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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

cotidianas #881 - O Final da Escada Rolante

 


Um, dois, três, quatro... Os degraus iam se aproximando da borda da escada rolante e um a um sendo engolidos naquela mínima fresta final. Quando pequeno tinha medo de permanecer no degrau até o último instante e ser puxado para dentro da escada rolante. Por outro lado, tinha a curiosidade sobre o que aconteceria: eu seria esmagado e um chafariz de sangue espirraria nos passageiros que viessem atrás de mim? Seria prensado como nos desenhos animados e sairia achatado como uma panqueca pelo outro lado ? Ou haveria lá embaixo, do outro lado, um mundo inverso onde tudo seria o contrário do plano onde vivemos?

Nunca quis tirar a prova. Ficava na expectativa da chegada dos degraus à borda; um, dois, três, quatro degraus... e dois antes do meu, eu já pulava para a beirada na parte firme.

Só agora, depois de adulto, homem feito, é que consegui racionalizar o suficiente a situação para encarar o final de uma escada rolante.

Decidi superar meus medos e ir até o final. Permanecer no degrau até o último instante, até a borda segura, até  que o degrau metálico se encolha e escorregue suavemente por baixo daquela abertura dentada desencontrada.

Preferi enfrentar algo tão traumático com o máximo de discrição possível. Fui à noite a um shopping center, desses com longas e lentas escadas rolantes. Permaneci até o horário de fechamento, esperei saírem os espectadores das últimas sessões de cinema, me escondi no banheiro de onde ouvi os avisos finais para que todos deixassem o estabelecimento, confundi a atenção dos vigias e, com o shopping deserto, me postei diante da borda fixa de um daqueles aterrorizantes monstros mecânicos. Não sei bem porquê, escolhi a descida. Talvez para poder visualizar meu destino final.

Respirei fundo, me concentrei. Hoje eu vou até o final, até o último degrau. Sem tirar o pé. Nada pode acontecer.

Minha determinação, no entanto, foi interrompida por uma voz vindo lá do fundo do shopping. Um dos seguranças da noite me vira. "Ô, aí. Que que você faz aqui dentro ainda? Não pode ficar ninguém!", gritou.

Era agora ou nunca. Tinha que aproveitar minha decisão, minha coragem. Não poderia deixar para outro dia. Do local onde ele estava, a alguns corredores de distância, mesmo que corresse, provavelmente, daria tempo para minha descida toda antes que chegasse até mim. Dei um passo à frente e botei o pé no degrau que surgia por baixo do chão firme. Comecei a ser levado pela escada para baixo, para baixo, para baixo... Lá no final os degraus iam sumindo um a um por baixo do chão. Faltam quatro, três, dois, um...

*******************

Estalos repicavam pelo piso, do contato apressado da sola do sapato do vigia no reluzente granito cinza do shopping center. A esforçada corrida do obeso vigia não fora rápida o suficiente para impedir que o homem à beira da escada embarcasse nela. Era tarde. Estava a uns dez passos ainda e a cabeça do intruso já sumia no horizonte do segundo piso.

Sacou o rádio. "O Corrêa, tem um cara descendo pro primeiro de rolante. Pega ele aí embaixo que ele ficou aqui dentro depois de fechar. Copiou?". "

Quando finalmente chegou, ofegante, na beira da escada, no andar de cima, não encontrou nem rastro do último cliente. Nada.

Não demora nada e chega o Corrêa de braços abertos com cara de quem não entendeu nada. "Não passou ninguém por aqui", disse.

Deram de ombros e voltaram para suas respectivas rondas. "Fica de olho", disse o de cima. Se estivesse lá dentro, iriam encontrá-lo até o amanhecer.

Tudo estava quieto novamente. Apenas o rangido mecânico abafado das escadas rolantes quebrava o silêncio da madrugada. Algo parecido com um doloroso gemido.


Cly Reis

sábado, 29 de novembro de 2025

cotidianas #880 - Pílula Surrealista #61


"Eu não tô nem aí", dizia, irresponsavelmente. Aliás, frase que não pode ser menos irresponsável, pois dita justamente por aqueles que, como João, não faziam questão nenhuma de se comprometer com nada. 

E não que estivesse errado, afinal, não é com tudo ou com todos que se mereça o laço da aceitação. 

