quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Capas de VHS V - "A Bela e a Fera" e "Orfeu"
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Os 100 Melhores Filmes de Terror da IndieWiere (e aquelas 12 títulos que faltaram)
Cada vez mais fica claro que listas são feitas para serem complementadas. As famosas (e polêmicas) seleções de melhores do cinema não desmentem: por mais criteriosas que sejam em suas elaborações, sempre deixam aquela sensação de que algo faltou. Ainda mais quando o tema envolve os melhores “de todos os tempos ", que, por motivos óbvios - o de abarcar tudo que o universo daquela temática ou recorte deve oferecer -, corre muito mais risco de erro.
"O Iluminado", um clássico do terror incontestável. Mas há outros |
Porém, a IndieWire encarou a empreitada. E o fez muito bem, por sinal. Tem de tudo: zumbi, monstro, slasher, vampiro, espírito, lobisomem. Sangue, morte e medo para todos os gostos. Podem se achar listados os principais filmes de terror que se conhece. Clássicos incontestes como "O Iluminado", "O Bebê de Rosemary", "Tubarão" e "O Massacre da Serra Elétrica" estão lá. Igualmente, a consideração a obras nem tão badaladas, mas inegavelmente merecedoras, tal "A Beira da Loucura", de John Carpenter (69°), "Irmãs Diabólicas", de Brian De Palma (87°) e "Violência Gratuita", de Michael Haneke (15°). Até mesmo a primeira colocação a "Possessão" (de Andrezej Żulawski) surpreende, mas é bem interessante em se tratando de uma lista claramente revisionista. Também é apreciável o prestígio aos orientais com várias produções do Japão e Coreia do Sul da década de 50 até a de 2000. Como diz a própria publicação, “prestamos atenção às seleções que abriram caminho em inovações para o gênero e para o cinema como um todo”.
No entanto, há controvérsias, claro. A começar pela má colocação de alguns títulos que fazem jus a uma melhor pontuação, seja por sua importância para o gênero ou para a própria história do cinema, como "A Hora do Pesadelo", pondo o icônico Freddie Krugger apenas no 98° lugar; o referencial "Psicose", obra-prima de Alfred Hitchcock e possivelmente top of the tops numa relação mais tradicional, aqui contentando-se somente com o 39° posto; ou o já citado "O Bebê...", 42°, recorrentemente tido como um dos principais filmes da história do cinema em todos os gêneros. E "Nosferatu" de Murnau, na 40ª? Ou "O Exorcista" só 51ª? Sinistro...
Mas são as ausências que mais gritam tal qual a mocinha clichê fugindo do serial killer no meio da noite. Ver uma seleção de 10 dezenas de obras de terror e enxergar algumas sendo esquecidas (ou preteridas) motiva àquilo que referimos no início do texto: o ímpeto de querer complementá-la. Por isso, trazemos aqui 12 títulos não listados pela IndieWire, mas que consideramos essenciais de constarem. Tirar alguns? Ampliar? Adicionar aquele "plus"? Tanto faz. Importante é contribuir com mais filmes certamente cabíveis numa lista como esta: legal, mas incompleta. Os amantes do terror hão de concordar.
🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬
"O MAL QUE NOS HABITA", de Damián Rugna - ARG (2023) - Um desses recentes, mas que já mexeu com as estruturas do universo do horror é o aterrorizante argentino "O Mal Que nos Habita". Tem possessão, tem gore, tem violência extrema, tem canibalismo, tem sobrenatural, tem perseguição e, de quebra, ainda, na entrelinha, crítica social. A gente fica apavorado com o que vê, cenas gráficas e sangrentas daquelas de fechar os olhos, como a famosa sequência do cachorro matando a menininha; espantado com o que aconteceu mas não viu, como o garoto que comeu a avó; e amedrontado pelo que não vê, a maldição que persegue os moradores de uma cidadezinha interiorana na argentina e que pode estar em qualquer um, em qualquer lugar. Um dos grandes filmes do gênero nos último anos.
