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terça-feira, 24 de junho de 2025

Orquestra Petrobras Sinfônica apresentando "Na Trilha do Rock" - projeto Entre Notas BandNews FM - Theatro Municipal do Rio de Janeiro - 22/06/2025 - Rio de Janeiro/RJ

 


Pintou do nada a oportunidade de assistir, no último domingo, a Orquestra Sinfônica Petrobras executando clássicos do rock brasileiro no Theatro Municipal do Rio, em comemoração pelos 20 anos da Band News FM. Um amigo me avisou que ia rolar, conseguiu os ingressos online, me repassou e já era. Apareci por lá!

Tive o prazer de ir com a minha filha que, apesar dos 13 aninhos de idade apenas, curte de montão o som dos anos 80 e adorou ouvir com aqueles arranjos orquestrais grandiosos com aqueles instrumentos diferenciados naquele espaço nobre e altamente adequado para uma audição de qualidade, muitas das músicas que ela escuta, gosta e tira pra tocar na guitarra.

Numa proposta de muito bom gosto, a Orquestra Petrobras preparou arranjos acessíveis, nada excessivamente pomposo e embalou o público totalmente identificado com a época das canções na noite carioca do domingo. Desde o início o maestro Felipe Prazeres deixou claro que aquilo não seria um concerto tradicional, seria um concerto de rock e portanto o público podia deixar de lado a formalidade daquele espaço que tradicionalmente exige uma postura mais sóbria, e podia se soltar e cantar junto.

E foi o que todo mundo fez! Cantou junto com a Petrobras Sinfônica hits que embalaram os anos 80 e 90, como "Era Um Garoto que Como eu Amava os Beatles e os Rolling Stones", dos Engenheiros do Hawaii, "Como Eu Quero", do Kid Abelha, "Música Urbana", do Capital Inicial, "Lanterna dos Afogados", dos Paralamas, a santa padroeira do rock brasileiro Rita Lee com "Desculpe o Auê", e, como não podia faltar aquele tradicional pedido de "toca Raul", fizeram aquele "Maluco Beleza" pra galera.

"Bete Balanço" do Barão Vermelho, muito saudada, "Sonífera Ilha" dos Titãs num ótimo arranjo surpreendentemente imponente, e "Será", da Legião Urbana, cantada em uníssono pelo público, na minha opinião foram os pontos altos do concerto. A Orquestra preparou a saída com a "Saideira" do Skank, voltou para  fazer um verdadeiro baile no bis com "Whyski a Go-Go", do Roupa Nova, com as pessoas dançando entre as fileiras, e depois de outra saída do maestro, um derradeiro retorno para o número final com a popularíssima "Pelados Em Santos" dos infames Mamonas Assassinas que, particularmente não gosto, mas valeu pra fechar a noite em altíssimo astral.

Adorável noite de música, nostalgia e alegria num dos mais emblemáticos templos de espetáculos do Brasil, o sempre belíssimo Theatro Municipal do Rio de Janeiro.


Fique abaixo com alguns momentos da noite:


🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻


O belíssimo saguão de entrada do Municipal.

A escultura em mármore, "A Verdade", no topo da escadaria central. 

Espaço interno do teatro visto do balcão superior

A riquíssima ornamentação dos lustres de cristal no centro do salão principal


Orquestra já posicionada para o concerto

O maestro não regeu apenas sua orquestra.
Regeu palmas e coros quase como o band-leader
de uma banda de rock

"Bete Balanço", uma das melhores do show

"Será", da Legião Urbana, um das que teve maior participação do público

Este blogueiro na escadaria, ao final do espetáculo.
Noite especial!

🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻🎻




por Cly Reis
fotos e vídeos: Cly Reis e Luna Gentile


terça-feira, 10 de junho de 2025

Arnaldo Antunes - Turnê "Novo Mundo" - Bar Opinião - Porto Alegre/RS (24/05/25)


Só havia visto Arnaldo Antunes no palco ao vivo há mais de 30 anos. Precisamente em 1992, quando este, ainda com os Titãs, veio a Porto Alegre para o show de “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora”, no Gigantinho. Aliás, ótimo show: enérgico, potente, performático, a cara dos Titãs e com direito a banda completa (Marcelo Frommer, um dos guitarristas, morto em 2001, ainda era vivo). Porém, um lance quase despercebido me chamou atenção. Quando Arnaldo, após sua vez de cantar, voltava do microfone principal, posicionado à frente do palco, ao seu microfone de backing vocal, que fica uma linha atrás, Paulo Miklos, comumente esfuziante àquela época, cumprimentou-o pela performance e propôs aquele “toca aqui” de mãos. Que Arnaldo, inerte, não retribuiu. Sem deixar a peteca cair, Miklos, ao ver que o colega não aderira ao entusiasmo, abraçou-o e o show, que já tinha outro vocalista em ação, prosseguiu sem percalços.

No entanto, a imagem ficou na minha memória: a de um Arnaldo contrariado. Profissional, entregando um bom show junto com a banda, mas contrariado. Pode se cogitar muita coisa, mas não é difícil de imaginar que já tivesse a ver com a saída dele dos Titãs, a qual ocorreria logo em seguida, visto que “Tudo...” foi seu último como integrante. O motivo do desligamento, uma bomba para a banda na época, foi que Arnaldo tinha outros projetos e interesses que não cabiam no contexto de uma banda com oito cabeças pensantes, oito pop stars. Interesses que passavam pela poesia, pelas artes visuais, pela dança e, claro, pela música. Arnaldo sentia-se preso ao formato que um conjunto de rock oferecia e que nunca iria dar vazão a seus anseios artísticos e pessoais.

Corta para maio de 2025. 33 anos depois daquele show no Gigantinho e depois de várias vindas a Porto Alegre, Arnaldo Antunes retorna à cidade com sua própria banda para a turnê do seu novo disco, “Novo Mundo”, 14º de uma hoje consolidada carreira solo iniciada logo após aquela apresentação ainda como titã. O que se vê, da coreografia vanguardista característica e do tradicional figurino longilíneo à liberdade no palco, é um artista íntegro e contente consigo mesmo. Algo que transparece, obviamente, para o público, que não superlotou, mas encheu o bar Opinião, cantando e dançando com ele. Hoje maduro e experiente artisticamente, Arnaldo mostra sentir-se à vontade com sua obra, seja ela da carreira solo, a dos livros, a das artes visuais ou a de projetos como Tribalistas, Banda Performática, Pequeno Cidadão e, claro, os Titãs.

