" é o gran finale que qualquer disco de rock gostaria de ter – e que poucos, muito poucos conseguem. Balada rascante e melodiosa, que resume todas as vertentes trazidas anteriormente, com a voz possante de Stills sobrando em intensidade. A música, no entanto, vai além disso. Se o começo remonta à melancolia do folk-rock de origem, a melodia avança para um crescente emocional, principalmente quando voltam, triunfantes, as cordas, os metais e o coral. Mas ainda tem mais! Para arrebentar o coração de quem acompanhou o álbum até então, "We...” transforma-se, como “You Can't Always Get What You Want” dos Rolling Stones, de um ano antes, num rock gospel embalado. O final, apoteótico, junta tudo: banda, voz, cordas e o órgão, o qual tem a primazia de pronunciar o último acorde. Como disse o policial Malone a Elliot Ness em “Os Intocáveis”: “aqui termina a lição”.

Mais do que um apanhado de temas que exercitam o arsenal estilístico da música pop dos anos 60/70, o álbum de estreia de Stills é uma aula também de como fazer um grande disco, com ritmo narrativo envolvente e, principalmente, construído com músicas de qualidade inquestionável. Depois de “Stephen Stills”, nunca mais ninguém se meteu a besta em colocar a capacidade do músico à prova. Como um professor que avalia uma prova, ele foi passando a régua nas desconfianças uma a uma e cravando pontuação máxima em todas. A recompensa, por fim, não poderia ser outra: nota 10 pra ele.

**********
FAIXAS:
1. "Love the One You're With" - 3:04
2. "Do for the Others" - 2:52
3. "Church (Part of Someone)" - 4:05
4. "Old Times Good Times" - 3:39
5. "Go Back Home" - 5:54
6. "Sit Yourself Down" - 3:05
7. "To a Flame" - 3:08
8. "Black Queen" - 5:26
9. "Cherokee" - 3:23
10. "We Are Not Helpless" - 4:20
Todas as composições de autoria de Stephen Stills

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OUÇA O DISCO:
Stephen Stills - "Stephen Stills"

Daniel Rodrigues

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Bob Dylan - "Blood on the Tracks" (1975)

Dylan, o salvador

 

"Como se estivesse escrito em minha alma de mim para você." 
Verso da letra de "Tangled Up in Blue"


A intenção deste texto não é falar sobre “Blood on the Tracks”. Assim como outros vários discos de Bob Dylan, esta obra-prima merece estar entre os fundamentais de qualquer discoteca rock como “Desire”, “Besament Tapes”, “Planet Waves”, “The Freewheelin' Bob Dylan” ou os aqui já resenhados “Blonde on Blonde”, "Bringing It All Back Home" e "Highway 61 Revisited"

Na verdade, é quase irrelevante comentar que “Blood...” é considerado por muitos o seu melhor trabalho; que, confessional, foi escrito sob a dor dilacerante de um casamento desfeito; que a "cozinha" que lhe acompanha é a clássica The Band; ou que traz algumas das melhores letras e arranjos da carreira de Dylan, da lindeza de sua faixa de abertura, "Tangled Up in Blue"; da emocionante balada arrependida “If You See Her, Say Hello”, uma das mais belas do cancioneiro rock; do blues infalível "Meet Me in the Morning"; do desfecho primordial de “Buckets of Tears”. Não, este texto não se propõe a falar sobre o óbvio. Pelo menos, não a esta obviedade. Quero falar, sim, sobre quando Bob Dylan me salvou. O que não é nenhuma novidade, visto que o Nobel de Literatura 2016 faz isso a uma geração inteira. Voz da cultura beatnik, foi vital para o ativismo social na década de 60 por causas mundiais como os Direitos Civis, o armamento nuclear e a Guerra do Vietnã. Também, o artista que mais do que ninguém, mais que Jean Cocteau, Jim Morrison ou Bertold Brecht, aproximou a literatura e a poesia da música. 