"TERRIFIER", de Damien Leone - USA (2016) - "Terrifier" surgiu meio que como um cult. Era uma espécie de clássico do underground daqueles que só tinha visto quem conseguia por algum meio menos convencional. Mas o fato é que, mesmo difícil, restrito a alguns fanáticos sanguinários e incansáveis ratos de internet, o filme era muito comentado pelas barbaridades, atrocidades e brutalidades de um palhaço mímico que comete uma verdadeira carnificina numa noite de Halloween. E de fato, a fama não era a toa. "Terrifier" é dos filmes mais brutais que já assisti. As coisas que faz o palhaço Art são duvidáveis até para o mais acostumado fã de slashers. Tipo, "Ele não vai fazer isso... não vai fazer... Fez!!!". O visual da fantasia preto e branco com uma mini-cartola, aquele sorriso sujo assustadoramente amplo, a determinação em seus objetivos assassinos, o sadismo doentio, e o talento para as execuções de suas vítimas fazem de Art um dos novos grandes matadores do cinema e mais um personagem clássico do horror.
"INVASÃO ZUMBI", de Yeon Sang-ho - KOR (2016) - Os zumbis foram mudando ao longo da história do cinema desde que George Romero os 'inventou". Já foram apalermados, organizados, individualistas, inconscientes, cruéis, devoradores, possuídos, experimentais... Em "Invasão Zumbi" um dos grandes baratos é que ao invés de zumbis lentos, descoordenados, capengando com os braço estendidos para a frente e babando, temos zumbis rápidos. Velozes, determinados, imparáveis e vorazes! A partir do momento que o primeiro infectado entra no trem de Seul para Busan o frenesi não tem mais fim. Aí ele morde um que morde outro que morde outro, e os corredores apertados do trem são o cenário perfeito para um dos filmes de zumbi mais alucinantes que já se viu.
"ATIVIDADE PARANORMAL", de Oren Peli - USA (2007) - Sei que o found-footage já tá enchendo no saco de tanta coisa que se fez no formato desde o sucesso do fenômeno "A Bruxa de Blair", mas não dá pra ignorar e deixar de fora o igualmente criativo "Atividade Paranormal". Basicamente uma câmera num tripé posicionada no quarto de um jovem casal que suspeita sua casa, suas vidas, estejam sendo atormentadas por alguma força sobrenatural, um espírito, um demônio ou algo assim. Para tentar tranquilizar a esposa Katie e esclarecer as dúvidas, o marido, Micah, aficionado por eletrônicos, vídeos, filmagens, coloca câmeras gravando o tempo inteiro em vários pontos da casa, inclusive no dormitório do casal. É, e para desespero dos dois, as imagens revisadas nos dias seguintes às gravações, depois de suas noites de sono, confirmam seus piores temores: tem alguma coisa lá. Simples? Sim, mas eficiente. O passar dos dias, o aumento gradual da atividade, dos fenômenos mantém o interesse do espectador. Sem graça? Uma câmera fixa na mesma posição... Que nada! Aquele silêncio, aquela imagem parada na amplitude do quarto faz a gente ficar com o olho atento a cada detalhe, a cada cantinho. Será que a porta vai mexer? Será que sai alguma coisa debaixo da cama? E o lençol? E o chinelo? E o pé dela? E o pé dele?... Pior é, depois de ver o filme, ir dormir e ter que apagar a luz do quarto.
"CREEPSHOW", de George A. Romero - USA (1982) - Se um filme dirigido por George A. Romero com argumento e roteiro de Stephen King, inspirado nos clássicos quadrinhos de terror dos anos 50 não é uma das melhores coisas do mundo do terror, eu não sei mais o que é bom ou não. Com todo aquele colorido e visual de HQ na tela, com arte desenhada, fontes Comic Sans, layout de tela como uma página de papel, os mestres do terror nos apresentam cinco contos recheados de medo, morte, sangue e humor, com mortos-vivos, criaturas assassinas, coisas de outros planetas, infestações incontroláveis, em tramas envolventes que desfilam ódio, traição, vingança, ambição e repugnância. King, Romero, quadrinhos, sangue, decapitações, zumbis, insetos nojentos, monstros... O que pode ser melhor que isso?