A ótima iluminação pondo
Arnaldo num cone de luzes
Muito bem iluminado e dirigido, o show começa com a excelente faixa-título, cuja letra fala desta sociedade atual impermanente e superficial (“Bem-vindo ano novo mundo/ Que vai se desintegrar no próximo segundo”). Como Arnaldo ainda continua sabendo criar boas “músicas de trabalho”! Canções que encerram seu jeito concretista de escrever letra e compor melodias, mas trazendo uma pegada pop, ao estilo de “Saia de Mim” e “Lugar Nenhum”. Grande música. Do novo disco, ouviu-se quase todas de forma entremeada com sucessos e clássicos da carreira. Também novas, “O Amor é a Droga mais Forte”, “Tanta Pressa Pra Quê?”, “Viu, Mãe?” (parceria com Erasmo Carlos), “Acordarei” e “É Primeiro de Janeiro”. Dessa leva se destaca o iê iê iê moderno “Pra Não Falar Mal”, que cita um dos cantos do “Tao-Te King”, Lao Tzu (“Pureza e quietude são o padrão de medida do mundo”). O sangue titã ainda corre nas veias de Arnaldo. 

Outra excelente é a eletropunk “Tire o seu Passado da Frente”, em que o arranjo engendrado com a banda do show – e do disco – merece um destaque à parte. Afinal, tratam-se de Vitor Araújo (teclados e piano), Betão Aguiar (baixo), a cabeça da heavy-nagô Metá Metá Kiko Dinucci (guitarras, violões e efeitos eletrônicos) e o cara que revolucionou o som já revolucionário da Nação Zumbi, Pupillo (baterista e também produtor de “Novo Mundo”).

Com essa turma, Arnaldo concebe ótimas versões de canções mais antigas de seu repertório, tal “Sem Você”, gravada por Carlinhos Brown, e o reggae “Cultura”, lá do seu primeiro álbum solo, “Nome”, que virou o dub viajandão. Também tiveram os hits, casos de “Passe em Casa” e “Já Sei Namorar”, ambas dos Tribalistas, e a maravilhosa "Pulso", dos Titãs. Ainda rolaram as emocionantes “Socorro”, um de seus maiores sucessos da carreira solo (“Socorro, não estou sentindo nada/ Nem medo, nem calor, nem fogo/ Não vai dar mais pra chorar/ Nem pra rir”), e “Debaixo D’Água”, interpretada originalmente por Maria Bethânia.

trecho da clássica "Pulso", do repertório dos Titãs

Mas Arnaldo surpreende ainda mais com a nova “Body/Corpo”, samba malucão e uma das parcerias com um dos maiores nomes da música pop de todos os tempos: o talking head David Byrne (a outra é a boa “Não Dá pra Ficar Aí Parado na Porta”). Um encontro de pares, afinal ambos têm muito a ver um com o outro. Arnaldo sempre se espelhou na performance de palco espalhafatosa e cênica de Byrne, bem como foi um dos principais responsáveis por introduzir nos Titãs elementos da sonoridade da Talking Heads – veja-se, por exemplo, a música “Medo”, de “Õ Blésq Blom” e cantada por Arnaldo, claramente inspirada em “Fear of Music”, dos nova-iorquinos (“precisa perder o medo da música”). Por outro lado, Byrne, um verdadeiro esteta da world music, de muito vem acessando e introjetando os sons brasileiros. “Body/Corpo”, no entanto, mais do que um teoria, funciona muito bem na prática, sendo possível ouvir a musicalidade de um e de outro neste quase-samba quase-rock. Vendo Arnaldo cantando e dançando-a no palco faz a gente se perguntar: “como que esse encontro dele com Byrne não havia acontecido antes?”

A excelente "Body/Corpo", Arnaldo e Byrne juntos

No bis, uma vibrante versão de “Fora de Si”, do seu segundo disco, “Ninguém”, e conhecida por integrar a trilha sonora do filme “Bicho de 7 Cabeças”, e a irresistível “Comida”, que, não precisa nem dizer: pôs o Opinião abaixo. Um belo show, que confirma, tantos anos depois da traumática saída dos Titãs, o porquê da mudança de rota de Arnaldo, um artista que sempre soube o que queria fazer – e faz. Afinal, diferentemente daquele show do Gigantinho, que talvez poucos além de mim tenham visto o discreto episódio do abraço não retribuído com Paulo Miklos, havia um Arnaldo inteiro e feliz no palco. E isso todo mundo viu.

**********

Arnaldo e sua excepcional banda

Arnaldo super à vontade no palco
 
 
Mais show rolando


Momento especial em que muda o figurino 
para cantar "Debaixo D'Água"

Alta vibração no palco do Opinião

Performático como sempre


Mais um pouco da performance de Arnaldo,
aqui em "Sem Você"



A fantástica "Comida", melhor música 
para encerrar o show


Arnaldo e banda se despedem depois de um grande show



texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeos: Daniel Rodrigues Leocádia Costa

domingo, 4 de dezembro de 2022

Fausto Fawcett e Os Robôs Efêmeros - "Fausto Fawcett e Os Robôs Efêmeros" (1987)



"Juliette é a filha bastarda
do Carrossel Holandês,
da Laranja Mecânica"
trecho de "Juliette"



A música brasileira tem uma tradição de contar histórias. Com sua enorme capacidade poético-literária, imaginação e uma musicalidade capaz de combinar esses elementos, artistas brasileiros vêm ao longo de praticamente todo o desenvolvimento da discografia nacional, narrando fatos, episódios, pequenos contos, historietas, acompanhando-as dos mais diversos tipos de melodias e arranjos.

Nos anos 80, em meio à explosão do Rock Brasil, um cara altamente criativo inventava histórias alucinantes, distópicas, surreais, improváveis, ambientadas normalmente num Rio de Janeiro futurista, mergulhado num estado de caos, abandono, desesperança, mas ao mesmo tempo avançado, luxuoso e desfrutando das mais altas tecnologias. Nesse cenário, desfilava "heroínas" singulares, personagens atípicas, damas fatais, meretrizes, mulheres que misturavam requinte com vulgaridade e levavam consigo, de certa forma, alguma dose de veneno.

