"olha! como eu tinha te dito, não
importa onde isso está! isso não
existe. o que você precisa saber é onde
isso não está."
trecho de "Tarântula"
Embora "Tarântula" não seja música, suas linhas, seus capítulos, suas crônicas são extremamente musicais seja pelas menções a clássicos de sua discografia ("tropeça para a luz aqui abraão... e que tal esse teu patrão? & não me venha com essa que você só cumpre ordens") ou pelo ritmo que consegue proporcionar com aliterações, explorações fonéticas ("broa betty, ébano diabrete ba-ba-blam, ba-ba-blam! bandida, teve um bebê ba-ba-blam! e ponha na roda ba-ba-blam, ba-ba-blam! queime o cara com o café ba-ba-blam..."), sequências de vírgulas ou barras e períodos curtos ("... a boa e velha debie, ela aparece & ela & dale & eles começam a morar nos jornais & jesus quem é que pode culpá-los & Amém & oh deus, & como as paradas não precisam da tua grana baby..."). A obra de Dylan, escrita no auge de seu sucesso e em um momento de transição artística no qual expandia suas possibilidades musicais com o uso de instrumentos elétricos, é exatamente o reflexo de uma mente brilhante em efervescência explorando o máximo de sua capacidade. Não sei se hoje, do auto de sua experiência e maturidade, Dylan escreveria '"Tarântula" da mesma forma, tão descompromissadamente, tão impetuosamente, como que o fizera lá em 1966, mas parece-me que se, por ventura, a voz da razão viesse a intervir hoje em dia nas linhas poderosas com as quais temos o privilégio de nos depararmos neste livro, ele perderia um pouco de seu encanto uma vez que grande parte do que torna a obra tão especial e valiosa é exatamente essa juvenilidade, essa pureza, sua irreverência e subversão. "Tarântula" é Dylan na melhor forma desconstruindo o sonho americano, traçando um retrato da decadência da América, e isso, note-se, no final dos anos 60. As pessoas, seus medos, seus anseios, suas esperanças, seus erros, seus defeitos, colocados pelo artista diante de uma espécie de espelho de Dali, no qual o reflexo pode ser visto mas não da forma que se está acostumado a ver. O que impressiona é quando notamos que muitas vezes essa distorção da imagem é exatamente o que nos permite ver as coisas como realmente são. E esse é o trabalho do poeta. Esse é o trabalho do artista.
Cly Reis
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