"POLTERGEIST, O FENÔMENO", de Tobe Hooper – USA (1982) - Assim como "O Exorcista", "Tubarão" e "Pânico", o filme de Tobe Hooper - àquela altura, início dos anos 80, bem melhor aparado pela indústria do cinema do que quando realizou na raça o independente "O Massacre da Serra Elétrica" em 1974 - é daqueles que títulos que, independentemente da colocação conforme o critério adotado para a seleção, não pode faltar a uma lista de 100 best horror of all times de jeito nenhum. Produzido por Steven Spielberg e com trilha do craque Jerry Goldsmith, além do enorme sucesso que fez à época de lançamento, tornando-se um marco dos filmes de terror assim como os citados acima, "Poltergeist" "cumpre" algo que nem sempre filmes do gênero, por mais bem feitos que sejam, conseguem alcançar: ele assusta. Depois de assisti-lo, nunca mais se olha para uma árvore ao lado da janela da mesma maneira.
“O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO”, de José Mojica Marins - BRA (1968) - O máximo que a lista da IndieWire vai fora da América do Norte, da Ásia ou da Europa é um filme do Oriente Médio (“Garota Sombria Caminha pela Noite”, do Irã) e outro da América do Sul, o chileno “Santa Sangre”. Talvez por essa pouca atenção além do circuito tradicional tenham deixado de voltar seu olhar para o Brasil e o seu grande ícone do cinema de horror: José Mojica Marins, o homem por trás do personagem cujo mundo é tão estranho quanto magnífico. Os gringos que não se façam de loucos, pois o conhecem muito bem como Coffin Joe, quando o brasileiro foi descoberto nos festivais internacionais de cinema como Avoriaz, nos anos 90, e passou a ser cultuado. Poderia ser o seminal “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” ou o lisérgico “O Despertar da Besta”, mas “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” é sua obra mais bem acabada e sintética do estilo híbrido de seu cinema, que vai do trash e o vampirismo ao gótico e o body horror.
“O MENSAGEIRO DO DIABO”, de Charles Laughton – USA (1955) - Se tem um filme absolutamente injustiçado nessa listagem publicada esse filme é "O Mensageiro do Diabo". Clássico da segunda fase do cinema noir, o único longa dirigido pelo experiente ator inglês Charles Laughton impressiona pela perfeição em todos os aspectos fílmicos: fotografia, roteiro, edição, trilha, atuações. E que atuações! Robert Mitchum, que encarnaria o perigoso Max Cady na primeira versão de "Cape Fear" 12 anos depois, leva muito para aquele papel o clima do personagem deste filme, o assassino de viúvas ricas Harry Powell. Mas não só Mitchum: a perseguida Willa, vivida por Shelley Winters e, principalmente, as crianças (Lilian Gish e Billy Chapin) dão um show de interpretação, lembrando o desempenho acima da média de outra dupla de pequenos atores noutro título clássico do terror: "Os Inocentes" (41° da lista).
“AS DIABÓLICAS”, de Henri-Georges Clouzot – FRA (1955) - Um dos critérios adotados pela IndieWire para compor a lista é de que os filmes não fossem somente fantásticos, mas também dessem medo. Seguindo esta lógica, "As Diabólicas" não estar presente é definitivamente um equívoco. Uma das mais marcantes obras da cinematografia francesa dos anos 50 pré-Nouvelle Vague, "As Diabólicas" assusta pra caramba! Michel Delassalle dirige com mão de ferro um pensionato para meninos, assistida por sua doce esposa Christina. Ele tem por amante Nicole Horner, professora da instituição. Cansadas do despotismo de Michel, as duas mulheres unem para assassiná-lo. Alguns dias depois do crime, no entanto, o cadáver desaparece e situações estranhas começam a se suceder. Esteticamente impressionante, algo expressionista, é contado de forma magistral pelo diretor Henri-Georges Clouzot, mestre de narrativas tensas a se ver pelo sufocante Palma de Ouro "O Salário do Medo", de 1953. O ambiente sombrio do pensionato, a figura arrepiante de Simone Signoret como a fria Nicole e, principalmente, as reviravoltas do roteiro, fazem deste filme uma obra-prima do gênero do terror. Ah: e é uma das inspirações de Hitchcock para produzir "Psicose". Não precisa dizer mais nada, né?