Mas, para chegar a Dylan, tenho que falar antes sobre outro grande músico do século XX a quem também atribuo minha salvação: Henri Mancini. Impossível desvincular essa história, entretanto, de outra figura aparentemente nada a ver com esses dois, pois homem da política e longe de minha consideração: Alceu Collares. Todos a seu modo me levaram a mim mesmo e a “Blood...”. Mas voltemos à metade dos anos 90, quando eu era um jovem recém saído do 1º Grau do Ensino Fundamental. Como para muitos estudantes brasileiros diante desta etapa, tinha eu que escolher o que fazer da vida. Ano de 1994. Governador do Rio Grande do Sul àquela época, Collares, havia nomeado a igualmente incompetente esposa Neusa Canabarro para o comando da Secretaria de Educação do Estado. Ela, por sua vez, instituíra um sistema indigno e desumano de seleção e ingresso de alunos egressos para o 2º Grau que obrigava as famílias de alunos a formarem constrangedoras e quilométricas filas à porta de escolas estaduais semanas antes para, depois de noites e dias de chuva, frio, sol e perigos de violência, mendigar uma vaga. 

Embora já tivesse certa noção de que a Comunicação era meu caminho, a curto prazo não via como algo a seguir. Filho de uma família de classe média pobre e da periferia, queria fazer o 2º Grau e, assim que possível, começar a trabalhar concomitantemente. Para isso, então, melhor era ver um curso técnico, que dava melhores perspectivas para esse plano. Havia uma escola pública que oferecia curso técnico de Publicidade, algo na área que me interessava, mas a procura a este curso, sabia-se, era extremamente disputada e as vagas eram poucas. Fora que, morando longe dessa escola, localizada noutro extremo da cidade, a logística imposta pela política estadual dificultava-nos ainda mais. Outra alternativa era a chamada Informática, algo hoje tão embrenhado na vida social mas que recém começava a surgir no Brasil naqueles idos. Revoltado com a condição desrespeitosa à sempre desfavorecida classe média daquele sistema educacional vigente, e diante da obrigação da escolha para que escola ir, neguei-me a colocar a mim e a minha família naquela situação de infinitas, insalubres, perigosas e aflitivas filas. Não podendo optar por algo mais a fim comigo, e nem mais tendo ao alcance vaga sequer em Informática, o jeito foi deslocar-me para mais longe e pegar o que viesse. Foi então que, por essas coisas que adolescentes não sabem medir, ingressei num curso de Eletrônica como se isso tivesse algum fio de relação com Informática – a qual, por si, já era uma segunda alternativa.

Óbvio que, no transcorrer do curso, as diferenças entre um ser das humanas como eu e um curso essencialmente das exatas como o de Eletrônica apareceram e ficaram cada vez mais evidentes. Afora os discos em casa, estava muito, muito longe de Dylan. Não via a hora de finalizar os três anos exigidos e partir para um cursinho pré-vestibular. 

Consegui, em parte, no entanto, o que me propunha: trabalhar enquanto estudava, o que se deu dentro da própria escola, pois assumi, no contraturno, um estágio no almoxarifado do laboratório. Foi ali, numa noite fortuita, que um dos meus salvadores surgiu. Acompanhava o trabalho de dois alunos, que desenvolviam seu trabalho de conclusão conjunto, fornecendo-lhes os materiais necessários. Já cansados de tanto raciocinarem sobre diodos e transistores, lá pelas tantas começaram a falar sobre assuntos diversos para desanuviar. Em determinado momento, um deles, que gostava de música, quis fazer uma referência ao autor do tema da Pantera Cor-de-Rosa, que ele sabia, mas não se recordava do nome. Foi, então, que eu, de forma extremamente natural, pois era uma informação comum para mim, despretensiosamente ajudei-lhe: "Henri Mancini". A conversa terminou ali, pois o espanto do rapaz foi tamanho que chocou não somente a ele quanto a mim mesmo. Era-lhe tão improvável que o estagiário de almoxarifado soubesse com tanta facilidade quem era o autor de clássicos como "Blue Moon" e "Peter Gunn", que aquela informação não poderia ser descartada por mim. Eu estava gritantemente no lugar errado e meu primeiro salvador, Henri Mancini, me ajudava a tomar o rumo que a vida escolhera.