Fausto Fawcett, um carioca boêmio, nativo típico de Copacabana, lançava em 1987 o disco que levava seu nome e da banda que o acompanhava, "Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros", repleto de todos esses elementos e com as histórias mais piradas que qualquer mente "normal" pudesse imaginar. Ele seguia a tradição brasileira de contar histórias, mas o fazia de uma forma completamente diferente e inusitada. Muito mais um escritor do que propriamente um cantor, Fausto, com uma pegada meio rap e toques disco-music, acompanhado de seu fiel escudeiro o guitarrista Carlos Laufer, praticamente declamava as letras, narrava as histórias com alguma entonação musical, e, no refrão, sim, normalmente, carregava no ritmo. Assim, em uma Copacabana suja e caótica, nos apresentava uma prostituta asiática dona de um furgão rosa-choque, habitante de um apê-kitinete onde aconteciam atividades suspeitas, na disco-oriental "Gueixa Vadia". Conhecíamos também uma grafiteira dos prédios de Copa, "Tânia Miriam", uma jovem loira de vestes extravagantes e hábitos peculiares. Éramos apresentados a uma nova droga vendida por camelôs turcos, o "Drops de Istambul", cujas sensações alucinógenas, a viagem, e as imagens fantásticas são descritas pelos jovens de Copacabana a um repórter para um noticiário local. No embalo do jornalismo, tema recorrente, também no trabalho do autor, "Rap de Anne Stark", imagina uma realidade na qual os telejornais passam a ser uma grande atração de entretenimento, tal qual filmes ou novelas, tendo até mesmo, para seus adeptos, locadoras especializadas, tal como a boutique Paulo Francis localizada no coração de Copacabana, com uma seção dedicada especialmente às mais belas locutoras do mundo inteiro, com fitas dessas musas do telejornalismo narrando notícias ininterruptas, se destacando entre elas, como estrela máxima, a loura Anne Stark.

"Kátia Flávia, A Godiva do Irajá", o grande hit da carreira do cantor, se diferenciava das demais por uma produção mais caprichada. A cargo do mestre brasileiro dos estúdios, Liminha, a faixa trazia um funk agressivo, uma guitarra suingada do parceiro Carlos Laufer e um trabalho vocal mais elaborado, tudo apoiado num refrão irresistivelmente transgressor ("Alô, polícia / Eu tô usando / Um Exocet / Calcinha"). O conto musical narrava a aventura de uma louvação irresistível do subúrbio, do bairro do Irajá, que ficara famosa por cavalgar nua num cavalo branco e que depois de matar o marido bicheiro, rouba uma viatura policial, ruma para Copacabana e ameaça detonar uma calcinha explosiva. Loucura total. Maravilhosamente louco! 

Embora o hit da Godiva do Irajá tivesse sido a música de trabalho do álbum, minha preferida do disco é "Chinesa Videomaker", uma obra absolutamente singular que junta pornografia, fetichismo, multimídia, jornalismo, tecnologia, Escrava Isaura, Gabriela Sabatini e Madonna, tudo em uma só história. Em "Chinesa Videomaker", o autor nos apresenta uma empresária da noite, dona de uma boate, que tem o hobby de capturar homens na madrugada carioca, levá-los ao seu apartamento e exibir imagens de telejornais para o sequestrado enquanto pratica nele uma generosa sessão de sexo oral. O problema é que, depois de desovar o rapaz numa esquina qualquer, ela dá bobeira e é capturada por uma gangue fã de Madonna que leva a chinesa para o alto de um prédio e a joga de lá. Com certeza, a história mais bem construída e estruturada dentre os contos musicais só álbum.

"Estrelas Vigiadas", que a segue, pelo contrário, na minha opinião é a mais fraca, embora apresente um cenário interessantíssimo de uma Copacabana fantasma, suja e semiabandonada, que contrasta com o glamour do Copacabana Palace, sede uma avançadíssima exposição bélico-espacial.

Pra fechar, uma situação bizarra envolvendo um cargueiro de tequila e um iate com belíssimas passistas de escola de samba, nos faz conhecer a loirinha Juliette, uma jovem procurada pela polícia da qual não se tem maiores informações, a não ser o fato de que seria filha ilegítima de um dos jogadores da seleção holandesa de 1974. Num sambinha safado, cantado em parceria com Fernanda Abreu, Fausto enumera todos os jogadores da Laranja Mecânica como possibilidades da paternidade da loira Juliette que, no fim das contas, é perseguida pelo policial que a reconhece em meio aos curiosos pelo inusitado naufrágio, a executa brutalmente e a enterra na areia da praia de Copacabana.

Se não é nenhuma exuberância musical, melódica, "Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros" é um espetáculo literário de criatividade e de histórias fantásticas e improváveis. Em meio à sonoridade pós-punk e as letras engajadas de seus contemporâneos, a filosofia das letras dos Engenheiros, o minimalismo agressivo dos Titãs, da poesia cotidiana de Cazuza, o messianismo da Legião, Fausto Fawcett, à sua maneira também escrevia seu nome de forma significativa na geração rock dos anos 80 com sua sonoridade rap-disco-samba-oriental singular, e contando histórias, como muito já se fez na música brasileira, mas de uma maneira que, até hoje, só ele sabe fazer.

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FAIXAS:

1. "Gueixa Vadia" 6:16
2. "Tânia Míriam" 3:54
3. "Drops de Istambul" 3:57
4. "O Rap d'Anne Stark" 6:35
5. "Kátia Flávia, a Godiva do Irajá" 4:06
6. "A Chinesa Videomaker" 7:02
7. "Estrelas Vigiadas" 5:00
8. "Juliette" (part. Fernanda Abreu) 4:12


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Ouça:




por Cly Reis


quinta-feira, 28 de abril de 2022

Titãs - Gigantinho - Porto Alegre /RS (1992)

 