"A CASA QUE PINGAVA SANGUE", de Peter Duffell - ING/IRL (1971) - Típico filme de terror inglês "das antigas": histórias criativas, instigantes e bem contadas. Reunião de quatro histórias que são contadas ao Inspetor Holloway, que investiga o misterioso desaparecimento do ator de filmes de terror Paul Henderson após mudar-se para uma antiga casa. Assassinos que saem dos livros para a realidade, um museu de cera que desperta desejos proibidos, uma menina alijada de uma boneca e uma capa capaz de dar poderes a um homem fazem dessa reunião de pequenos filmes - mas interligados entre si - daqueles clássicos que dava gosto de assistir na tevê com a dublagem da TKS. E ainda conta no elenco com o veterano Peter Cushing, que viveria Sherlock Holmes no cinema em 1984, e ele: Christopher Lee, lenda do terror.
“HALLOWEEN III – A NOITE DAS BRXAS”, de Tommy Lee Wallace – USA (1982) - Tá ok: já tem o clássico “Halloween” do Carpenter, o filme que melhor captou o lado sombrio dessa comemoração muito peculiar da cultura norte-americana, abrindo a porta para uma interminável sequência que perdura até hoje, mais de 40 anos após seu lançamento. Mas é impossível não referir nessa relação de melhores de terror uma dessas sequências, a de nº 3. Curiosamente (e isso é uma das qualidades do filme de Tommy Lee Wallace), não tem nada a ver com a história do assassino Michael Myers entabulada nos até então outros dois anteriores. Mas a principal qualidade de “Halloween III” é o de ser absolutamente arrepiante como poucos filmes o são. Antecipando a viagem paranoico-televisiva de “Videodrome” de Cronenberg e resgatando ideias de obras como “Invasores de Corpos”, dos filmes de zumbis, inova a abordagem dos filmes de bruxa ao adicionar, inclusive, a crítica ao sistema capitalista, capaz de penetrar no cérebro dos consumidores e lobotomizá-los para vender seus produtos. Isso tudo sem deixar de ser sanguinolento. Em uma época em que se começava a discutir os efeitos nefastos da propaganda subliminar, é de arrepiar só de ouvir aquele jingle maldito mas aparentemente inocente.
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
Capas de VHS IV - "Um Corpo que Cai"
quinta-feira, 31 de outubro de 2024
"A Primeira Profecia", de Arkasha Stevenson (2024)
"A Primeira Profecia" é um "Imaculada" só que com a mácula. Muito semelhante ao recente bom filme também protagonizado por uma freira, só que neste, da diretora Arkasha Stevenson, o mal realmente está lá.
Na ânsia da referência, da homenagem ou da identidade, muitas cenas são praticamente 'copiadas' do "A Profecia" de 1976, como a barra caindo na cabeça do padre (empalamento), a garota se jogando do telhado (só que desta vez em chamas), o cara sendo partido ao meio (só que aqui sem o vidro), tudo de modo a estabelecer o laço e refrescar a memória do espectador que tem o filme original como referência.
"A Primeira Profecia", na verdade, é uma prequela do clássico "A Profecia", do de Richard Donner, e como tal, dá sentido, motivos e explicações para fatos que aparecerão no futuro, no caso, coisas que já conhecemos do clássico de 1976. Nele, uma jovem norte-americana que é enviada a Itália para prestar seus serviços religiosos num convento em Roma. Lá se depara com fatos estranhos, acontecimentos obscuros e atitudes misteriosas das pessoas da ordem religiosa e de outros à sua volta. Coisas que a fazem questionar sua fé e suspeitar que talvez faça parte de uma macabra trama que espera pretende trazer ao mundo a personificação do mal, o verdadeiro anticristo.
Apuro estético, ótimo trabalho fotográfico, referências cinematográficas diversas e uma coerente e bem montada amarração que encaminha para a adoção do menino demônio que virá a ser o protagonista d'A Profecia". O resto nós já sabemos como acontece.
Destaque para Sônia Braga como a sinistra Madre Superiora |
🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬
Cly Reis
segunda-feira, 28 de outubro de 2024
"Divertida-Mente 2", de Kelsey Mann (2024)
O filme de Kelsey Mann prossegue a história da garota Riley, que está mais velha em relação ao primeiro filme, quando ainda era uma criança. Junto com o amadurecimento da temida adolescência, a tresloucada sala de controle da mente dela também está passando por uma adaptação para dar lugar a algo totalmente inesperado: a presença de novas emoções. Somam-se à Alegria, a Tristeza, a Raiva, o Medo e a Nojinho, então gestores do QG cerebral de Riley até então, a Inveja, o Tédio e a Vergonha. No linguajar chulo: fudeu!