Acontece que João cresceu, e com os anos de vida veio também um maior auto-entendimento daquilo que ele mesmo dizia. Bem verdade que nunca deixou de dizer que não estava nem aí. Era quase como um vício, como um TOC, como um subterfúgio para momentos de escapismo necessários. Era-lhe prazeroso, na real.

A prática de repetir a frase se estendeu por toda a vida, e João, agora um senhor idoso respeitado, avô, aposentado, admirado por seus pares, dizia, mesmo que com a voz já sôfrega pela idade, a desdenhosa e leviana frase: "Eu não tô nem aí".

E sumiu. Nunca mais esteve nem ali e nem lá. Aprendeu, por fim e enfim, da forma mais definitiva, o poder das palavras que saíam da própria boca. As últimas.


Daniel Rodrigues


segunda-feira, 10 de novembro de 2025

cotidianas #878 - Mês da Consciência Negra - "Antirracismo"



Detalhe de obra sem título de Antonio Poteiro, déc. 60-2000
Ninguém fará eu perder a ternura
Como se os quatro besouros
Geração da geração
Gestação da liberdade
Voo de garça, seguro
Ninguém fará eu perder a doçura
Seiva de palma, plasma de coco
Pêndulo em extensão
Em extensivo mar – aberto
Cavala escamada em leito de areia
Ninguém me fará racista
Haste seca putrificada
Sem veias, sem sangue quente
Sem ritmo, de corpo, dura?
Jamais fará que em mim exista
Câncer tão dilacerado


*********************
"Antirracismo"
Beatriz Nascimento

sábado, 25 de outubro de 2025

cotidianas #877 - A Casa em Movimento

 



Pé ante pé
Desceu as escadas
Olhou na cozinha
Nada

Foi colocar o pé no corredor
que a voz sumiu

Um passo
uma batida pesada
Os dois olhos na porta da entrada

Curioso

Botou a cabeça pra fora da janela.
Ficou sem ela.



Cly Reis

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

cotidianas #876 - Novas Versões para Antigos Clássicos da Literatura #2 - "Metamorphosis"




Certa manhã, ao acordar de sonhos inquietos, Gregório Barata se viu metamorfoseado num... humano. 
Estava deitado sobre suas costas, que eram peludas como a de um macaco. Ao levantar um pouco
a cabeça, viu sua barriga roliça, lustrosa, lisa que se elevava alto quase cobrindo a visão da porta daquele porão onde se encontrava.
“O que aconteceu comigo?”, ele pensou.
Enquanto refletia sobre a situação em que se encontrava, viu um pequeno grupo de baratas saindo de uma fresta e subconscientemente entendeu que era sua família. Ouviu um “Oh!”, vindo de uma delas. Estranhamente entendia o que elas diziam mesmo naquela 'língua' de insetos. "O que você se tornou, Gregório!!!", exclamou a irmã aterrorizada!
Havia se transformado num humano! Logo eles, os humanos, que haviam provocado uma guerra nuclear deixando seu próprio habitat tão impróprio à vida que agora somente as baratas que resistiam às condições radioativas da Terra, habitavam sozinhas o planeta. "Que tipo de animal é capaz de acabar com o próprio lar, de exterminar a própria espécie?" pensou a irmã. E agora o irmão se tornara aquilo. Aquela espécie de animal.
“Bem...”, limtou-se a dizer Gregorio, plenamente consciente de que agora não fazia mais parte daquela espécie asquerosa.
Percebeu que não poderia de modo algum deixar que aqueles insetos vivessem. Quem era o ser superior ali? Teria de agir. Embora mais lento que os integrantes de sua família, agora era maior e suas atuais capacidades de movimento lhe ofereciam novas possibilidades. Com alguns passos gigantes alcançou o pai e a mãe que corriam tentando em vão encontrar alguma fresta, e com pisadas firmes, esmagou a ambos.
Restava a irmã que estava acuada em um canto. Naquela posição seria mais difícil acertá-la mas, por outro lado, ela parecia tão atônita, sem reação, que talvez até fosse mais fácil. Estava certo. Ainda que suplicando, "Não, Gregório, não!", não ofereceu nenhuma resistência quando o irmão, usando o dedão do pé, pressionando entre as duas paredes, a esmagou sem qualquer remorso.
Sentiu um bem-estar físico diferente de tudo o que já sentirá em sua vida anterior de inseto.
Limpou a gosma que os cadáveres dos familiares deixaram em seus pés e, revigorado com sua nova forma, dirigiu-se à porta do porão. Teria muito trabalho para exterminar todos aqueles insetos nojentos. Mas pensou que talvez, assim como acontecera com ele, outros também tivessem tido aquela metamorfose... Poderia ter ajuda no seu plano de extermínio e, quem sabe, com fêmeas, recriar a espécie humana.
Sim, era hora de agir. Tinha que dar o primeiro passo para refazer toda a glória da humanidade.
Saiu daquele porão. A porta foi fechada e finalmente se fez silêncio.