Corrigida a rota, fiz o pré-vestibular e entrei na faculdade de Jornalismo da PUCRS em 1999, onde pude confirmar categoricamente a assertividade da minha escolha profissional. Entre muitas lembranças, amigos e momentos inesquecíveis daquele tempo, um me marcou. E é aí que entra meu outro salvador. Se naquele episódio do laboratório de Eletrônica o ocorrido com Mancini transcorreu num dia qualquer do qual não guardo com exatidão, neste caso, a lembrança tem dia e ano certos: 24 de maio de 2001. Aniversário de 60 anos de Dylan.

Sem nenhuma combinação prévia, aquela data foi comemorada da maneira mais natural e devota que se possa imaginar. Foi absolutamente bonito e emocionante. Era uma celebração calma e solene: pelos corredores e salas de aula, as pessoas se cumprimentavam, como que celebrando um acontecimento familiar. Era como se um ente querido, um Deus, um salvador, estivesse completando mais um ciclo ao redor do sol e todos ali sabiam do tamanho simbólico disso. Não teve show, “parabéns pra você”, algazarra, nada diferente. Simplesmente, mestre Dylan fazia seis décadas e nós, cientes de que presenciávamos um momento especial, sabíamos que estávamos no lugar certo para compartilhar aquela felicidade. Para mim, assim como Mancini, Dylan não fez nenhuma força para isso: bastou-lhe a sua representativa existência.

Passadas exatas duas décadas daquela célebre noite na faculdade de Jornalismo, Dylan faz, hoje, 80. Muito trilhei depois daquele episódio, que serviu para me dar a certeza de que autoconhecer-se e ser coerente consigo é o melhor caminho. E que vale a pena correr atrás disso. Curiosamente, “Blood...”, considerado a salvação da alma do artista após o choque da separação, a mim represente também isso, porém noutros termos. Como outros álbuns dele, carregam essa força incomensurável de um artista que cumpre aquilo que os grandes são capazes: são fundamentais para o desenvolvimento da civilização, pois decifram o mistério do que somos, estabelecendo pontes entre nossas mentes e corações através de suas obras. Privilégio ter sido um dia, como milhares de outras pessoas, salvo por esse oitentão.

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FAIXAS:
1. "Tangled Up in Blue" – 5:42
2. "Simple Twist of Fate" – 4:19
3. "You're a Big Girl Now" – 4:36
4. "Idiot Wind" – 7:48
5. "You're Gonna Make Me Lonesome When You Go" – 2:55
6. "Meet Me in the Morning" – 4:22
7. "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts" – 8:51
8. "If You See Her, Say Hello" – 4:49
9. "Shelter from the Storm" – 5:02
10. "Buckets of Rain" – 3:22
Todas as composições de autoria de Bob Dylan

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

segunda-feira, 8 de março de 2021

Sister Rosetta Tharpe - "Gospel Train" (1956)

 




"Com uma voz capaz de
 dar vida às estátuas,
ela eletrizava a multidão
cantando pérolas de seu vasto repertório.
Tharpe ilustrava um verdadeiro
jogo de perguntas e respostas
 entre a candura e a autenticidade 
rurais do sul e a sofisticação
 e os novos sons das grandes cidades,
em especial, a guitarra elétrica."
Florent Mazolenni, 
autor do livro "As Raízes do Rock"