A belíssima arte do álbum
no poster promocional
da gravadora.
Era uma banda ferida, machucada e por isso mesmo, extremamente pilhada e disposta a dar o melhor de si.
A critica havia sido bastante dura com eles por conta de seu, então, último disco "Tudo ao mesmo tempo agora", no qual, pela primeira vez, assinavam a produção de um álbum próprio e, contrariando as expectativas, abandonavam a evolução técnica de sua genial trilogia "Cabeça Dinossauro", “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e "Õ Blésq Blom", em nome de uma sonoridade muito mais primária, dura, com letras em alguns momentos, ainda mais agressivas que as que costumavam fazer.
O que se via no palco, no Gigantinho, naquela noite de 1992, eram oito caras determinados a mostrar que haviam feito a escolha certa. Que o caminho musical que haviam escolhido era aquele mesmo e estavam unidos em bancar sua convicção. Poucas vezes vi uma banda com tanta gana. Os cinco vocalistas que se revezavam no microfone, ao passarem o comando para o seguinte, se abraçavam, batiam as mãos com o outro, faziam sinais de cabeça de aprovação dando moral para o companheiro. Parecia aquele time determinado a ganhar, com os jogadores vibrando até por lateral.
Todo esse tesão não poderia dar em outra coisa senão em um show eletrizante. Mas se engana quem pensa que somente essa energia foi o que segurou o show. O repertório era bom! A imprensa pegou no pé do disco por não ser tão requintado e sofisticado quanto os anteriores e pelo expectativa que se criará em cima da evolução que acontecerá até ali, mas "Tudo ao mesmo tempo agora" tinha muita coisa boa. "Clitóris" que abria o show com força e intensidade; "Cabeça", agressiva; "Agora" musicalmente uma das mais elaboradas do disco; e a carro-chefe, a arrebatadora "Saia de Mim", figuram entre as melhores do repertório da banda e, como não podia deixar de ser, foram alguns dos grandes momentos do show. Isso sem falar em outras já conhecidas, como "O Pulso", "Comida", "Diversão", que dentro da proposta mais crua da turnê, ganhavam releituras ao vivo sem todo o aparato técnico de programações, samples e lapidações de suas versões originais.
Um show no qual os Titãs, com sua performance, entusiasmo, força, defendiam com convicção sua obra, a qual, por fim, com o tempo, acabou recebendo o devido reconhecimento, sendo hoje visto por grande parte dos fãs e até pela crítica, como um dos grandes trabalhos da banda e um dos mais significativos de sua época.
Quantas vezes a gente vai num show e fica com aquela sensação de que o artista só está ali cumprindo contrato, doido pra passar o tempo e passar no caixa pra pegar o cachê? Pois isso passou longe do que se viu naquela noite no Gigantinho. Aquilo era uma banda afinzona, babando, com sangue nos olhos...
É bom ver um show assim.


Show dos Titãs da turnê "Tudo ao mesmo tempo agora",
no Imperator - Rio de Janeiro, em 1992



Cly Reis

domingo, 31 de outubro de 2021

"Salomão Ventura, O Caçador de Lendas nº1 - A Maldição do Saci", de Giorgio Galli - Gico Mix (2011)


"A premissa da HQ é mostrar as lendas do nosso folclore
do jeito que a tradição oral as apresenta,
capturadas pelo mestre Luís da Câmara Cascudo em sua bibliografia.
Em resumo: são histórias de terror feitas para assustar."

"E minha escolha para essa primeira edição 
não poderia ser outra:
quem foi mais descaracterizado e infantilizado
do que o diabrete Saci Pererê?
Que em sua origem, conforme relatado pelo mestre Cascudo,
foi vítima de assassinato, tornou-se alma penada
e tem como objetivo causar morte e dor?
Não é para crianças..."

Giorgio Galli,
prefácio de "A Maldição do Saci"



Na data mais conhecida pela comemoração norte-americana do Halloween, mas que por aqui, simbolizando toda a riqueza de nosso folclore, é simbolizada no Saci, nosso destaque vai para um dos projetos mais legais da cena independente de quadrinhos nacional. É o projeto do artista Giorgio Galli, que, com sua série Salomão Ventura, explora as tradições folclóricas brasileiras, lançando sobre elas um olhar mais sombrio e aterrorizante, transformando lendas e personagens de tradição popular em temíveis criaturas sinistras. Assim, o Curupira e o Saci, por exemplo, têm recuperadas características estudadas por historiadores e folcloristas, e passam a ser, na visão artística de Galli, criaturas sobrenaturais e ameaçadoras que, por mais que tenham justificativas para existirem e demandas legítimas, devem voltar para seus lugares, no mundo do além, longe dos humanos. Para isso, o caçador de assombrações, Salomão Ventura, um misto de Constantine e Van Helsing, sai em busca das aberrações sobrenaturais e, com seus métodos, nada gentis (e nem podia ser diferente) mas muito "convincentes", as captura e manda de volta para o lugar de onde nunca deviam ter saído.
O primeiro número da série do Caçador de Lendas, criado por Galli, é exatamente "A Maldição do Saci", personagem de origem sinistra cujas características foram humanizadas e suavizadas para ficar mais palatável e poder fazer parte dos sítios-dos-pica-paus-amarelos da vida, mas que a bem da verdade, não é nada menos que uma alma-penada vingativa e odiosa, fruto de um brutal assassinato. O moleque tem seus motivos para voltar das trevas para alimentar sua sede de vingança, punir pais e fazer justiça em lares onde crianças são maltratadas como ele foi, só que Salomão Ventura, por mais que compreenda isso, não pode deixá-lo à solta por aí e vai atrás do pretinho endiabrado se valendo da única maneira possível de pegá-lo... (você sabe qual é, não sabe?).
Um projeto que, ao contrário do que muitos pensam, que demoniza personagens da cultura popular, na verdade a resgata e valoriza, levando ao encontro de muitos mergulhados na cultura norte- americana, um pouquinho mais das raízes brasileiras.
Trabalho de muito talento desenvolvido, como o autor mesmo revela no prefácio, ao som de The Cure, The Smiths, Jesus & Mary Chain, Titãs, Cartola, PixiesStone Roses, Kraftwerk e outras coisas mais. Com inspirações dessas, só poderia sai coisa boa, mesmo.

Página da HQ. O início da sina vingativa do Saci.


por Cly Reis



O projeto Salomão Ventura infelizmente, num primeiro momento, não foi muito adiante e ficou só em quatro números, Saci, Curupira, Lobisomem e De Volta Pra Casa, mas ao que parece, o artista resolveu pôr a mão na massa e parece estar produzindo novos episódios do caçador das trevas. Não é tão fácil de se encontrar exemplares mas volta e meia se acha em feiras de quadrinhos e eventos do tipo, além do próprio site do artista (salomaoventura.com.br).

terça-feira, 10 de março de 2020

Marisa Monte - "Mais" (1991)



"Ela tem umas coisas
 que nasceram com ela:
carisma, uma beleza calma
e uma enorme cultura musical."
Nelson Motta