Cly Reis
livremente inspirado em "A Metamorfose",
de Franz Kafka


sábado, 11 de outubro de 2025

cotidianas #875 - Crianças

 



- Mãe, mãe, vem ver o bicho estranho que a gente achou lá na grama. - veio uma das crianças anunciando num misto de pavor e entusiasmo.

- Nem é bicho, - corrigiu a loirinha de rabo de cavalo que o seguia correndo. - É uma flor, idiota!

- Não fala assim com o amiguinho, Valentina.

- Não é nada! É tipo, uma coisa, um 'enseto'. Vem ver, mãe, vem. - insistiu o garoto tentando levantar a mãe pela mão.

- Ai, Rique, não me incomoda! Deixa a mamãe, deixa. A gente tá aqui conversando. Vai lá com a Valentina ver o bichinho. Deve ser só um insetinho, filho. Vai lá, vai.

- Mas mãe, é uma coisa estranha. É  diferente, é grande, tem umas antenas parece uns galhos, meio que brilha... - insistiu agora agarrando a mãe pela manga do casaco.

- Rique, para! Que coisa chata! - dessa vez dando um breve safanão no braço do menino.

O garoto, conformado e chateado, desistiu e saiu emburrado fazendo beiço e convocando a amiga a segui-lo.

- Ai, essas crianças. Às vezes a gente acaba meio que perdendo a paciência... - suspirou, justificando a reação mais brusca.

- Ah, às vezes nos enlouquecem. - concordou a outra.

As duas continuaram ali no banco do parquinho com sua habitual conversa trivial sobre comidas, roupas, novelas, seguro do carro e outras coisas corriqueiras.

Naquela noite, seus filhos e todas as outras crianças da vizinhança que estiveram na pracinha do bairro, estáticas, em pé, ao lado de suas camas, fitavam seus pais com olhar vazio e sem vida. Pareciam apenas aguardar alguma espécie de ordem.


Cly Reis 

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

cotidianas #874 - Pílula Surrealista #60

 

Não via a hora de chegar em casa e, enfim, descansar do dia corrido. Havia ainda de dar atenção aos filhos, fazer uma última reunião online, passear com o cachorro no quarteirão, tratar das contas com a esposa, preparar o lanche, comer o lanche, por as crianças para dormir, esperá-las se aquietarem, tomar banho, rezar pra Deus e... até que enfim! Dormir. Era tudo que precisava: dormir, repousar a cabeça no travesseiro.

Era tanto cansaço, que sentia que não era apenas uma cabeça a depositar na cama. Era o peso de muitas. Não deu outra: como ocorria todos os dias, era o último na casa a adormecer. Por isso, ninguém via as outras cabeças, que da sua brotavam como plantas adubadas em acelerado crescimento. Nem mesmo ele próprio, já absorvido pela sonolência. Eram umas sete, oito, além da sua, centralizada, em decúbito dorsal, num sono de boca aberta, ressonando de leve e continuamente. As outras, sobressalentes, menores que a original e de crâneos desproporcionais, como que malformadas, patógenas, purulentas, irrompiam das laterais, coco e testa. Algumas cabeças se mexiam, é bem verdade, virando os olhos avermelhados, num sono mais intranquilo (o que deviam estar sonhando?). Mas a maioria acompanhava-se na tranquilidade daquela merecida noite de repouso.

Depois, bem depois, as cabeças se recolhiam longe dos olhos da família e antes que seu dono percebesse. A alvorada surgiria resplandecente, e ele sustentaria, com a ajuda do seu Deus, tudo aquilo dentro de si.