Aquela história de "quem inventou" tal coisa nem sempre é tão objetiva e direta quanto pode parecer, ainda mais quando se trata de alguma forma de arte. A produção artística não é assim como uma criação de um bruxo ou cientista maluco que pega um ingrediente daqui, um elemento dali e "pum!", de repente, faz surgir alguma coisa do nada. Na maioria das vezes as coisas são um processo, uma série de contribuições, influências, experiências e ousadias que culminam em determinado resultado que, naturalmente, por seu caráter original em relação ao que se conhecia até então, passa a ser olhado de outra maneira e, normalmente, recebe outro nome, que o diferencia do que o antecedeu.
O rock'n roll, em especial, tem muito dessa coisa de reivindicação de paternidade. "Esse é o pai", "Aquele é o Rei", "Aquele outro é o inventor", são sentenças que costumeiramente ouve-se por aí, atribuídas a uma série de artistas que, abem da verdade, cada um à sua maneira, tiveram sua contribuição no processo de formação do gênero. A verdade é que o estilo foi se moldando, nascido, evidentemente, do blues, mas agregando uma pegada mais acelerada de determinada região, um jeito de tocar diferente de determinado instrumentista, uma nova possibilidade musical de outro estilo, até ser definitivamente batizado de rock'n roll, ali pelos anos '50. No entanto, uma das personagens que deu uma contribuição fundamental nesse processo, não costuma ter um reconhecimento proporcional à importância que tem para a construção da linguagem. Sister Rosetta Tharpe, cantora religiosa desde a infância, agregou, em suas viagens com a mãe, pelas paróquias ao longo dos Estados Unidos, estilos e tendências que ouvia em diversas partes do país e, assim que começou a ter sua própria carreira, colocou esses elementos em sua música, dando a ela um toque absolutamente singular. Embora algumas pessoas lembrem de seu nome, de sua atuação, de sua influência, é raro ver-se expressa a dimensão que Rosetta teve na consolidação dos traços características do rock. A mistura do gospel com o blues, a inserção de elementos do country, a postura de palco, o jeito de pegar a guitarra, de tocar o instrumento e o som que tirava dele, tudo isso no final dos anos 30, são itens, simplesmente, fundamentais para formar aquilo que viria a ser chamado de rock.
Recentemente redescoberta por parte do público, até pela facilidade de acesso da internet, no que diz respeito a pesquisa, garimpo e curiosidade, vem sendo reivindicado a Sister Rosetta o título de "inventora" do rock. Como comecei salientando, lá no início do texto, na minha opinião, essas construções são um crescente, um processo e, não tenho certeza de que seria justo com artistas contemporâneos a ela, que, à sua maneira também colaboraram para o resultado final que conhecemos, dar exclusivamente a ela uma coroa que tem muitos donos, tão legítimos quanto ela.
Irmã Rosetta começou a se destacar e ganhar visibilidade no final dos anos '40 cantando canções de louvação na Igreja de Deus em Cristo, mas, com seu estilo tão singular, suas inovações e por ser uma mulher tocando guitarra daquele jeito, dividia opiniões até mesmo dentro de sua comunidade religiosa. Como na época não se costumava gravar álbuns, Rosetta registrou alguns singles nos anos '40, apresentou-se em várias partes do país, e só foi lançar um álbum, mesmo, em 1956, "Gospel Train", que, embora muito "limpo", muito lapidado para soar mais acessível, e um tanto influenciado pelo blues de uma forma mais direta do que costumavam ser suas canções originalmente, não deixa dívida de quem era aquela mulher e do que ele era capaz.
O disco abre com a maravilhosa "Jericho", canção tradicional americana que ganha um arranjo pulsante no qual a guitarra de Rosetta se destaca de maneira inconfundível. "Up Above My Head" é bem blues, bem dentro daquela domesticação do som mais visceral da cantora, "Can't No Grave Hold My Body Down" é um blues também mas já faz menos concessões, mas é "Fly Away" que consegue trabalhar melhor os etpremos e mostra-se como um dos melhores exemplares da química blues+country que Sister Rosetta conseguia explorar com tanta propriedade e que seria crucial para ao desenvolvimento do rock. "All Alone", por sua vez não fica para trás, com uma estrutura muito moderna e sofisticada, além de um solo absurdo, "rasgado" da guitarrista. 
Ainda que todas as canções sejam de devoção, "When They Ring The Gold Bell" e "How About You" destacam-se na forma como típicos exemplares do gospel, canções bem características de igrejas negras norte-americanas, inclusive com uma certa ênfase no órgão.
Destaque também para a bela "I Shall Know Him" com sua atmosfera dramática e para "Precious Memories" um blues charmoso com uma interpretação impressionante, de arrepiar.
O disco fecha em grande estilo com "99½ Won't Do" numa interpretação verso/resposta que antecipa uma série de tendências e possibilidades e que aquela personagem incrível já explorava de maneira tão fluída e natural.
Se aquela mulher inventou o rock eu não sei, mas que ela teve uma contribuição fundamental é algo que não tem como negar. Mas, vá lá, que tenha criado o rock. Nada mais natural que uma mulher tenha dado a vida a algo, não? Mas independente do título, da coroa, do carimbo, Sister Rosetta Tharpe, pelo pioneirismo, coragem, ousadia, qualidade, pela contribuição, pelo legado, deve estar incluída naquele nobre panteão de grandes mulheres da história. 

