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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

"Clímax", de Gaspar Noé (2018)


Uma coisa não tem como negar: ninguém consegue ficar indiferente a um filme de Gaspar Noé . E "Clímax", seu quinto longa, apresenta todos os requisitos característicos do diretor pra não deixar ninguém na zona de conforto. Intenso, incômodo, angustiante, revoltante, "Clímax" se concentra num fato verídico de um encontro de dançarinos de uma companhia, numa comemoração de estreia de espetáculo, num abrigo afastado, onde depois de beberem um ponche batizado com LSD, todos começam, gradualmente, a agir de forma cada vez mais descontrolada e irracional. Sem poderem sair pelas condições climáticas e pela falta de transporte, cuja promessa seria de buscá-los ao amanhecer, o ambiente transforma-se num verdadeiro caos onde, com o avanço do efeito da droga, são cometidas algumas das mais abjetas ações humanas. Linchamento físico e moral, estupro, incesto, autoflagelação, imolação, homicídio, acontecem no salão de festas do alojamento, estimulados pelo efeito do entorpecente, mas no fundo, o alucinógeno adicionado à sangria é só o combustível que faltava para despertar algumas pré-disposições que já ficavam evidentes nas entrevistas que abrem o filme e nas conversas isoladas que os dançarinos mantinham entre si, pelos cantos, antes da droga tomar suas mentes por completo. O desejo de um de passar o rodo nas dançarinas, o ciúme doentio de outro pela irmã, a revelação de uma delas de uma gravidez indesejada, a admissão da coreógrafa de seu total despreparo para ser mãe, tudo isso estava ali guardadinho só esperando algo acender o pavio.
As entrevistas com os dançarinos, logo no primeiro momento do filme.
Repare nos filmes e livros, em volta da TV. Obras de terror e fantasia
que antecipam um pouco do estado psicológico que o filme trará.
O formato do longa também é algo a se destacar: permeado por frases sobre a existência, exibidas na tela, soltas, ao longo do filme, ao melhor estilo Godard, ele parte de uma série de entrevistas com os integrantes do corpo de dança, num formato bem amador, meio found-footage; mergulha de cabeça na festa, registrando o ensaio do grupo, no salão de festas do colégio, em um longo plano sequência; créditos dos atores só parecem ali pela metade do filme, estampados na tela em fontes pop, como que carimbados ao ritmo da batida eletrônica, tendo ao fundo as performances cada vez mais tresloucadas dos bailarinos; e ao final desses créditos segue-se outro longo plano sequência que se estende praticamente até o final do filme. Esse trecho, em especial, sem cortes, a partir do momento em que é constatada a dopagem, é, ao mesmo tempo o ponto alto e o mais angustiante do filme. Idas e vindas do salão, personagens transitando pelos corredores estreitos e dormitórios entre conflitos, confusões mentais, alucinações, gritos, desespero, cores vibrantes, música alta, danças descontroladas, a câmera inquieta, criam um quadro fascinantemente perturbador que vai culminar numa cena que parece algo como uma espécie de Inferno iluminado de vermelho ao som de música eletrônica.
Todos enlouquecendo!
Aqui, o depravado David com a personagem Selva,
por incrível que pareça, uma das mais lúcidas,
mesmo sob o efeito da droga.
Como eu disse, depois de tudo isso não tem como ficar indiferente. Noé é indigesto, é incômodo, é inconveniente, é revoltante, mas talvez porque, muitas vezes mostre um lado da existência humana que não gostamos de ver. Você pode ter vontade de abandonar a sessão de cinema, de parar a reprodução no vídeo, de mudar de canal na TV, de dançar, de vomitar, ou de, simplesmente, como eu, de apreciar e admirar. Recomendo a última opção.

"Clímax" - Trailer

Cly Reis

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