Daniel Rodrigues


sábado, 13 de setembro de 2025

cotidianas #873 - O Condenado




A grade corrediça arrastou para o lado e o corredor se abriu à sua frente.
Era um longo caminho até sua cela. 
Com as mãos algemadas às costas, escoltado pelo carcereiro, o verme pulha canalha pusilânime percorreu aqueles não mais que 40 ou 50 metros sob vaias, piadas, xingamentos e ameaças das celas nas galerias laterais. Aquela distância parecia de quilômetros, aquele minuto, uma eternidade. A cabeça baixa não conseguia esconder os olhos vermelhos.
Ele, sempre tão valente, agora chorava como uma criança.
Finalmente pararam. 
A grade corrediça arrastou para o lado e a cela se abriu à sua frente.
O carcereiro retirou as algemas e, levando a mão às costas do patife safado escroto covarde, o empurrou para dentro do cubículo de mais ou menos 9, talvez 12 metros quadrados. Dos beliches,  dois outros presos, futuros parceiros de quarto, o encaravam com olhar de ódio, desejo, malícia, sede, ameaça.
Aquilo tudo parecia um pesadelo mas o pesadelo parecia muito real. Os olhos do condenado não conseguiam esconder o pavor.
Ele, antes tão machão, agora gritava como uma 'mulherzinha', como ele mesmo teria definido.
De repente acordou.
Tinha sido só um sonho mesmo!
Um sonho ruim.
Mas... aquela não era sua casa...
Ainda despertando, sem se situar bem, percebeu que era enlaçado por um braço.
Não era o de sua esposa.
Era um braço negro, cheio de pelos que o puxava suavemente de encontro a um corpo suado que repousava deitado às suas costas.
Quis gritar mas só emitiu uma espécie de grunhido abafado.
Sentiu um respiração quente no pescoço, ouviu um ronronar pertinho do ouvido e, do beliche de cima, recebeu uma bronca acompanhada de um palavrão reclamando do barulho àquela hora atrapalhando o sono dos outros.
Quis chorar mas engoliu o choro e, encolhido, apenas soluçou baixinho.
Aquela era apenas a primeira noite.
A noite parecia interminável, aqueles anos ali dentro seriam uma eternidade.


Cly Reis

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

cotidianas #872 - "Tu e Eu"

 



Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
En não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albônico.
Tu,fão.
Eu,fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu,piniquim.
Eu,ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu,multo.
Eu,carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu,cano.
Eu,clidiano.

Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu,tano.
Eu,femismo.

***********************

"Tu e Eu"
Luís Fernando Veríssimo

terça-feira, 12 de agosto de 2025

cotidianas #871 - A Varredeira

 





Todos os olhos em cima dele. Foi exatamente o que Tino percebeu assim que entrou na modesta mercearia do lugarejo. A indelicadeza não chegou mesmo a incomodá-lo uma vez que tinha para si ser aquilo apenas a reação inicial dos locais em relação ao morador novo na cidade. Era a novidade, afinal.

Deu um bom dia geral, não respondido por ninguém e seguiu para os corredores do estabelecimento, na verdade apenas dois, e começou a colocar coisas em seu cesto de compras. Pegou alguns itens que precisaria pelo menos para os primeiros dias na nova casa e dirigiu-se ao caixa. Uma velhota com cara de desconfiada, com muito má vontade, foi tirando os produtos da cesta de vime e os empacotado nos sacos de papel. Finalizou, anunciou o preço, recebeu o pagamento e antes que o cliente saísse, perguntou:

- O senhor é o novo morador da casa da estrada, não  é?

- Sim, sou eu mesmo, confirmou Tino   com um sorriso, não correspondido por sinal.

Os demais, um homem magro grisalho com um chapéu de palha, uma senhora de meia idade num surrado vestido azul, e um velho esquisito mascando fumo, se entreolharam de modo enigmático.

Sem saber como reagir ao silêncio cúmplice dos moradores, Tino comentou como complemento:

- É uma boa casa, uma bela casa... Pena é aquele monte folhas que caem da árvore da frente. Fica sempre daquele jeito? Ontem quando chegamos estava assim de altura ali na frente. A propósito, eu e minha esposa queríamos agradecer pela limpeza. Agradecer a quem tirou tudo aquilo de lá. Vocês saberiam me dizer quem foi? Pra eu dar, tipo, uma recompensa, uma diária, algo assim...