O grande acerto do filme reside, antes de mais nada, no roteiro. "Divertida-Mente 2", noutra feliz comparação com "Toy Story", trata do "rito de passagem". Por contar o desenvolvimento emocional da personagem, que deixa a infância para entrar na fase adulta, o bem amarrado roteiro utiliza uma história pequena (basicamente, a ida dela para a colônia de férias e a sua tentativa de entrar na seleção de rugby da escola) para desdobrar os diversos elementos psíquicos e emocionais que emergem de dentro dela.
De maneira hilária, as emoções de Riley, como no primeiro filme, ganham personalidade estereotipadas, o que funciona muito bem para a recepção da informação ao espectador e, claro, para render muitas risadas. As novas emoções do inconsciente de Riley são, como as já manifestas no primeiro filme, bem caracterizadas: a Inveja, uma garotinha verde ativa mas insegura; a Vergonha, um tímido menino gorducho com baixa autoestima; o Tédio, um típico jovem da Geração Z, e a esquisitona Ansiedade, que muda totalmente o andamento das ações (e da história, e da cabeça de Riley) quando entra em conflito com as emoções "antigas". Afinal, qual adolescente não é ansioso com todos os conflitos psicológicos e as mudanças fisiológicas que essa etapa da vida traz?
"Divertida-Mente 2" tem a grande qualidade de saber ser engraçado, mas não histriônico. Os momentos de diálogos são muito bem equilibrados com os lances de piada, assim como (e principalmente) as cenas de aventura, que não se excedem como em outros filmes da Pixar ou de animações em geral. Até mesmo os ótimos "Up - Altas Aventuras" e "Os Incríveis", às vezes, se perdem um pouco no percentual de movimentos, luzes e explosões, o que, ao contrário do que o cinema norte-americano acha, não raro cansam ao invés de animar.
A adolescente Riley: personagem principal, mas não protagonista |
Porém, mais do que apenas desenvolver bem a trama, a própria estrutura é sui generis. Embora a personagem Riley seja a principal, ela não é necessariamente a protagonista, o que é mais cabível de se imputar à Alegria. Novamente referindo "Toy Story", essa é exatamente a mesma forma, principalmente a do terceiro da série, de 2010, em que a história dos bonecos, de função narrativa semelhante a que as emoções desempenham em "Divertida-Mente 2", se entremeia a do "personagem humano": Riley, neste filme, e o garoto Andy, de "Toy Story". Em ambos, é como se houvesse um espelho, que refletisse ora o interno, ora o externo.
Num plano filosófico, "Divertida-Mente 2" também aprofunda. A mensagem que o filme deixa, embora aparentemente inofensiva (pois positiva como o cinema norte-americano geralmente intenta), diz muito sobre a visão do sistema em que se vive: é a da aceitação. Um entendimento de que o ser humano é, sim, complexo e contraditório. Um avanço em se tratando de cinema norte-americano, contumaz disseminador da visão cartesiana do povo dos Estados Unidos, a qual é convertida numa cultura altamente individualista. "Divertida-Mente 2", num concepção mais holística, mesmo que seja estrategicamente proferida, quebra este pensamento dualista e pragmático.
Coerência em roteiro, animação do melhor nível, técnica perfeita. Resultado? Um sucesso de critica e publico. Para o Oscar de 2025, certamente o filme já se coloca como um forte candidato. O fato de ser maior sucesso de bilheteria da história da Disney/Pixar até então só denota o quanto o público aguardava por uma produção com a qualidade que o estúdio tem poderio para oferecer, mas que fazia anos que isso não acontecia. Que não se demore muito mais novamente.
