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sexta-feira, 4 de outubro de 2019

"Amor Até as Cinzas", de Jia Zhang-Ke (2018)



Uma historia de amor não é, necessariamente, apenas entre duas pessoas. Há todo um fator tempo espaço, o lugar onde se vive, enfim, tem muita coisa tudo envolvida numa história de amor e “Amor até as cinzas” mostra isso brilhantemente.
Datong, China, 2001. Uma bela e jovem dançarina chamada Qiao está apaixonada por Bin, um mafioso local. Durante uma briga entre gangues rivais, ela dispara uma arma para proteger seu namorado e isso lhe custa cinco anos de prisão. Após sua liberação, Qiao vai procurar Bin para tentar e começar tudo de novo.
Mesmo conseguindo trabalhar bem as passagens de tempo e na forma que demonstra a relação dos dois amantes ao longo do filme, a única parte que “ Amor Até as  Cinzas”, desliza é na divisão de atos. Seu segundo é extremamente longo, com sequências desnecessárias que não fazem o filme avançar e podem causar um certo cansaço no espectador mais agitado. Rápido spoiler: uma das sequências desnecessárias de “Amor Até as Cinzas” é a que se passa no barco. Tem o roubo dos documentos de Qiao, muita coisa acontece, coisas acontecem também na cidade e, no entanto, apenas um dos fatos é realmente relevante para trama. Há um excesso de coisas desnecessárias nesse segundo ato.

Apesar de ser um filme sobre “máfia”, ele não tem sequências de ação (na verdade tem uma só, mas que é espetacularmente deliciosa de tão boa, muito bem filmada e de tensão  muito bem construída).  O foco é no diálogo, na relação dos dois personagens principais, em como um está ligado no outro mesmo com passar de tempo, da distância e das mudanças. Uma relação de duas pessoas nunca é só de duas pessoas, tem todo um contexto. Vemos que uma separação não significa o fim de tudo, mas que nada nunca mais será como antes. Talvez melhor ou pior, mas não igual. Por outro lado, o longa é uma critica a uma China que se abre, se moderniza, mas não valoriza seu povo, preocupada apenas em crescer. Assim como a relação de Bin e Qiao, que imersa em si mesma, esquece que existe um mundo à sua volta. 
Qiao e Bin, no momento "torta sabor Climão",
em um dos seus reencontros.
Fan Liao como Bin e Tao Zhao no papel de Qiao, formam um casal perfeito, apesar de muitas vezes parecerem um tanto frios, (e realmente são). Suas trocas de olhares e os diálogos entre os dois transbordam sentimentos. Outra coisa fantástica do longa é o fato do diretor utilizar a China e sua realidade social como pano de fundo de sua narrativa, contando a história do pais e fazendo críticas, mas tudo isso sem jogar na cara do espectador. Tem o desemprego nas cidades mais afastadas por causa do fechamento das fabrica e o avanço da tecnologia (basta reparar nos celulares dos personagens ao longo do filme), a mudança nos meios de transporte, no estilo de vida e até mesmo das gangues, e todo esse contexto cultural e social é muito explorado ao longo da obra. Outro aspecto para se dar muito a atenção é o de como os personagens estão presos em seu relacionamento ao mesmo tempo que estão presos às suas localidades e costumes, não percebendo as evoluções do país e as mudanças à sua volta.
Não é nada fácil ser líder de gangue...




por Vagner Rodrigues

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