As pessoas se olharam novamente, agora de maneira ainda mais tensa.

- Saia daqui, saia... Vá, vá embora. - ordenou a velha do caixa um bastante alterada.

Embaraçado e não entendendo bem o que se passava, Tino simplesmente deixou a loja carregando suas mercadorias.


*************


"Varredeira?", quis confirmar Tino sem certeza de ter entendido bem a história e a alcunha da personagem.

- Exatamente. - confirmou o padre a quem encontrara na praça, por acaso, no dia seguinte à bizarra visita à quitanda local.

- Era a empregada de um casal que morou naquela casa, na sua casa. - continuou o pároco - Sempre que a frente da casa ficava cheia de folhas, ela varria e deixava tudo limpinho, perfeito, como se nenhuma folha tivesse caído. E quando a natureza insistia em cumprir seu ciclo de queda, de troca, ia lá ela de novo, pacientemente varrer tudo novamente e deixar a entrada da casa impecável. Não importava quantas vezes tivesse que fazer naquela estação.

- Então foi ela quem limpou? - precipitou-se o novo dono da casa - Eu teria o maior prazer em pagar a ela o serviço...

- Não, não. Impossível. - retrucou o padre.

- Por que? Ela não aceita dinheiro? Como poderia...?

- Não, não é nada disso. - interrompeu o sacerdote - Ela está morta. Enforcou-se exatamente naquele árvore. No carvalho da frente da casa.

Vendo a expressão de incredulidade do morador, padre João tratou de completar a história.

- Ao que se sabe ela tivera um... relacionamento, um caso com o patrão. Quando a esposa descobriu, ameaçou deixá-lo, e para evitar isso ele não só acabou o caso com a moça como, e  claro, a despediu. Não suportando a decepção, o desgosto, a perda do emprego, o término com o amante, tudo, na manhã seguinte à dispensa ela... bem... foi encontrada dependurada num galho de fronte à casa.

Tino estava estupefato. Ninguém havia comentado nada daquilo quando comprara o imóvel.

- Então foi por isso que aquelas pessoas estavam agindo daquela maneira comigo no mercado?

- São supersticiosos, entenda.

- Mas eu não tenho nada a ver com isso e, de todo modo, não fui eu que tirei as folhas. Por sinal, ainda não sei quem foi. Foi alguma 'brincadeira' de boas-vindas?

- Não, o caso é exatamente esse... Como eu disse, são supersticiosos...

- Mas o que então?

- Há uma lenda, uma crença, histórias... Dizem que, desde que morreu a Varredeira volta para limpar a frente do terreno quando há alguém morando lá. Que ela não permite que qualquer casal viva lá por causa do que aconteceu com ela. O que dizem é que atormenta os casais até que decidam ir embora E se não vão... ela...

- Mas isso é uma grandiosa bobagem!

- Eu também acho. - confirmou o padre constrangido - São coisas que o povo acredita. Coisas que falam por aí.

- De qualquer forma, vivo muito bem com a minha esposa e não tenho a menor intenção de sair de lá por causa de uma crendice absurda.


*****************


Diana estava estranha ultimamente. Às vezes a flagrava catatônica com o olhar parado fixando o nada. Dizia que andava distraída ultimamente. Outro dia, ao acordar, surpreendeu-se com a esposa parada com uma faca, em pé, ao lado da cama. Perguntada sobre o que fazia ali com aquilo na mão, limitou-se a responder que fora até o quarto para saber o que o marido ia querer para o almoço. Suas atitudes começaram a assustá-lo. Agora tinha acessos de fúria por coisas banais mas que passavam rapidamente, logo voltando a ser a doce esposa de antes. Certo dia, não a encontrou dentro da casa. A procurou no quarto, no pequeno ateliê, no porão, vasculhou toda a casa até que, ao passar pela sala de jantar, a avistou na rua, em frente à casa, sob a árvore. Varrendo folhas.