*************
trailer "Divertida-Mente 2", da Disney/Pixar
Daniel Rodrigues
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Capas de VHS III - "O Pagador de Promessas" e "Joana D'Arc"
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
"Culpa", de Gustav Möller (2018)
Um policial, Asger Holm, punido internamente na instituição com a tarefa de ocupar a central de emergências telefônicas enquanto seu processo não é julgado, entre ligações corriqueiras de badernas, acidentes de trânsito, pequenos delitos, acaba se envolvendo excessivamente em um dos casos que atende de uma briga conjugal na qual, aparentemente, uma mulher está sendo ameaçada e diz estar sendo sequestrada pelo próprio marido. Muito em função da culpa que carrega devido à sua conduta em um caso que não sabemos exatamente do que se trata, mas que ao que parece, ocorrera há pouco tempo e tem implicações sérias dentro da polícia, Asger tenta de todas as maneiras resolver o caso de modo a, diante de sua consciência, se 'redimir'.
O interessante, e um dos grandes méritos do longa, é que vivemos todas as emoções fora da sala de telefonia, ficamos apreensivos, 'vemos' todas as situações, mesmo ele não deixando em momento algum a central telefônica. Asger até circula entre uma sala de telefonia e outra, usa a outra linha, vai até a porta, muda de mesa, mas não há externas. As imagens do que NÃO VEMOS entram na cabeça do espectador de uma forma tensa e angustiante.
E, por incrível que pareça, mesmo limitado, praticamente, por quatro paredes e uma linha telefônica, "Culpa" tem uma impressionante reviravolta...
(Já falei demais.)
Merece meus aplausos.
O policial Asger em sua mesa com o headset é praticamente o que vemos o tempo todo. Mas não se engane: isso não torna o filme menos interessante de forma alguma. |
🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬
Cly Reis
terça-feira, 15 de outubro de 2024
Capas de VHS II - "Os Sermões"
sábado, 12 de outubro de 2024
CLAQUETE ESPECIAL Dia das Crianças - "Os Meninos" ("¿Quién puede matar a un niño?"), de Narciso Ibañez Serrador (1976)
Nos conflitos, nas crises, nas tragédias, nas catástrofes, quem mais sofre nessas situações? Seja pela vulnerabilidade, pela fragilidade, pela dependência, pela inocência, ao longo da história, as crianças tem sido vítimas costumazes de todas as barbaridades que o homem consegue produzir. E se, cansadas de tudo que os adultos as submetem, as crianças se revoltassem? Resolvessem tomar o mundo só para elas? Se livrarem dos homens e mulheres que já não carregassem a pureza da infância?
Em um formato inusitado de documentário, o diretor Narciso Ibañez Serrador faz questão de nos apresentar, ainda nos créditos de "Os Meninos", uma série de imagens de guerras, como a da Coreia, guerra do Vietnã, Segunda Guerra, Biafra na Nigéria, nas quais crianças, de alguma forma, sofrem com as consequências desses conflitos, revelando ao espectador números assustadores dessas vítimas inocentes. Milhares, milhões de crianças mortas!
Elas não teriam razão de se revoltar?
Pois a revolta, a conscientização coletiva de uma reação por parte dos pequenos tem início em uma ilhota, do outro lado de um popular balneário na Espanha. Em alta temporada, um casal em férias, tom e Evelyn, antes do nascimento do bebê que está para chegar, resolve passar alguns dias no lugarejo, só que chegando lá estranham o ambiente deserto, desabitado, sem serviços ou informações, e não podem deixar de notar que somente crianças circulam pelo local. Não tardam também a perceber que estas representam uma ameaça às suas vidas e à do bebê que Evelyn carrega. A estadia na ilha, então, que deveria ser o momento de tranquilidade do casal, se torna uma corrida pela vida.
Na cena da menina do bar, não sabemos o que esperar da garota. Curiosidade? Ternura? Um esfaqueamento? Uma maldição? |
Filme muito bem conduzido. Logo quando o casal ainda chega ao balneário, um corpo é encontrado no mar e é retirado do local numa ambulância, mas só depois é que entendemos que o cadáver possivelmente fora uma pessoa morta na ilha pelas crianças e que flutuara até a praia. Na ilha, a fotografia precisa, misteriosa, as vielas desertas, a sensação de abandono ou fuga do hotel, do restaurante, tudo muito bem planejado, causa uma sensação de inquietude constante. A cena do bar abandonado em que uma menina surge, se aproxima e acaricia a barriga da grávida, causa uma mistura de sensações: curiosidade, tensão, alerta, medo, expectativa...