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FAIXAS:
  1. "Jericho" – 2:00 (Traditional)
  2. "When they Ring the Golden Bell" – 2:27
  3. "Two Little Fishes, Five Loaves of Bread" – 2:31 (Bernie Hanighen)
  4. "Beams of Heaven" – 3:20
  5. "Can't No Grave Hold my Body Down" – 2:40
  6. "All Alone" – 2:35
  7. "Up Above my Head there's Music in the Air" – 2:21
  8. "I Shall Know Him" – 2:22
  9. "Fly Away" – 2:25
  10. "How about You" – 2:25
  11. "Precious Memories" – 2:36
  12. "99½ Won't Do" – 2:02

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Ouça:
*não conseguimos o álbum na íntegra, como sempre fazemos,
mas, no link acima, você pode conhecer grande parte da obra da cantora, 
com várias das canções que fazem parte deste álbum.


por Cly Reis







sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Ao mestre, com carinho

Gil e a imagem de um de seus mestres
homenageados: Bob Marley
É comum que músicos reverenciem seus mestres. Intérpretes e mesmo os compositores gostam de, invariavelmente, recuperar temas ou referências daqueles em quem se inspiram, muitas vezes intercalando-os com suas próprias autorias seja em discos ou em shows. Não raro veem-se, inclusive, artistas consagrados, a certa altura da carreira, gravarem aquele disco só de versões dos outros. No rock, isso é bem recorrente: John Lennon, Siouxsie & The Banshees, R.E.M., Rage Against the Machine, Titãs e Ira! são casos típicos para ficar em alguns exemplos dos inúmeros possíveis.

Mas um artista autoral abrir mão de composições suas para se dedicar apenas ao repertório do seu mestre, aí já é mais raro. No entanto, fomos atrás e listamos alguns trabalhos assim: aprendizes homenageando seus mestres. Não valem aqui discos de intérpretes, por melhor que sejam as obras, como Gal Costa em seu "Gal Canta Caymmi" ou Sarah Vaughn com seu "Plays Beatles", por exemplo. Álbuns memoráveis estes, mas de cantoras fazendo aquilo que melhor sabem, que é interpretar. Também não entram aquelas “homenagens” ou shows especiais, mesmo que de apenas um artista para outro. Não caberia, por exemplo, “Loopicinio” (2005), em que o músico Thedy Correa faz um exercício de modernização ao samba-canção “dor de cotovelo” de Lupicinio Rodrigues. Válido, mas sabe-se que Lupi não é bem O “mestre” para quem formatou sua carreira no pop rock beatle com como Thedy.

Aqui, a proposta é outra e até mais desafiadora a quem está acostumado a escrever as próprias músicas. O mergulho na obra de quem o inspirou é, desta forma, duplamente instigante: manter a autoexigência do que costuma produzir e, no mesmo passo, fazer jus à obra daquele que reverencia. Chega a ser um exercício de desprendimento. Tanto é diferente este tipo de projeto, que não é extensa a listagem, não. Pelo menos, daquilo que encontramos. Se os leitores identificarem novos trabalhos semelhantes, o espaço está aberto para aumentarmos nossa lista de álbuns dos seguidores aos seus mestres.


Eric Clapton
– “Me and Mr. Johnson” (2004) 

Para Robert Johnson

Vários roqueiros já gravaram Robert Johnson, de Rolling Stones a Red Hot Chili Peppers. Mas quem pode ser considerado um filho artístico do pioneiro do blues do Mississipi é Clapton. Já resenhado nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, este poderoso disco do mais seminal blues rock é o encontro do céu com o inferno: Deus, como Clapton é apelidado, e o Diabo, com quem dizem Johnson ter feito um pacto para que tivesse tanto talento. Se foi ação do bem ou do mal, o fato é que funcionou tanto para ele quanto para seu maior aprendiz. Só podia dar num disco essencial.