****************


Os arquivos municipais eram bastante pobres. De um modo geral seu conteúdo se resumia a documentos de posse, transferência, certidões, mapas, coisas de prefeitura. Havia alguma coisa que outra sobre eventos acontecidos na cidade como registros de antigas de inaugurações, bailes, quermesses, e ainda menos notícias sobre moradores. "Família Mello faz doação significativa para a paróquia", noticiava um jornal de quase 100 anos atrás, "Incêndio destrói galpão do Depósito Sul", contava outra edição mais recente, "Resgatada criança caída no poço da mina", dizia outra manchete. Mas dentre aquelas parcas trivialidades de cidade pequena eis que, "Tragédia: mulher é encontrada enforcada em frente à própria casa". E o corpo da notícia ainda completava, "esposa de engenheiro recém chegado à cidade...", ou seja, era outra, não se tratava da serviçal. E três anos depois: "Morte na casa da Estrada Velha", a notícia prosseguia, "Mary Gomez, esposa do médico Andres Gomez, foi encontrada enforcada, dependurada em uma corda na árvore localizado em frente à casa do casal. Indícios iniciais parecem sugerir suicídio mas as investigações devem ser aprofundadas nos próximos dias". E oito anos depois, "O Mistério da casa da árvore: nova morte por enforcamento no carvalho dianteiro à propriedade da Estrada Velha mexe com a imaginação da população e traz à tona crendices e antigas histórias". "A Lenda da Varredeira - a história da empregada desprezada que teria tirado a própria vida e que estaria assombrando a casa abandonada da Estrada Velha", relembrava de forma jocosa um colunista numa seção de curiosidades de uma edição mais recente, de dois anos antes da compra da propriedade pelo atual casal.

Tino não acreditava nessas coisas mas tinha que admitir que a sucessão de acontecimentos semelhantes, a coincidência, começava a mexer com sua cabeça.


****************


Era final de outono, as árvores quase nuas não deixavam dúvidas do período da estação. Era hora de trocar a cobertura da copas e as folhas que dariam lugar às novas se acumulavam no chão entre as ruas, na praça e em frente às casas. Exceto em frente à velha casa da estrada onde a calçada permanecia límpida, imaculada, perfeita. Em um largo galho do carvalho imponente que se projetava diante do casarão, o corpo de uma mulher jazia suspenso, balançando com o vento que antecipava o inverno.




Cly Reis 

terça-feira, 5 de agosto de 2025

"Easy Riders, Raging Bulls: Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’roll Salvou Hollywood", de Peter Biskind - ed. Intrínseca (2009)



por Márcio Pinheiro

"Os anos 70 foram, de fato, uma era de ouro, 'a última grande era' [...] Foi a última vez que Hollywood produziu um bloco de filmes arriscados e de alta qualidade - em vez de uma rara e solitária obra-prima -, que eram impulsionados por seus personagens e não pela trama, que desafiavam as convenções tradicionais da narrativa, que desafiavam a tirania da correção técnica, que quebravam os tabus da linguagem e do comportamento, que ousavam ter finais infelizes".
Peter Biskind

Foi o paraíso na Terra. Durante pouco mais de uma década os filmes que saiam de Hollywood surgiam na cabeça dos diretores. Eram eles – e só eles – que tinham direito de levar à tela o que bem entendessem. O início foi com "Bonnie & Clyde", lançado em 1967, e serviu para revelar uma geração que incluía Peter Bogdanovich, Hal Ashby, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg. Os anos loucos que essa turma deu as cartas estão em "Easy Riders, Raging Bulls: Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’roll Salvou Hollywood", livro do jornalista americano Peter Biskind com primorosa tradução de Ana Maria Bahiana.

Publicado originalmente há mais de 15 anos, o livro continua atual. É o mais detalhado e escabroso relato de como esse diretores – auxiliado por atores como Warren Beatty, Jack Nicholson, Peter Fonda – assumiram o controle da produção cinematográfica depois da falência dos grandes estúdios. A Nova Hollywood era ousada e atrevida. Tinha coragem para propor e realizar filmes com temas polêmicos – Máfia, Vietnã, suicídios, drogas, homossexualismo, serial killer – e dinheiro para gastar. O resultado se refletiria em obras como "O Poderoso Chefão", "Chinatown", "Tubarão", "Ensina-me a Viver", "Sem Destino" e "Touro Indomável"

O sonho acabaria no começo dos anos 80, com o megafracasso "O Portal do Paraiso", de Michael Cimino, filme que custou US$ 50 milhões e faturou apenas US$ 1,5 milhão. Os garotos de ouro entraram em desgraça e quase todos eles enfrentaram pesada tragédias pessoais. Mas nos 13 anos desta primavera eles ganharam muito dinheiro – e se divertiram muito.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

cotidianas #868 - Sonho Americano

 



Desligou a TV, levantou, caminhou pelo curto corredor e entrou no quarto. 

