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sábado, 26 de maio de 2012

cotidianas #160 - O Jardim Suspenso


Acordou assustado. Suado. Ofegante. Olhando em volta. Um barulho vindo da cozinha o acordara e o livrara daquele sonho que, não lembrava exatamente do que se tratava mas sabia que tinha sido perturbador.
O barulho continuava. Parecia alguém mexendo na geladeira.
Levantou-se e foi dirigindo-se lentamente a cozinha, descalço, pisando cuidadosamente e esgueirando-se para não ser notado por quem quer que estivesse lá.
"O Jardim das Delícias Terrestres",
Hyeronimus Bosh, séc. XV
Chegando no final do corredor virou à direita e dali já pôde avistar a porta da cozinha de onde notou então em frente à geladeira aberta, um homem de roupão cinza e pantufas mas cujo rosto não conseguia visualizar pois o estranho estava levemente inclinado olhando para dentro da geladeira. O intruso notando a aproximação de alguém voltou-se na direção da porta da cozinha e foi então que o dono a casa viu aquela cara bizarra. Uma cara de rato.  Corpo humano, mas com cara de roedor, de ratazanda de esgoto. Acuado por ter sido descoberto, o invasor, tratou de embrenhar-se geladeira adentro apressadamente. Tentou alcançar ainda o visitante antes que a porta do eletrodoméstico se fechasse mas não conseguiu em tempo. Mesmo tendo-o perdido num primeiro momento, reabriu a porta e deparou-se ali com um caminho escuro, uma passagem estreita de chão batido cercada pelos dois lados por uma extensão de mato baixo que precedia uma espécie de bosque. Colocando primeiro uma perna, depois a outra, a exemplo do visitante, ingressou pela passagem. Lá dentro seguiu pelo único caminho existente, em frente, já àquelas alturas nem pensando mais em encontrar o intruso e simplesmente andando para onde a trilha levasse. Caminhava agora olhando as árvores de galhos tortos e formas curiosas, o mato ia ficando mais alto conforme avançava e pensava se não haveria cobras naquele bosque, sentindo um pouco de medo por isso.
- Será que aquilo é um morcego? – perguntou sua irmã, que caminhava a seu lado.
- Acho que é algum tipo de pássaro noturno – respondeu com ar de conhecimento de causa.
Agora à sua volta não era mais aquele bosque assustador e sim um parque alegre e florido cheio de crianças onde resplandescia um belo dia ensolarado. Sentou no gramado olhando para as crianças e sentindo o calor agradável do sol no rosto. Sua irmã já não o acompanhava e agora uma bela moça sentava-se ao seu lado no gramado e fazia-lhe carinho nos cabelos. Pensou ainda, “mas não era minha irmã que estava aqui agora há pouco?”. Não importava. A garota era atraente, lembrava-lhe alguém que conhecia mas não sabia exatamente quem. Lentamente aproximou os lábios dos dela e aplicou-lhe um beijo longo e apaixonado. Logo levou e mão a seus seios, foi deixando descer até entrear por baixo da saia alisando-lhe primeiro as pernas e logo em seguida subindo lentamente. A troca de carinhos foi interrompida por uma voz rude e colérica.
“Que que tu tá fazendo com a minha guria, rapaz?”
Ergueu os olhos e  viu em pé à sua frente quatro rapazes fortes e com cara de poucos amigos.
Pôs-se em pé também e tratou de tentor argumentar, alguma coisa – a moça já não estava mais lá. Nada dispostos a aceitarem qualquer explicação que fosse, os brutamontes começaram a lhe aplicar empurrões, safanões e ameaçá-lo com mais veemência. Em desvantagem, um contra quatro, resolveu que o melhor era sair dali, e assim que os brigões lhe deram uma brecha engatou uma corrida veloz e decidida. Seguiram-lhe correndo e gritando. Não o alcançavam, corria bem, corria rápido, mas olhou para trás para se certificar de que estava em segurança. O que vou foi uma pequena horda munida de paus, garrafas, levando cães de caça e tochas acesas aglomeradas sobre a ponte elevadiça de um castelo medieval. Correu mais ainda mas logo viu-se num beco sem saída, diante de uma sólida parede de pedras. O grupo aproximava-se, sua angústia crescia. Olhou para os lados: nenhuma escapatória.   Mas de repente notou, ali, próximo a ele a porta de sua casa. Deu alguns passos tranqüilos, já sem os perseguidores no seu encalço, levou a mão à maçaneta, abriu, entrou, deixou a carteira e as chaves sobre a mesa e, cansado, dirigiu-se para o quarto. Lá, tirou os sapatos, a roupa, colocou o pijama e deitou-se para dormir. Havia sido um dia agitado. Pegou no sono. No sonho, teve a impressão de ouvir um barulho estranho. Abriu os olhos e viu um vulto parado no canto do quarto. Uma criatura, um ser bizarro, monstruoso que  aproximou-se rápida e ameaçadora mente em sua direção. Tentou gritar mas a voz não lhe saiu.
Acordou assustado. Suado. Ofegante. Olhando em volta. Um ruído vindo da cozinha o acordara e o livrara daquele sonho que, não lembrava exatamente do que se tratava mas sabia que tinha sido perturbador.
O barulho na cozinha continuava. Parecia alguém mexendo na geladeira.


Cly Reis

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