Ela já havia interpretado uma música deles em seu álbum de estreia e, não muito tempo depois, um encontro num especial da Rede Globo que a colocava no mesmo palco com os Titãs, além de servir de alavanca para o namoro com o baixista Nando Reis, encaminharia a parceria que se materializaria objetivamente, logo ali adiante no excelente álbum "Mais", de 1991 e ainda abriria o caminho para, mais futuramente, o projeto Tribalistas, já mencionado aqui nos A.F., de Marisa, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, que faz a percussão em grande parte das músicas. "Mais" pode até parecer, num primeiro momento, uma espécie de projeto alternativo dos Titãs com outro tipo de concepção vocal, dada a quantidade de músicas em que eles têm, no mínimo, participação nas composições. Causa ou consequência da então recente relação de Marisa com Nando, a parceria com os Titãs refletiria na linguagem do trabalho como um todo, até mesmo, de certa forma nas versões de outros artistas. Com exceção de "Rosa", de Pixinguinha, de estrutura mais complexa e letra rebuscada, a maioria das outras covers poderia caber, sem problemas num disco do octeto paulista, como no caso de "De Noite na Cama", de Caetano Veloso, por exemplo, a adaptação do folclores nordestino, "Borboleta", e até mesmo, por incrível que pareça, "Ensaboa", de Cartola, que dentro do espectro da obra do mestre da Mangueira, pode ser considerada uma de suas letras mais minimalistas e de estrutura diferenciada. Mas seria uma injusta simplificação reduzir o trabalho a uma experimentação titânica. "Mais" é muito mais! Marisa Monte canta, encanta, brinca, emociona, impressiona. Com produção do norte-americano Arto Lindsay, o disco é eclético sem ser pretensioso e tem um equilíbrio perfeito entre as faixas o que faz com que seja prazeroso e mantenha um frescor mesmo para quem já o conhece de muitas audições.
"Beija Eu", com letra de Arnaldo Antunes, comprova que o mesmo cara que fazia coisas como "Saia de Mim", era capaz de compor algo tão belo e delicado como aquela faixa de abertura, que, por sinal, não merecia outra interpretação que não à de Marisa Monte, doce e graciosa. "Volte para o seu lar", rebelde e impositiva, é a mais titânica das músicas do disco, contando com uma leitura musical perfeita de Marisa que dosou com sabedoria a melodiosidade com a pungência da letra ("Aqui nessa casa/ Ninguém quer a sua boa educação/ Nos dias que tem comida/ Comemos comida com a mão...", "Aqui nessa tribo/ Ninguém quer a sua catequização/ Falamos a sua língua/ Mas não entendemos o seu sermão"...). "Ainda Lembro", canção de amor elegante e de muito bom gosto, conta com a luxuosa participação de Ed Motta compõe com Marisa um dueto que pode se incluído entre os grandes da música brasileira. Em "De noite na cama", Marisa dá um ar leve à canção de Caetano Veloso, inúmeras vezes regravada na discografia nacional, desta vez com uma interpretação bem solta e alegre; e a "Rosa", de Pixinguinha e Otávio Cruz, a confere senão a versão definitiva, no mínimo uma das mais memoráveis. E em "Borboleta", cantiga tradicional do nordeste, Marisa Monte começa fazendo a voz pairar suavemente sobre nosso jardim sonoro para em seguida, sobre uma base acústica, desfilar seu canto doce e gracioso.
Marisa começa esticando a voz em "Ensaboa", sugerindo um cântico de lavadeiras, a música ganha um coro no refrão que também remete a um canto do trabalho conjunto na beira do tanque e de ribeirões, e culmina num pout-pourri, simplesmente extático, com "Lamento da Lavadeira", "Colonial Mentality", "Marinheiro Só", "A Felicidade" e "Eu Sou Negão". Espetacular!
"Eu não sou da sua rua", outra muito titânica, é uma espécie de "Lugar Nenhum"l mais leve e melancólica. "Diariamente", de Nando Reis, uma das melhores do disco, usa um formato em lista, como era característico dos Titãs em músicas como "Nome aos bois", do próprio Nando, só que aqui com atividades e situações rotineiras, numa anáfora conduzida de maneira brilhante pela cantora sobre uma base de violão constante e repetida.
Marisa se aventura pela primeira vez em uma composição solo e se sai bem na gostosa "Eu Sei";
"Tudo pela metade", parceria de Marisa com Nando, talvez seja a mostra mais perfeita no álbum do êxito da combinação de seu estilo com o dos Titãs, ficando bem evidenciado o ponto onde acaba um, começa o outro e onde se fundem. Um pop delicioso de refrão cativante e que fica mais bacana ainda na última vez em que se repete com um coro de crianças bem espontâneo e "bagunçado"; e "Mustaphá", uma balada zen, tranquila, com um belíssimo trabalho de violão, fecha o disco com competência.
"Mais" era a confirmação de Marisa Monte. Se passara uma boa impressão com o primeiro disco "MM", um ao vivo só de versões de outros artistas, mas deixara uma certa dúvida sobre ser ou não um daqueles fenômenos efêmeros que parecem de vez em quando, este disco mostrava que ela não era só mais uma cantora de um ou dois hits. Ela chegara para ficar. Era mais uma das grandes mulheres da música brasileira. Uma mulher com M maiúsculo! M de música, M de Marisa, M de Mais.

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FAIXAS:
1."Beija Eu" -  Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Arto Lindsay (3:10)
2."Volte Para o Seu Lar" - Arnaldo  Antunes (4:41)
3."Ainda Lembro" - (participação especial de Ed Motta) - Marisa Monte, Nando Reis (4:05)
4."De Noite na Cama" - Caetano Veloso (4:24)
5."Rosa" - Pixinguinha, Otávio de Souza (2:43)
6."Borboleta" - Folclore Nordestino (1:56)
7."Ensaboa (Lamento da Lavadeira)" - Cartola, Monsueto Menezes (4:15)
8."Eu Não Sou da Sua Rua" - Branco Mello, Arnaldo Antunes (1:29)
9."Diariamente" - Nando Reis (4:05)
10."Eu Sei (Na Mira)" - Marisa Monte (2:40)
11."Tudo Pela Metade" - Marisa Monte, Nando Reis (4:11)
12."Mustaphá" - Marisa Monte, Nando Reis (2:23)
******************
Ouça:
Marisa Monte - Mais


Cly Reis

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Elza Soares - "A Mulher do Fim do Mundo" (2015)



"Eu sou mulher do fim do mundo
Eu vou, eu vou,
eu vou cantar
Me deixem cantar até o fim."
da letra de
"A Mulher do Fim do Mundo"