FAIXAS:
01. "When You Got a Good Friend" 
02. "Little Queen of Spades"  
03. "They're Red Hot"  
04. "Me and the Devil Blues" 
05. "Traveling Riverside Blues" 
06. "Last Fair Deal Gone Down" 
07. "Stop Breakin' Down Blues" 
08. "Milkcow's Calf Blues" 
09. "Kind Hearted Woman Blues" 
10. "Come on in My Kitchen" 
11. "If I Had Possession Over Judgement Day" 
12. "Love in Vain" 
13. "32-20 Blues" 
14. "Hell Hound on My Trail"  


Velha Guarda da Portela
– “Homenagem a Paulo da Portela” (1988)
Para Paulo da Portela

Celeiro de alguns dos melhores compositores do samba brasileiro, como Alberto Lonato, Candeia, Manaceia, Mijinha e Chico Santana, a Velha Guarda da Portela reuniu-se para homenagear aquele que considera o maior deles: Paulo da Portela. E o faz com time completo: Monarco, Casquinha, Argemiro, Jair do Cavaquinho e as pastoras originais. Se o padrinho do conjunto é merecidamente Paulinho da Viola, é o outro Paulo o que ocupa o lugar de principal referência de compositor para a turma da escola a qual levou no próprio nome com autoridade.




FAIXAS:
01. Linda Guanabara
02. Homenagem ao Morro Azul / Para que Havemos Mentir
03. Teste ao Samba
04. Conselho
05. Deus te Ouça
06. O Meu Nome Já Caiu no Esquecimento
07. Quem Espera Sempre Alcança
08. Linda Borboleta
09. Cocorocó
10. Este Mundo é uma Roleta
11. Ópio 
12. Cantar para Não Chorar


Gilberto Gil
 – “Kaya N'Gan Daya” (2002)
Para Bob Marley

O múltiplo Gil, mesmo na época da radicalização do Tropicalismo, nunca escondeu que seus mestres eram Luiz Gonzaga, João Gilberto e Bob Marley. Ao primeiro ele dedicou o conceito e regravações na trilha de “Eu Tu Eles” e em “Fé na Festa”, mas aos outros dois rendeu discos completos com o que mais lhe fazia sentido em suas obras. Para o Rei do Reggae criou um disco de ótimos arranjos, juntando letras no inglês original ou versões muito bem traduzidas, como a faixa-título e “Não Chore Mais” (“No Woman, no Cry”), tal como ele havia pioneiramente versado em “Realce”, de 1979. A sonoridade, aliás, não fica somente no reggae, mas também dialoga muitas vezes, justamente, com o baião de Gonzagão. 




FAIXAS:
01. "Buffalo Soldier"  
02. "One Drop" 
03. "Waiting in Vain" 
04. "Table Tennis Table" 
05. "Three Little Birds" 
06."Não Chore Mais (No Woman, No Cry)"
07. "Positive Vibration" 
08. "Could You Be Loved" 
09. "Kaya N'gan Daya (Kaya)" 
10. "Rebel Music (3 O'Clock Road Block)"  
11. "Them Belly Full (But We Hungry)" 
12. "Tempo Só (Time Will Tell)"  
13. "Easy Skankin'"   
14. "Turn Your Lights Down Low"  
15. "Eleve-se Alto ao Céu (Lively Up Yourself)" 
16. "Lick Samba"


Zé Ramalho
– “Tá Tudo Mudando” (2008)
Para Bob Dylan

O músico paraibano sempre reverenciou o autor de “Like a Rolling Stone”. Neste álbum, contudo, fez como só ele poderia: arranjos entre o rock e a música brasileira, sotaque nordestino e as letras em português. Difícil traduzir um Nobel de Literatura? Sim, mas Ramalho, com talento e conhecimento de fã, acerta em cheio. Magníficas "O Homem Deu Nome a Todos Animais" (“Man Gave Names to All the Animals”), regravada por Adriana Calcanhotto em seu “Partimpim 2”, e, a versão para a clássica “Knockin' on Heaven's Door”, provando pros tupiniquins com “síndrome de vira-lata” que criticaram à época, que soa muito melhor um refrão com os versos "Bate bate bate na porta do céu" do que "Knockin' knockin' knockin' on heaven's door". Perto da solução achada por Ramalho, a original nunca mais deixou de soar cacofônica. "I'm sorry, mr, Dylan".



