Curta no Facebook

terça-feira, 5 de setembro de 2023

"Quadrilha de Sádicos", de Wes Craven (1977) vs. "Viagem Maldita", de Alexandre Aja (2006)

 



Aqui temos um desafiante que é tido por muitos como favorito mas que, para mim, se tanto, com um esquema muito ofensivo, consegue equilibrar o jogo. "Viagem Maldita" (2006), do diretor francês Alexandre Aja, refilmagem do clássico "Quadrilha de Sádicos" (1977), do mestre Wes Craven, é considerado melhor que seu original por muita gente e, em verdade, até tem seus méritos e virtudes para ambicionar uma vitória, mas derrotar um dos filmes referência do terror não é bem assim.

A história é basicamente a mesma nos dois filmes: uma família em férias, passando pelo deserto do Novo México, resolve pegar um atalho e passar por uma área que dizem abrigar uma antiga mina de prata, numa região que também fora uma área de testes militares do exército dos Estados Unidos. Nessa rota alternativa, o grupo formado pelo patriarca, um ex-policial aposentado, sua esposa, seus dois filhos adolescentes, sua filha casada, o sogro, o bebê do casal, além de seus dois cães, têm problemas com o carro no meio do nada, ficando à mercê de um grupo de canibais que habitam as colinas daquela região. Obrigados a se separarem por diversas circunstâncias (procura de ajuda, a fuga de um dos cães...), o grupo fica ainda mais fragilizado e vulnerável diante de seus caçadores que, depois de inúmeras perversidades, sequestram o bebê do casal e o levam para as montanhas. Aí o jogo meio que se inverte e os caçadores passam a serem caçados. A família resolve reagir e, especialmente o pai da criança, Doug, que já tivera sua esposa assassinada pelos selvagens, decide ir atrás da criança e recuperá-la custe o que custar. É o momento em que o "cidadão comum", uma pessoa que, talvez, não fosse propensa à violência, formado por todos os valores morais da sociedade, pode vir a tornar-se tão animalesco e brutal quanto seus algozes, criaturas sem nada, nem ninguém, forjados na violência desde sempre em suas vidas. Aqui, o verdadeiro enfrentamento é CIVILIZAÇÃO X BARBÁRIE.


"Quadrilha de Sádicos" (1977) - trailer



"Viagem Maldita" (2006) - trailer



As produções apresentam pequenas diferenças: enquanto, no filme de 1977, o acidente com o trailer é causado pela autossuficiência e irresponsabilidade do paizão Big Bob, no de 2006 é consequência de uma armadilha dos maníacos; se no original a parte do resgate do bebê se dá em meio à bela e labiríntica topografia rochosa do deserto, no segundo, grande parte dela se passa numa espécie de cidade cenográfica, uma "cidade fantasma" repleta de manequins sorridentes, na qual o governo simulava as situações de impacto nuclear em áreas habitadas.

Ambos são muito violentos, à sua maneira. O filme de Wes Craven é quase um precursor no que diz respeito à violência extrema, com cenas extremamente chocantes para a época, como o cachorro estripado ou o ataque no trailer; mas o remake mantém o impacto e, em alguns momentos, é ainda mais gráfico que seu antecessor, como no suicídio do dono do posto, a do genro num freezer cheio de membros, ou ainda a luta com o mutante grandalhão na cidade cenográfica.

O original tem o mérito de ter sido um rompedor, um daqueles filmes que encarou as críticas, as estranhezas, para se tornar um clássico e consolidar uma linguagem; a nova versão, por sua vez, tem o mérito de contextualizar um pouco melhor para o espectador o porquê daquele grupo, exposto à radiação dos testes nucleares, viver isolado ali, agir daquela forma e apresentar aquelas aparências repugnantes e deformadas. A propósito de deformidades, as do remake, com um orçamento bem melhor e numa época de melhores recursos técnicos, são muito superiores à esforçada, porém primária maquiagem do primeiro filme. Pluto, por exemplo, se já é repugnante e assustador em "Quadrilha de Sádicos", é algo verdadeiramente horroroso e amedrontador em "Viagem Maldita". Porém, a favor do original temos que o discurso da desumanização, da desesperança no ser humano, embora presente também na refilmagem, é mais significativa e pungente na primeira versão.

A chocante cena do pai da família, Big Bob, crucificado num cactus acontece nos dois e com o mesmo impacto; a cena do estupro da filha mais nova no trailer é clara no remake e apenas sugerida no original; a armadilha que os jovens preparam para os canibais é ótima nos dois, mas tem um efeito mais prático e decisivo no filme de 1977; a luta final nas colinas, entre o pai do bebê sequestrado, Doug, e um dos canibais (Marte, no filme antigo, e Lizard, no mais novo), é intensa em ambos os casos, tem um desfecho semelhante, mas é mais impactante na primeira versão, até porque, ali se dá a cena final, acabando o filme com uma imagem congelada e tingida. Parece que a Quadrilha vai levar a melhor com o gol decisivo no apagar das luzes, mas, nos acréscimos, quando os sobreviventes da Viagem sentem-se a salvo, depois de terem despachado 'todos' os malucos da colina, a imagem se afasta e... vemos que eles estão sendo observados por um binóculo. Hum... Deu rúim!

Até pode ter "dado ruim" pra família no deserto, mas foi a boa pro time do técnico Alexandre Aja. É o gol de empate de "Viagem Maldita". E sobem os créditos e é o apito final do árbitro.

Grande jogo, dois grandes times e um desafiante à altura para um grande clássico do terror.

No alto, as duas cenas de Bob Carter sendo queimado no cactus do deserto;
no centro, os maníacos tocando terror no trailer com a filha mais nova, Brenda;
e abaixo, o abominável Pluto da versão original, à esquerda, e o da nova filmagem, à direita.


"Quadrilha de Sádicos" pode ser clássico do terror, mas "Viagem Maldita"
não se assustou e encarou.
Aqui, a máxima se confirmou: clássico é clássico, sim, mas vice-versa vale também.





 por Cly Reis

Nenhum comentário:

Postar um comentário