Devo admitir que fui com um certo ceticismo para ouvir "A Mulher do Fim do Mundo", disco da veterana Elza Soares, desconfiado de que grande parte da badalação em torno dele viesse a dever-se muito mais à simpatia das "minorias" ou da parcela da sociedade engajada por assuntos que o disco aborda e causas que, direta ou indiretamente, defende como igualdade racial, feminismo, justiça social, etc., do que propriamente por suas suas qualidades musicais. Para minha felicidade o disco não limita-se a ser um grito dos oprimidos. Aparatada por um time de jovens músicos, compositores e produtores, antenados com o momento musical, com os novos recursos e possibilidades, a veterana Elza Soares tem a oportunidade de ter seu trabalho atualizado e por conta disso revalorizado através das inovações propostas por essa impetuosa retaguarda técnica. Bases e batidas pré-gravadas, guitarras, distorções, incorporação de outras tendências musicais como rap e o funk são algumas das novidades que vemos no trabalho de Elza, impulsionadas, é claro, pelo talentoso grupo de músicos já de bom trânsito e reconhecimento pela cena musical paulistana nos últimos anos.
Mas antes que digam que estou dando todos os méritos para a equipe técnica e inventem outra polêmica, como se já não bastasse da famosa discussão sobre o fato do álbum ter sido todo concebido e executado por homens brancos,  é importante que se saliente que "A Mulher do Fim do Mundo" é um disco DE Elza Soares, feito PARA Elza Soares como muitos discos são feitos para outros intérpretes por diversos compositores, independente de seu gênero, raça ou condição social, e ELA é a estrela maior do disco. Os temas, as letras, a obra foi entregue a ela, personificada nela porque, possivelmente, no Brasil, poucas artistas representariam tão bem a imagem de luta de uma mulher negra de origem humilde julgada pela sociedade como ela. E nada mais autêntico do que entregar esse repertório a uma mulher que, mesmo antes disse projeto, ao longo de sua carreira sempre fez questão de mostrar estas realidades fosse nos repertórios escolhidos, fosse em entrevistas.
Provando que sabem que Elza é quem tem que brilhar e que não tem a intenção de reivindicar a obra, os "garotos" fazem questão de enfatizar isso logo na primeira faixa: o que surge primeiro é a voz. Apenas a voz. Nada mais. Numa emocionante interpretação à capela de "Coração do Mar", poema de Oswald de Andrade, musicado por José Miguel Wisnik, Elza brilha solo mostrando que seu "instrumento de trabalho" permanece como uma marca registrada na música brasileira.
Imediatamente após a introdução vocal, a faixa que dá nome ao disco surge solene e melancólica com cordas chorosas logo integradas a um riff minimalista que não tarda a explodir num samba potente como um terremoto, um cataclismo, um apocalipse. É o fim do mundo e Elza está lá. No meio dele, no olho do furacão. Cantando. Com aquele rasgo de voz característico dela, como se fosse um trompete, ao melhor estilo Louis Armstrong, ela anuncia, inapelável, "Eu vou cantar até o fim". E, amigos, tal é a força, que a partir daquele momento ficamos com a certeza de que nada irá pará-la.
E pra confirmar essa volúpia incontida, a excelente "Maria da Vila Matilde", um "samba-de-breque" cheio de elementos eletrônicos, guitarras e metais, vem dando o papo-reto sobre violência contra a mulher botando o dedo na cara do machão covarde e avisando com todas as letras "Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim". É a afirmação da postura da mulher do novo século, da mulher do fim do mundo.
Em "Pra Fuder" a linguagem que num primeiro momento pode parecer desnecessária, tipo criança boca-suja, meio Dercy Gonçalves nos últimos anos de vida, mostra-se imperativa num dos refrões mais intensos dos escritos no Brasil desde as sentenças primais de "Cabeça Dinossauro" dos Titãs.
"Luz Vermelha" é visceral, agressiva, caótica e traz um refrão embalado por uma espécie de drum'n bass sambado; a simpática "Firmeza?!" reafirma a contemporaneidade de linguagem, não somente sonora mas também verbal, proposta pelos compositores e produtores, num amistoso diálogo entre dois "parças" na "quebrada" onde vivem; a mórbida "Dança" talvez seja a que mais se aproxima de um samba canção tradicional; e "Canal" com uma poesia sutil aborda a questão da falta d'água com destaque para o brilhante trabalho de percussão.
"Benedita" (ou seria Benedito?), outro dos granes destaques do álbum, de estrutura quebrada e imprevisível, acompanha as desventuras de um transexual pelo submundo e seus recursos para sobreviver naquele meio selvagem e implacável ("Ela leva o cartucho na teta/ ela abre a navalha na boca") .Uma jornada underground comparável às mais sujas histórias de Fausto Fawcett com suas fantásticas personagens malditas como Kátia Flávia, a amazona loura terrorista, ou a falsa-santa traficante de armas Judith Raquel: ou mais realisticamente, com o personagem de mesmo nome criado por Itamar Assumpção em "Beleléu", mais conhecido como Nêgo Dito.
Sob acompanhamento de cordas "Solto" encaminha com melancolia o final do disco e, assim como começou ele termina, conduzido apenas pela voz de Elza na belíssima "Comigo". A voz está um pouco envelhecida, deve-se dizer a verdade, mas assim como Billie Holliday em "Lady in Satin", que com a voz hesitante e débil ainda conseguira gerar uma obra-prima, Elza Soares talvez tenha conseguido finalmente, em tempo, a sua.
Um disco que já nasceu histórico e que já coloca-se de imediato entre os grandes álbuns da música brasileira. Um projeto musicalmente ousado e que torna-se urgente e essencial no presente contexto político, social e humano por suas temáticas e abordagens. "A Mulher do Fim do Mundo" é o disco da nova mulher, de uma nova atitude, de um novo som, o disco de um novo século e, oxalá, quem sabe não o disco do fim do mundo, mas de um novo mundo.
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FAIXAS:
  1. "Coração Do Mar"
  2. "Mulher Do Fim Do Mundo"
  3. "Maria Da Vila Matilde"
  4. "Luz Vermelha"
  5. "Pra Fuder"
  6. "Benedita"
  7. "Firmeza"
  8. "Dança"
  9. "Canal"
  10. "Solto"
  11. "Comigo"

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OUÇA:
Elza Soares A Mulher do Fim do Mundo



Cly Reis


terça-feira, 30 de setembro de 2014

Titãs - "Õ Blésq Blom" (1989)



“Do radinho de pilha às produções do Liminha
(e este novo disco e um escândalo de textura e limpidez sonora)
os Titãs vem marcando a vida brasileira
com suas canções brutas e límpidas
seus temas básicos apresentados em forma de anti-panfletos
canções crescentemente gráficas, cujos títulos
(“Comida”, “Televisão”, “Flores”, “Igreja”, “Miséria”, etc.)
parecem a um tempo bastar, faltar e sobrar;
canções-cartaz, canções-pichação, palavras-de-desordem
(em ordem) que os aproximam da poesia concreta
no momento “salto participante”, palavrões limite.
Bichos escrotos.
Cabeça dinossauro.
Alta sofisticação intelectual e tecnologia aliada a brutalidade.
Titãs andando com desenvoltura em ambiente de eletrônica miséria.
Õ Blésq Blom."
Caetano Veloso


