O curta tem muitíssimos méritos e indubitavelmente se vê um bom trabalho ali, mas, claramente, foi o que deu pra fazer, até pela própria duração do projeto. Mas então, alguns anos depois, bancada por uma produtora maior, com mais orçamento, melhores condições técnicas, uma boa distribuição, Kent pôde aperfeiçoar sua ideia e entregou, nada menos que um dos grandes clássicos do terror dos últimos tempos.
A história é basicamente igual: uma mãe, cuidando sozinha de seu filho, duvida das histórias do garoto que alega que um homem assustador se abriga nos cantos ocultos da casa, no armário, debaixo da cama, na escadaria, pronto para pegá-lo. Só que aos poucos, com algumas evidências, sentindo a presença e com aparições do monstro também para a própria mãe, ela passa a acreditar e a lutar contra a criatura para livrar-se dela.
O primeiro filme é extremamente competente em nos apresentar esse cenário em dez minutos, partindo de um ponto de "normalidade" que ao mesmo tempo nos indica que alguma coisa não corre bem naquele lar, levanta a dúvida da existência do bicho, põe em cheque a sanidade mental do menino, cria a atmosfera de medo, e amplifica essa tensão até culminar num clímax de pavor. Tudo isso em uma edição ágil, precisa, e sob uma fotografia preto e branco sinistra e aterrorizante.
Se no futebol, nem sempre posse de bola significa resultado, pois muitas vezes o time que fica menos tempo com ela é mais mortal, aqui faz toda a diferença: "O Babadook" é superior, em grande parte, por ter mais tempo de desenvolvimento. A diretora dispõe mais tempo em detalhes, reforça situações com repetições, coloca mais elementos, e o espectador mergulha de maneira mais profunda na realidade daquele lar, do ambiente externo (vizinhança, trabalho, amigos, escola ..), na situação emocional da mãe, nos problemas de comportamento do garoto.
No curta, embora percebamos o desconforto da mãe, não conseguimos ter a dimensão da barra que ela vive cuidando sozinha do menino e como é difícil para ela lidar, não somente com as questões práticas do dia a dia (temos indicativos disso, como a cama molhada de urina, a casa bagunçada, louça por lavar...), como com os problemas relacionados aos pavores do filho.
Já na refilmagem, com mais tempo, com boa iluminação, com a maquiagem adequada, com uma atriz mais mais experiente, a mãe, Amélia, fica verdadeiramente exposta ao espectador. Uma personagem em frangalhos física e psicologicamente, uma viúva que, de uma hora para outra se vê diante do grande desafio de levar a vida sozinha, administrar a casa, cuidar do filho problemático, e ainda ter que aguentar as cobranças de se recuperar da perda do marido, voltar a ser alegre, estar apresentável...
Como se não bastasse tudo isso, o filho, Samuel, começa a ver coisas: um homem enorme, de preto, com dedos longos, usando uma espécie de cartola. O mesmo homem que está ilustrado num livro pop-up que, do nada, apareceu na casa deles. Amélia inicialmente acha que é bobagem, coisa de criança, primeiro não liga, depois ralha com o filho, logo, por conta de seu estado emocional, perde a paciência com o menino. Associa as inquietações do filho ao livro e tenta livrar-se dele mas o livro sempre reaparece. Pode jogar no lixo, rasgá-lo, queimá-lo, ele volta. Depois de também perceber a presença do monstro, sentir-se ameaçada por ele, embora tente lutar contra a criatura e tente expulsá-lo, começa cada vez mais a ser dominada por ele, ficar agressiva e dirigir essa agressividade para o filho.
"O Babadook" é mais do que um mero filme de terror. É um drama sobre maternidade com elementos de terror psicológico tão perturbadores que vão além do sobrenatural.
Todos os méritos para "Monstro" mas... não dá. Até guarda o seu por conta da excelente fotografia P&B, mas não resiste ao melhor futebol do adversário e deixa entrar. O primeiro, pelo melhor desenvolvimento da ideia original e complexidade do enredo; e o segundo, pelo aperfeiçoamento do monstro, ainda mais sinistro e assustador, especialmente nas cenas em que se arrasta pelo teto, na que desce pela lareira e, na sequência final, quando se agiganta emergindo das sombras avançando contra os dois. A dupla de ataque guarda os seus: Essie Davis, como Amélia, tem excelente atuação e sua caracterização, desgrenhada, acabada, esgotada, é perfeita (3x1); e Samuel, o filho, vivido por Noah Wiseman, que consegue provocar no espectador um misto de piedade e irritação, garante com essa atuação brilhante mais um no placar. Virou goleada.
A técnica Jennifer Kent ainda faz uma substituição que lhe garante mais um gol: SAI o boneco, objeto perturbador do menino no primeiro filme, e ENTRA o livro, elemento que oferece mais possibilidades, mais alternativas visuais e dramáticas por conta dos desenhos pavorosos do monstro e dos textos ameaçadores da misteriosa publicação. Mais um para o Babadook!
O Monstro ainda desconta no finalzinho por conta de seu final mais interessante, mais plástico e sugestivo que o do longa, mas não é suficiente para uma reação.
Final: Monstro 2 x Babadook 5.
À esquerda, "Monstro", de 2005 e à direita, "O Babadook", de 2014 |
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