"Os Meninos" é uma espécie de "Os Pássaros", de Alfred Hitchcock, só que com crianças, só que naquele, embora especulemos uma série de possibilidades a respeito do comportamento doas animais, não temos, em momento algum uma explicação para aquele ataque. Já em "Os Meninos", toda aquela introdução com imagens chocantes de guerras e números assustadores mortes, sem dúvida alguma, pretende, no mínimo, dizer, "É por esses motivos que eles estão assim". E daria para culpá-los?
A ironia do filme e uma questão que o diretor deixa no ar é que, se concretizada a dominação das crianças, aquela revolta saindo dos limites da ilha e se espalhando para o mundo, se aqueles pequenos, tão cheias de ódio, não fariam um mundo pior ou igual ao que vivem? Mais guerras, mais mortes, mais , injustiças, egoísmo... Sem falar numa coisa óbvia que, certamente, mais cedo ou mais tarde faria diferença: crianças crescem e se tornam adultos...
E adultos, nós bem sabemos, costumam estragar seu próprio mundo.
Assista:
"Os Meninos" ("¿Quién puede matar a un niño?"),
de Narciso Ibañez Serrador (1976)
segunda-feira, 7 de outubro de 2024
Capas de VHS I - "Janela Indiscreta"
sexta-feira, 4 de outubro de 2024
"Othelo, O Grande", de Lucas H. Rossi dos Santos (2024)
Não é por acaso que o maior ator brasileiro de todos os tempos tenha recebido, ainda na infância, quando começava a revelar seu talento nos palcos, uma alcunha referente a um personagem shakespeariano: Othelo. Afinal, para minimamente dimensionar o tamanho simbólico deste pequeno mineiro de extenso nome Sebastião Bernardes de Souza Prata para a arte brasileira é justo associá-lo a um personagem tão fascinante quanto controverso e cuja personalidade ainda é uma esfinge a ser decifrada mesmo 4 séculos após a estreia da peça original.
Curiosamente, o documentário “Othelo, O Grande”, de Lucas H. Rossi dos Santos, espelha a mesma contradição: um grande filme, mas insuficiente para dar a ideia da grandiosidade de seu protagonista. Mas como classificar de "grande filme" se este aparentemente falha em expressar com inteireza exatamente o objetivo analisado? A resposta está no próprio "objeto" analisado, Grande Othelo.
A opção narrativa do filme concentra todas as explicações, das quais decorrem o que é bom e o que não é tanto assim. Construído em forma de autodepoimentos, o documentário se vale de diversas e muito bem pesquisadas entrevistas, vídeos e fotos do múltiplo Grande Othelo, ator, comediante, cantor, poeta, compositor, produtor e entrevistador. Diante do que se propõe a narrar, o material, aliás, dá conta muito bem. A começar pela impactante sequência inicial em que se escuta a voz do ator falando de si mesmo numa entrevista para o Museu da Imagem e do Som enquanto, num outro registro, este, visual, ele, à vontade no sofá de casa, mira com olhar penetrante a câmera, que o foca em zoom até fechar em seu rosto sob o som de um samba enfezado. A junção de tempos de cada material e o "descompasso" entre o que se fala e o que se cala expressam muito bem uma das ideias centrais de “Othelo, O Grande”: a dificuldade de inserção de um homem negro e fora dos padrões excludentes da sociedade em uma nação jovem e preconceituosa. Mas também, metaforicamente, acaba por simbolizar uma fragilidade do filme.
Olhar forte e penetrante do maior ator do Brasil na sequência inicial do filme |
Com uma edição impecável, capaz de interligar ideias distintas da cosmologia do ator e imprimir um ritmo muito interessante à narrativa, visto que convidativo à observação e à reflexão, o filme acerta ao trazer a voz na primeira pessoa, recuperando falas de Grande Othelo como as que ele rememora a infância, a primeira experiência com a Companhia Negra de Revistas, nos anos 20, a vez em que contracenou com Josephine Baker e a admiração que despertou em Orson Welles. As falas também são contundentes, como as que reclama abertamente do racismo que sofreu, da falta de oportunidades na carreira e de ver seu talento relegado. É revelador ouvi-lo dizer, em certo momento, que a Atlântida, estúdio de cinema responsável pelo sucesso das chanchadas dos anos 40/50, tinha dois símbolos: o chafariz, que estampa sua logo, e... Oscarito. Piada, só que não. Qualquer um que minimamente conheça as comédias "teatro de revista" desta fase do cinema brasileiro se refere à dupla indistintamente como a cara da Atlântida. Na hora de assinar os contratos, no entanto, não era bem assim, visto que o ator negro entre os dois era menos valorizado.