Depois de "Cabeça Dinossauro", um álbum que revolucionara a música brasileira, foi gerada uma grande expectativa a respeito de seu sucessor, um misto de incredulidade e esperança de que o trabalho seguinte conseguisse no mínimo, chegar perto da qualidade daquele. E não só conseguiu se se aproximar o como superou. Embora a aura e a mitologia mantenham “Cabeça dinossauro” como uma lenda da discografia brasileira, tecnicamente falando, "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas" era superior a seu antecessor. Era um passo adiante no que dizia respeito à linguagem, à experimentação, ao minimalismo, à força, ao conceito e à produção. Mas e então o seguinte? Está certo que nesse meio tempo entre um álbum e outro, foi lançado o excelente “Go Back”, um registro ao vivo em Montreux, que apoiado em grande parte no repertório dos dois álbuns citados, mantinha o nível de qualidade do momento que a banda vivia.
Mas de estúdio? Material novo? O que fariam desta vez? Os Titãs poderiam fazer alguma coisa melhor que “Cabeça Dinossauro” e “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”?
Por incrível que possa parecer a resposta era SIM!
Embora "Cabeça Dinossauro" permanecesse incólume em seu Olimpo como o grande álbum brasileiro de todos os tempos, pelo seu rompimento, inovação, linguagem, “Õ Blésq Blom”, de 1989, era ainda mais trabalhado tecnicamente, os conceitos haviam sido aprimorados, a agressividade filtrada, o experimentalismo amadurecido, elementos de música brasileira eram agregados e o resultado disso tudo era um disco simplesmente brilhante.
Desde a concepção da capa, com uma colagem meio punk/pop art que já sugere a ideia musical de superposição de elementos com a utilização de fontes diferentes e disposição livre para compor o nome do álbum, que por sua vez já é uma pequena composição concretista, o disco já se mostra especial. A impressão de que ali há algo diferente se confirma assim que o álbum inicia com a vinheta de abertura, uma gravação de dois artistas de rua da Praia da Boa Viagem, Mauro e Quitéria, numa espécie de rock'n roll-repente multi-idiomático que serve de introdução para a espetacular “Miséria”, que aí sim, abre o disco, efetivamente. Um petardo eletrônico, quebrado, com influências que incorporam funk, punk, reggae, rap contando com incontáveis e variados recursos de estúdio. Dançante, vibrante, surpreendente pela ousadia e pela sonoridade, “Miséria”, como primeira faixa era estrategicamente responsável por apresentar a nova proposta dos Titãs e mostrar a que vinha “Õ Blésq Blom”.
A inteligentemente provocativa “Racio Símio” seria um daqueles tradicionais rocks agressivos e pesados dos Titãs se não fosse a produção caprichada, cuidando de cada detalhe e instrumento. A descontraída “O Camelo e o Dromedário” confirmava que a banda continuava nos caminhos já trilhados em reggaes como “Marvin” e “Família” só que com um tratamento mais experimental de coisas como “O Quê?”, e ao mesmo tempo mais técnico de músicas como “Comida” e “Diversão”.
“Palavras” de ritmo acelerado, letra interessante e bom trabalho de guitarra é apenas boa; mas “Medo” que a segue é excepcional. Punk rock típico Titãs com uma estridente guitarra minimalista de Tony Belloto e vocal furioso de Arnaldo Antunes para sua própria letra que versa sobre o processo de criar e de sentir a arte.
Com “Flores”, grande sucesso em rádios e TV's, de vídeo premiado na MTV americana, talvez os Titãs tenham conseguido o grande ponto de equilíbrio entre sua proposta roqueira e seu alcance popular com uma canção pop impecável que agradava tanto aos fãs quanto ao grande público sem abrir mão da linguagem formal, verbal e sonora características.
Talvez o grande momento técnico e criativo do álbum seja “O Pulso”, composição inspiradíssima sob todos os aspectos: a produção do nono Titã, Liminha, que entendeu a proposta e ajudou a materializar um elemento musical praticamente orgânico, a instrumentação precisa numa música de estrutura pouco convencional, e a letra mutante e instigante de Arnaldo Antunes. Com uma programação eletrônica que se repete constante do início ao fim da música, remetendo aos batimentos cardíacos, “O Pulso” cria uma admirável ligação som-conteúdo por conta de sua letra, uma listagem de doenças do corpo e da mente, intercaladas com outros elementos, como rancor, ciúme e culpa, que por analogia acabam por ser tratadas pelo autor como males tão sérios. Os Titãs que já perguntaram de que tínhamos fome, agora perguntavam do que estávamos adoecendo e, na entrelinha, se valia a pena.
“32 Dentes” talvez seja a mais brasileira das músicas do grupo, com uma levada muito à sertanejo num punk-rock agressivo que em poucas frases manifesta toda a descrença e decepção com a humanidade; a interessante “Faculdade” lembra um pouco o formato de “Miséria” porém não com a mesma qualidade; e “Deus e o Diabo”, outra das experimentações eletrônicas, um funk meio hip-hop, com uma letra toda dicotômica que fala, de certa forma, sobre os conflitos internos que há em cada um de nós, termina emendando em outra palhinha de Mauro e Quitéria com seu rock-repente numa vinheta final que arremata o álbum como uma síntese de tudo o que se apresentou até ali: intuitividade, espontaneidade, poesia, improvisação, brasilidade, rock'n roll.
Agora sim, se alguém duvidava que depois de “Õ Blésq Blom” os Titãs não fariam nada melhor, acertou. Tentando provar coisas para si, para os outros, errando em escolhas, perdendo integrantes, fazendo excessivas concessões, cedendo às exigências da mídia, tentando agradar, envelhecendo em espírito, os Titãs se perderam. A obra ficou pobre, insossa, incoerente e enfim, irrelevante.
Mas os Titãs podem se orgulhar de, num período de aproximadamente 4 anos além de terem produzido uma das maiores trilogias da discografia nacional, “Cabeça Dinossauro”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e “Õ Blésq Blom”, de terem sido uma das bandas mais interessantes do mundo naquele momento.
Parafraseando o último verso de Mauro e Quitéria na vinheta de encerramento: Os reis do rock.
Bye, bye!
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FAIXAS:

01. Introdução por Mauro e Quitéria
02. Miséria
03. Racio Símio
04. O Camelo e o Dromedário
05. Palavras
06. Medo
08. Flores
09. O Pulso
10. 32 Dentes
11. Faculdade
12. Deus e o Diabo
13. Vinheta Final por Mauro e Quitéria
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Ouça:


Cly Reis

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

cotidianas #316 - Pavimentação



Ninguém sabe como o plástico é feito, 
Ninguém sabe. 
Como o leite é feito ninguém sabe, 
Não se sabe. 
A fórmula da coca-cola é segredo. 
A da pepsi também 
Foi feita por alguém. 
Plástico foi feito por ninguém 
Sabe como o chão é feito, 
Do que é feito o chão. 
Pé esquerdo, pé direito, 
Pavimentação. 
Mas do que é feito o chão? 
É feito de pedra, 
É feito de pixe. 
É feito de pedra e pixe. 
Pá pá pá pavimentação, pavimenta, 
Menta, mentalização! 
Mas ninguém sabe como a gente é feita, 
Se a gente é feita ou não. 
Mão esquerda, mão direita, 
Bate palma então! 
Pá pá pá pavimentação, pavimenta, 
Menta, mentalização! 
Mas do que é feita a gente? 
É feita de pé, 
É feita de mão. 
É feita de pé e mão. 
Ou não?