Provavelmente pegou alguma coisa no armário pois foi possível ouvir o rangido da porta e depois ela se fechando.

Saiu, guardou algo na cintura. Não deu para ver o que. A camiseta cobriu.

Saiu da casa. Nem se preocupou em fechar a porta.

Entrou no carro e deu a partida.

A televisão pode influenciar muito a cabeça de algumas pessoas...





Cly Reis

quinta-feira, 19 de junho de 2025

COTIDIANAS #867 - Especial Ivan Lins 80 Anos - "Novo Tempo"


 

No novo tempo
Apesar dos castigos
Estamos crescidos
Estamos atentos
Estamos mais vivos
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer

No novo tempo
Apesar dos perigos
Da força mais bruta
Da noite que assusta
Estamos na luta
Pra sobreviver
Pra sobreviver
Pra sobreviver

Pra que nossa esperança
Seja mais que vingança
Seja sempre um caminho
Que se deixa de herança

No novo tempo
Apesar dos castigos
De toda fadiga
De toda injustiça
Estamos na briga
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer

No novo tempo
Apesar dos perigos
De todos os pecados
De todos enganos
Estamos marcados
Pra sobreviver
Pra sobreviver
Pra sobreviver

Pra que nossa esperança
Seja mais que vingança
Seja sempre um caminho
Que se deixa de herança

No novo tempo
Apesar dos castigos
Estamos em cena
Estamos na rua
Quebrando as algemas
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer

No novo tempo
Apesar dos perigos
A gente se encontra
Cantando na praça
Fazendo pirraça
Pra sobreviver, ah
Pra sobreviver
Pra sobreviver

*******************

letra de "Novo Tempo"
de Ivan Lins e Vitor Martins

Assista:

Ivan Lins - "Novo Tempo" 
(Ao Vivo no Rock n' Rio 1985)


domingo, 1 de junho de 2025

cotidianas #865 - Os anjinhos

 



Pareciam um bando de abelhinhas aquelas crianças desembarcando do ônibus, pela agitação e pelo zunzunzum que faziam. Cada uma mais tagarela e serelepe que a outra, ainda excitadas pela novidade do passeio. Não que o museu de mineração da cidade vizinha fosse lá  grande coisa, mas como o mais longe que tinham ido até então tinha sido o parque municipal, na frente da igreja, a pequena excursão era algo quase de outro mundo.

- Estão agitados, hein. - comentei com o professor Paulo que coordenava a reentrada na escola.

- Ô!!! E como! - respondeu simulando uma fadiga e sorrindo.

- E como foi lá? - perguntei.

- Lá, tudo bem. O problema foi na estrada, já aqui perto, na entradinha da cidade. Um caminhão perdeu a direção, acho que os freios, não sei, e quase bateu no nosso ônibus.

- Nossa!!!

- Pois é. Se não fosse o Nestor ter feito lá uma manobra, um jeito que ele deu, estaríamos todos espalhados lá na estrada.

- E as crianças? - indaguei ainda impressionado.

- Nem perceberam! Estavam numa algazarra e quando o Nestor fez a manobra, disfarcei que tínhamos desviado de um animal ou algo do tipo.

- Que sorte, hein! Graças a Deus está todo mundo bem. - falei.

- Sorte, mesmo. - confirmou o professor afagando a cabeça da última criança que passava descendo do ônibus, conduzindo-a ao portão da escola - Bom, agora deixa eu entrar com eles que daqui a pouco os pais vem buscar.

- Ah, claro. Pode ir, professor. Eu já  vou indo. Já limpei o corredor como a diretora mandou, recolhi os brinquedos que estavam espalhados no pátio e guardei aquelas caixas no depósito.

- Tá bom, Zé. Vai lá. Nos vemos amanhã.

- Até, professor.