Há uma certa melancolia e até sisudez na forma como a figura de Grande Othelo aparece, contrapondo a imagem cômica que o Brasil guardou dele do cinema ou da TV. Essa quebra ideológica, proposital e perfeitamente aceitável, abre porta, contudo, para um dos aspectos em que o filme peca, que ė não ter explorado tudo que seu protagonista ofereceu em vida. As entrevistas que Grande Othelo conduziu na TV, espaço desejado por todos os artistas da época, e as esquetes humorísticas na Globo nos anos 60 (quando batizou Antônio Carlos Bernardes Gomes de Mussum) não são visitados. Igualmente, as novelas em que brilhou, como “Feijão Maravilha” e “Uma Rosa com Amor”. Também, o lado não só sambista, mas de poeta ou o envolvimento com o comunismo, visto que mantinha amizade próxima com Luís Carlos Prestes. Aspectos que não são mencionados e que ajudariam bastante a dar maior consistência ao teor "não-satírico" proposto.
Na história da dramaturgia brasileira, a percepção de Grande Othelo mais como ator e não apenas "escada" para outros começa a mudar na segunda fase do Cinema Novo, nos anos 60. Ele relembra que foi Joaquim Pedro de Andrade que o fez, já veterano, renascer no tropicalista "Macunaíma", de 1969, uma analogia com a clássica cena do parto inicial do filme – muito bem aproveitada, aliás, sob esta perspectiva simbólica no documentário. A montagem em que faz passar da cena de Macunaíma no rio para a de “Fitzcarraldo” é digna de aplauso. Porém, novamente o diretor parece ter se preocupado em não exagerar na exemplificação da magnitude de seu protagonista. "Barão Othelo e o Barato dos Milhões", a comédia non-sense escrita especialmente por Miguel Borges para o ator em 1971, é restringida a poucas cenas ilustrativas e sem maiores créditos.
Cena de "Quilombo": ausente no filme |
Essa contradição, aliás, é desculpada até certo ponto em razão de refletir a própria vida de Grande Othelo, um artista subaproveitado. Fosse nos Estados Unidos, os diretores se estapeariam para colocá-lo em seus projetos. A se ver por Brando, cuja idolatria em seu país se assemelha a de Othelo no Brasil, não faltaram produções em que tenha protagonizado até que, por motivos próprios, se distanciasse das telas. Grande Othelo, pelo contrário, nunca o volume de convites acompanhou o reconhecimento popular. Até nisso o doc de Santos acerta indiretamente: não explora a totalidade da obra de um homem que não a teve em vida explorada em sua totalidade.
Mesmo com tudo isso, “Othelo, O Grande” é, sem dúvida, dos melhores documentários produzidos no país neste século. Excelentes edição, roteiro e condução. Entretanto, tal como o general mouro de Veneza, o Othelo do Brasil teria muito mais othelos para serem revelados, principalmente em um filme cujo título propõe, justamente, a dar a ideia do quão magnânimo é o seu homenageado. A sensação é que, mal comparando, ocorre com "Othelo, O Grande" o mesmo que "O Palhaço" (Selton Mello): um ótimo filme que, por detalhe, perdeu a chance de ser uma obra-prima. Num documentário biográfico, não que seja obrigatório incluir tudo sobre o pesquisado, mas a impressão que fica é de que havia mais a ser dito e para conseguir amarrar tudo a seu jeito, preferiu-se omitir algumas coisas.
O êxito da obra, embora essas lacunas, deve-se, claro, à competência de quem o dirigiu, capaz de lhe dar coesão e coerência discursiva ao que se propôs, mas também ao próprio personagem. Mesmo inexplorado, Grande Othelo garante ao espectador, principalmente, o brasileiro, o orgulho de também pertencer à mesma terra. Como falou o cineasta, professor e filósofo Dodô Oliveira: “Grande Othelo vive em mim”. Uma grandeza maior até do que aquilo que se silencia.
*********
🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