***

"Pavimentação"
Titãs
(Arnaldo Antunes/ Paulo Miklos)

Ouça:
Titãs - "Pavimentação"

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Titãs - "Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas" (1987)



"(...) Uma terra onde o ídolo, o Cristo, o Deus está completamente distorcido. Então é uma frase longa que tem várias conotações, mas tem esse sentido popularesco que é usar a palavra 'banguela' associado a 'Jesus', que são dois termos tão populares e tão pouco casados que nessa frase ficam muito bem.
É o pólo positivo e o pólo negativo.
É uma equação, não é nem uma frase."
Nando Reis



Depois de um disco como "Cabeça Dinossauro", unanimidade de público e crítica, sucesso de vendas e repleto de hits radiofônicos, cercou-se de grande expectativa o lançamento do que seria seu sucessor. Conseguiria o novo trabalho dos Titãs repetir o sucesso, qualidade e desempenho do anterior, considerado quase que automaticamente um dos maiores álbuns brasileiros de todos os tempos? “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” de 1987 não só conseguiu se comparar ao clássico disco anterior, como superá-lo. Sim! Superá-lo. Embora o posto de maior disco nacional da história permaneça intocado para o  "Cabeça Dinossauro" , na minha opinião, por conta de sua ruptura, ousadia, sonoridade, criatividade, arrojo conceitual, inovação de linguagem, aquele novo disco o ultrapassava em qualidade técnica e aprimorava seus conceitos e experimentações.
O funk de “O Quê?”, por exemplo, é extremamente mais bem trabalhado e aperfeiçoado em faixas como a ótima “Comida”, dos grandes hits do álbum e “Diversão”, também de boa execução, trabalhada com samples e programação de bateria.
“Todo Mundo Quer Amor”, letra concretista de Arnaldo Antunes é o melhor exemplo da evolução do experimentalismo de um disco para o outro, numa faixa curta, minimalista, quase que apenas de transição, toda desenvolvida a partir de programações , samples e colagens; mas músicas como “O Inimigo”, que apenas repete dois versos o tempo inteiro, e “Infelizmente”, letra praticamente narrada sobre uma batida constante com inserções eletrônicas, também trazem esta característica de experimentação bem presente.
O peso, o punk, a energia mostrada anteriormente também não faltam, mas aqui, em “JNTDNPDB” aparece menos cru. A excelente “Lugar Nenhum” é mostra evidente disso numa porrada básica, agressiva, distorcida porém muito bem trabalhada pelo produtor Liminha, o nono titã; “Armas pra Lutar” é outra que carrega no peso com ênfase especial para a bateria precisa de Charles Gavin; e a ótima “Nome aos Bois”, de guitarra aguda, repetida e constante, tem o peso moderado porém é extremamente contundente sem dizer efetivamente nada, apenas listando nomes de personagens famosos e históricos, e deixando-os para quem quiser lhes atribuir os devidos predicados.
O disco traz ainda “Corações e Mentes” e “Desordem”, dois rocks bastante acessíveis, bem pop, dosando bem os elementos do disco; “Mentiras”, que apesar de ter inegavelmente qualidade e apresentar uma certa complexidade na introdução do refrão, é a mais fraca dos disco na minha opinião; e a canção que tem o nome do disco, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” que apenas repete a intrigante frase o tempo inteiro acompanhada de um magnífico instrumental dosando peso, agressividade e técnica, com um excepcional trabalho de guitarra que aparece em solo praticamente o tempo inteiro durante o desenvolvimento da música.
Vale destacar ainda dois detalhes interessantes: um deles é a ótima capa, inteligentemente sugestiva tanto no que diga respeito a época, em se referindo a Jesus, quanto a dentes, lembrando uma grande boca desdentada; e o outro detalhe é a não identificação dos lados do LP, seu formato original de lançamento, como lados A e B ou 1 ou 2 como seria o habitual, e sim J e T objetivando, de certa forma que o ouvinte não tivesse a noção exata de qual seria o início ou o fim dos disco, podendo escolher aleatoriamente por onde começar a audição. Com o CD não teve jeito e teve-se que escolher por onde começar e começaram extamente por onde seria o meu lado B, uma vez que sempre comecei pela faixa-título do disco. Além disso o Cd traz um extra, a música "Violência" que, sinceramente, pra mim não acrescenta nada. Mas o que vale é o disco original e esse, sim, é espetacular.
Pra quem duvidava que os caras conseguissem fazer melhor, ali estava: “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” era um passo à frente. Um disco tão bom senão melhor que seu lendário antecessor.
Então agora sim, depois de dois discos como aqueles nunca mais conseguiriam fazer algo melhor.
Não?
Errado!
Ainda fariam “Õ Blésq Blom”, melhor tecnicamente, mais bem acabado e ainda mais aperfeiçoado nos conceitos que os dois clássicos anteriores. Mas isso é assunto para outra hora. Para outro ÁLBUNS FUNDAMENTAIS.

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FAIXAS:
01. Todo Mundo Quer Amor (Arnaldo Antunes) 1:18
02. Comida (Antunes, Marcelo Fromer, Sérgio Britto) 3:59
03. O Inimigo (Branco Mello, Toni Bellotto, Fromer) 2:13
04. Corações e Mentes (Britto, Fromer) 3:47
05. Diversão (Britto, Nando Reis) 5:07
06. Infelizmente (Britto) 1:34
07. Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (Reis, Fromer) 2:11
08. Mentiras (Britto, Fromer, Bellotto) 2:09
09. Desordem (Britto, Fromer, Charles Gavin) 4:01
10. Lugar Nenhum (Antunes, Gavin, Fromer, Britto, Bellotto) 2:56
11. Armas Pra Lutar (Mello, Antunes, Fromer, Bellotto) 2:10
12. Nome Aos Bois (Reis, Antunes, Fromer, Bellotto) 2:06

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Ouça:
Titãs Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas




Cly Reis