Visão geral do palco do Theatro São Pedro
com Vitor e a orquestra.
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“Ares de milonga sobre Porto
Alegre/
Nada mais, nada mais”.
da letra de
Ramilonga
Pode parecer contraditório, mas, às vezes, dependendo da intensidade emotiva
que determinado show ao vivo tem para mim, é mais difícil escrever sobre ele.
Foi assim com o do Paul McCartney, em 2010, do Gilbert Gil e orquestra, em
2014, e o da Meredith Monk, ano passado. Todos muito bem sorvidos pelos ouvidos
e sentidos, mas que, na hora de transpor pro papel, parece que a emoção me
congela. Pois outro desta lista foi o do cantor, compositor e escritor Vitor Ramil, que assisti ao lado das hermanas Leocádia e Carolina Costa em
2013. Naquela feita, como nestes outros que citei, não consegui escrever a
respeito daquele que foi certamente um dos grandes shows que assisti. Música no
seu mais alto nível. Pois o tempo se encarregou de me dar uma nova chance,
igualmente acompanhado das duas e novamente tendo como cenário o majestoso e
familiar Theatro São Pedro. E com um adicional incontestável: Vitor tocando com
a Orquestra de Câmara do teatro. Ou seja, motivos de sobra para que, enfim,
esse momento tão especial fosse por mim registrado.
Minha obrigação atestou-se já de início. Ainda sem o protagonista no
palco, a orquestra, formada basicamente pelas cordas (cellos, violinos e
violas), estremece-nos com uma luxuosa execução do Prelúdio das “Bachianas nº
4”, de Heitor Villa-Lobos. Que começo! Quando sobe finalmente, o gracioso Vitor
brinca: “Quero ver se vocês vão querer me
ouvir agora depois do Villa-Lobos”. “Foi no mês que vem”, de poesia
romântico-lírica, numa brincadeira com o tempo cronológico e afetivo (“Vou fiquei/ No teu chegado e tu chegada ao
meu/ Penso, grande é Deus/ Um paraíso prum sujeito ateu...”) dá início ao refinado
e absolutamente musical espetáculo, tanto quanto o de dois anos atrás embora
diferente. Não somente pelos arranjos da orquestra, assinados por Vagner Cunha
e regidos pelo também bem-humorado maestro Antônio Borges-Cunha, os quais
cumpriram, com muita felicidade a função de realçar os traços das canções. Mas,
sim, pela obra maior de Vitor Ramil, um dos maiores músicos da atualidade no
Brasil.
A habilidade como violonista e cantor destacam ainda mais o lindo timbre
de voz, suave como uma pluma, e a capacidade criativa do compositor de criar
melodias lindamente improváveis. O professor de artes Celso Loureiro Chaves diz,
no texto do programa: “Há sempre uma
surpresa nessas melodias. Quando pensamos que elas vão para um lado, elas tomam
outro caminho e terminam como ninguém – a não ser Vitor – poderia ter pensado”.
Essa é a sensação que se tem na tensa e quase expressionista “Livro aberto” –
infelizmente prejudicada pelo pandeiro muito mal tocado por uma das integrantes
da orquestra, único resvalo de todo o espetáculo –, a qual vai ganhando ares
hipnóticos que as cordas ajudam a intensificar.
Para qualquer fã de Vitor, não precisa nem dizer que "Noite de São João", obra do célebre “Ramilonga”, de 1997, na qual ele musica uma poesia de
Fernando Pessoa, foi das mais emocionantes. A regência de Borges-Cunha lhe
empresta cores lúdicas, enquanto o músico entoa com absoluta delicadeza a
melancólica e rica melodia. Igualmente de embasbacar, “Milonga das 7 Cidades”
(mais uma de “Ramilonga”), a suplicante “Perdão” (“Perdoo o sol/ Que aquece meu corpo/ Perdoo o ar/ Que me alimenta/
Perdoo a dor/ Que desistiu de mim/ E a solidão/ Que não foi tanta como eu quis...”)
e “Vem”, onde, a capella, Vitor
arrasa no canto (a letra, fez sobre um prelúdio de Bach) enquanto o maestro
conduz um belíssimo arranjo, chamando atenção para a segunda parte, em que
todos abandonam os arcos para, delicada e ordenadamente, tangerem com os dedos as
cordas de seus instrumentos.
Original do disco “Délibáb”, de 2010, “Querência” traz a poesia pampeana
de João da Cunha Vargas, a quem muitos, incluindo a mim, passou a conhecer
através das músicas de Vitor. Dos dois é outra das mais incríveis que se ouviu,
esta apenas na voz e violão: “Deixando o Pago”, milonga capaz de transmitir ao
mesmo tempo bravura e fragilidade, tristeza e sensação de liberdade: “Cruzo a última cancela/ Do campo pro
corredor/ E sinto um perfume de flor/ Que brotou na primavera/ À noite, linda
que era/ Banhada pelo luar/ Tive ganas de chorar/ Ao ver meu rancho tapera”.
No final do show, executando "Astronauta Lírico". |
Hit gravado por nomes como Gal Costa, Milton Nascimento, Chico César e Maria Rita, “Estrela Estrela”,
amada pelo público, é a que mais foi possível ouvir o coro da plateia, silenciosa
a maior parte do tempo, pois extremamente atenta a todos os acordes que se
pronunciavam. Esta ganha um arranjo suave, acompanhando sua aura lunar e
fugidia. Já em “Indo ao Pampa”, mais uma de “Ramilonga”, Loureiro Chaves
escreve um arranjo especial no qual explora a atmosfera indiana da original e
transpõe isso para a orquestra. Um show! Das melhores do set-list, a qual explode no refrão em ataques intensos das cordas.
Especial também é o canto de Vitor, que avança impressionantemente de um tom
médio para o agudo sem desafinar jamais. Que cantor!
, “Não é céu”), mas
nada que desagradasse - pelo contrário, pois foi suficiente para, junto com o
restante, fazer-nos ir para casa suspensos sim.
por Daniel Rodrigues
O show do Vitor Ramil foi lindo, porque foi pura emoção! O texto passa isso em suas palavras. Mas não podia ser diferente, assistir Vitor Ramil com Orquestra de Câmara do Teatro São Pedro, ainda tendo como introdução "Preludio das Bachianas n°4 e a poesia inspirada, inteligente e linda de Ramil, é só emoção mesmo!
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