"Modernizar o passado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos..."
Com estes versos, a vinheta de abertura "Monólogo ao Pé do Ouvido" se encarregava de anunciar que a partir dali uma pequena revolução na música popular brasileira se iniciava. Chico Science e a Nação Zumbi, depois de muito tempo de parcas novidades no cenário musical, apresentavam-nos um surpreendente e sedutor misto de música popular brasileira, regionalismos, música pop, rock pesado e tecnologia. Liderados pela cabeça aberta, antenada e privilegiada de Chico Science, a banda composta por uma inusitada formação de guitarra e baixo complementados por uma linha de percussão de tambores regionais incrementados por programações, samples, scratches e teclados, incorporava tecnologia, peso, distorção, rock, metal, pop, funk, rap, a ritmos nortistas, nordestinos, pernambucanos, brasileiros, enfim.
Em "Da Lama ao Caos" (1994), Chico, com acidez, com ironia, com bom-humor às vezes, desfilava sua criatividade e as mais amplas possibilidades musicais tendo como pano de fundo a pobreza, a criminalidade e o crescimento desordenado de Recife. "Banditismo por uma Questão de Classe" fala sobre os anti-heróis do submundo violento dos morros, favelas e sertão; o hit "A Cidade" aborda a desigualdade social; e "Antene-se" dá bem essa noção de que mesmo em "mocambos empilhados à beira do Capibaribe" podem sair cabeças privilegiadas.
O disco todo é impecável mas vale conferir com mais atenção o maracatu eletrônico de "Rios, Pontes e Overdrives" que tem um sampler bem legal de The Fall na introdução; a pesadíssima "Da Lama ao Caos" despejando toneladas de guitarra metal sobre uma base batucada; a ótima canção de amor, igualmente com guitarras pesadas, "Risoflora"; "Lixo do Mangue", uma pequena vinheta instrumental mas que talvez seja o que melhor sintetiza o som da banda num frevo-metal pesadíssimo com samples furiosos e extremamente bem montados; e o forró-psicodélico "Coco Dub (Afrociberdelia)", uma viagem multireferencial com samples que vão de Chacrinha a Kraftwerk.
Chico Science é uma daquelas figuras que não se pode deixar de lamentar que tenha ido tão cedo. Sua mente efervescente parecia estar apenas no estágio inicial de um grande processo artístico que certamente teria muito mais ainda a apresentar. Mas mesmo apenas com dois álbuns gravados até a morte deste artista, não é exagero algum afirmar que ele a sua Nação foram os representantes mais importantes, junto com o Mundo Livre S/A, do último movimento cultural representativo acontecido no país. Provavelmente desde a Tropicália uma manifestação artística coletiva não estabelecia novos parâmetros, abria novos horizontes, propunha novas possibilidades dentro da cultura brasileira valorizando suas raízes, costumes, folclores e tradições como foi o caso do MangueBeat, iniciado nas ruas de Recife e que a partir de lá ganhou o Brasil afora
Por isso, pela criatividade, qualidade e ousadia além da relevância musical e cultural, não furto-me em colocar Chico Science junto com Raul, Mutantes, Titãs e Legião Urbana entre os 5 mais importantes nomes do rock nacional de toda a história.
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FAIXAS:
1. "Monólogo ao Pé do Ouvido"
2. "Banditismo por Uma Questão de Classe"
3. "Rios, Pontes e Overdrives" (Chico, Fred Zero Quatro)
4. "A Cidade (Boa Noite do Velho Faceta)"
5. "A Praieira"
6. "Samba Makossa"
7. "Da Lama ao Caos"
8. "Maracatu de Tiro Certeiro" (Jorge du Peixe, Chico Science)
9. "Salustiano Song" (Lúcio Maia, Chico Science)
10. "Antene-se"
11. "Risoflora"
12. "Lixo do Mangue" (Lúcio Maia)
13. "Computadores Fazem Arte" (Fred Zero Quatro)
14. "Côco Dub (Afrociberdelia)"
todas as faixas Chico Science, exceto as indicadas
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Ouça:
"Eu vim com a Nação Zumbi!"
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