FAIXAS:
01. "Wigwam / Para Dylan" 
02. "O homem deu nome a todos animais (Man Gave Name To All The Animals)" 
03. "Tá tudo mudando" 
04. "Como uma pedra a rolar"  
05. "Negro Amor (And it's All Over Now, Baby Blue)" 
06. "Não pense duas vezes, tá tudo bem (Don't Think Twice, It's All Right)" 
07. "Rock feelingood (Tombstone Blues)" 
08. "O vento vai responder"  
09. "Mr. do pandeiro (Mister Tambourine Man)"  
10. "O amanhã é distante" 
11. "If Not for You" 
12. "Batendo na porta do céu - versão II" 


Rita Lee
– “Bossa ‘n Beatles” (2001)
Para The Beatles

Quando Ramalho gravou seu “Tá Tudo Mudando”, já havia um antecedente de 7 anos antes na discografia brasileira de artista que versou outro monstro sagrado do rock como Dylan dando-lhe caracteres brasileiros. Depois de uma via crúcis para pegar autorização com Yoko Ono para versar a obra do seu ex-marido, Rita conseguiu, finalmente, juntar duas paixões as quais domina como poucos: o rock libertário dos Beatles e as ricas harmonias da bossa nova. Tão filha musical dos rapazes de Liverpool quanto de João Gilberto, somente Rita pra prestar uma homenagem como esta.




FAIXAS:
01. "A Hard Day's Night"
02. "With A Little Help From My Friends"
03. "If I Fell"
04. "All My Loving"
05. "She Loves You"
06. "Michelle"
07. "'In My Life"
08. "Here, There And Everywhere"
09. "I Want To Hold Your Hand"
10. "Lucy In The Sky With Diamonds"
Faixas bônus:
11. "Pra Você Eu Digo Sim (If I Fell)"
12. "Minha Vida (In My Life)"


The The
– “Hanky Panky”
(1995) 
Para Hank Williams

O talentoso “homem-banda” Matt Johnson é um cara fiel às suas origens. Depois de relativo sucesso na metade dos anos 80, ele capturou o amigo de adolescência Johnny Marr, guitarrista recém-saído da The Smiths, para gravar os dois melhores álbuns da The The. Porém, o autor de “This is the Day” queria ir ainda mais a fundo nas autorreferências e foi achar a resposta no músico country “vida loka” Hank Williams. Embora bem arranjado por Johnson e D. C. Collard, “Hanky...”, já sem Marr na banda, por melhor que seja, deixa, no entanto, aquela interrogação para os fãs: “não teria sido ainda melhor com Marr?”





FAIXAS:
01. "Honky Tonkin'"
02. "Six More Miles"
03. "My Heart Would Know"
04. "If You'll Be A Baby To Me"
05. "I'm A Long Gone Daddy"
06. "Weary Blues From Waitin'"
07. "I Saw the Light"
08. "Your Cheatin' Heart"
09. "I Can't Get You Off of my Mind"
10. "There's a Tear in My Beer"
11. "I Can't Escape from You"


Gilberto Gil
– “Gilbertos Samba”
(2014)
Para João Gilberto

12 anos depois de prestar tributo a Bob e de referenciar Luiz Gonzaga em mais de uma ocasião, Gil fecha, então, a trinca de seus mestres musicais. O repertório é lindo, uma vez que, homenageando João, a sua batida e seu estilo de cantar, escola para toda a geração pós-bossa nova a qual Gil pertence, outros artistas importantes para o baiano também são contemplados, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Dorival Caymmi e Caetano Veloso, todos compositores incorporados no cancioneiro de João. Mas por melhor que seja a produção e por mais lindo que seja o violão de Gil, diferentemente de “Kaya...”, quando a sua voz estava ainda "ok ok ok", os anos comprometeram-na. Rouca e de alcance bastante prejudicado, se perto da voz do próprio Gil saudável já é covardia, imagina, então, comparar com a o do homenageado? Projeto lançado, uma pena, tardiamente.



FAIXAS:
01. "Aos Pés da Cruz" 
02. "Eu Sambo Mesmo"  
03. "O Pato" 
04. "Tim Tim por Tim Tim" 
05. "Desde Que o Samba é Samba"  
06. "Desafinado"  
07. "Milagre"  
08. "Um Abraço no João"  
09. "Doralice"  
10. "Você e Eu"  
11. "Eu Vim da Bahia" 
12. "Gilbertos"  

Daniel Rodrigues
com colaboração de Cly Reis