Botei minha bolsa sobre um dos ombros e peguei meu caminho. Era uns três quilômetros até em casa mas sempre fizera aquele caminho a pé. Gostava de ver as coisas, a prefeitura, a praça, a pontezxinha de madeira, as casas, cumprimentar o pessoal da cidade... Da escola pra minha casa dava uma meia hora. Passava a igreja, saía do centro velho, passava o riachinho, atravessava a estrada na entrada da cidade e já tava lá. Era perto de onde o professor contou que... Nem é bom pensar... Ai, Deus nos livre! Tanta criança.

Já estava perto. Passei a ponte do riacho, segui a trilhazinha, saí na estrada.

Vem um ônibus escolar. Bem parecido com o que tinha deixado as crianças lá há pouco tempo... No mesmo instante, lá de cima, emergindo de trás das árvores na curva, vem uma carreta, dessas de carga, longa. Ele vem muito rápido, muito rápido. Não vai conseguir parar. Parece que não consegue, não tem freios ou algo assim. Ela é preta como a morte.

Meu Deus!

O ônibus, o caminhão, as crianças... Não pode ser. Não pode ser.



Cly Reis 


quinta-feira, 29 de maio de 2025

"Kind of Blue – A História da Obra-Prima de Miles Davis", de Ashley Kahn - ed. Barracuda (2007)



por Márcio Pinheiro


"Use este livro como uma introdução, um guia de escuta, uma maneira de compreender que há muito mais nesses 40 minutos de grande jazz do que o ouvido é capaz de captar. Permita que este livro mostra a você que, às vezes, o que fala menos é o que mais tem a dizer."
Ashley Kahn

Foram apenas dois dias de gravações que resultaram em 45 minutos que resumem um dos pontos mais altos da história da música. O relato desse encontro histórico, que reuniu um grupo de sete instrumentistas comandados pelo trompetista Miles Davis, está nas 256 páginas do livro "Kind of Blue – A História da Obra-Prima de Miles Davis", de Ashley Kahn.

No dia 2 de março de 1959, o septeto entrou em uma velha igreja em Nova York que havia sido transformada em estúdio. Não tinham muita certeza sobre o que pretendiam gravar. O líder, Miles Davis - que completaria 99 anos no último dia 27 -  tinha algumas ideias, que foram ampliadas com os palpites dos saxofonistas John Coltrane, Cannonball Adderley e, principalmente, do pianista Bill Evans – os outros músicos eram o contrabaixista Paul Chambers, o baterista Jimmy Cobb e o pianista Wynton Kelly.

O trabalho de Kahn começa com um foco amplo, destacando a figura de Miles – sua infância sem traumas (ao contrário de muitos outros músicos de jazz), sua formação musical, sua proximidade com Charlie Parker e Dizzy Gillespie, seu envolvimento com drogas e sua capacidade em transitar por vários estilos musicais. Depois, o autor faz um ajuste de sintonia para se deter apenas ao que diz respeito a "Kind of Blue". Kahn mostra que é possível enxergar melhor o mundo do jazz apenas através de um detalhe.

É aí que o livro cresce, principalmente pela exaustiva pesquisa que esmiúça faixa a faixa, solo a solo, músico a músico, além de trazer comentários sobre o local e a técnica de gravação, a produção da foto da capa, a feitura do texto da contracapa e os comentários das pessoas envolvidas.

Obra perfeita, da concepção (com exceção de uma faixa, tocada duas vezes, tudo foi registrado no primeiro take, de maneira espontânea) ao lançamento, "Kind of Blue" até hoje surpreende quem ouve. Ou, como diz o autor logo nas primeiras páginas, é um álbum que simplesmente tem o poder de silenciar tudo ao seu redor.

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Ouça o disco "Kind of Blue"
Miles Davis

quinta-feira, 22 de maio de 2025

cotidianas #864 - Papel em Branco

 



Não adiantava.

A página continuava em branco. 

Por mais que olhasse para ela, imaginasse coisas, tentasse pontos de partida, gatilhos, ganchos, starts, nada lhe vinha à mente.

Nada.

Pra piorar, quando parecia que vinha algo, outra coisa lhe tirava a atenção e quebrava o raciocínio.

Uma buzina na rua, o maldito telefone, o gato pedindo comida.

Olhava agora de novo para a página. Concentrado. Compenetrado. Determinado.

Será que agora viria algo?

Levou os dedos às teclas...

...

...

Batiam na porta.

Que inferno!

Logo agora!

Levantou irritado e foi até a porta.

Abriu.

O que viu o deixou sem palavras.

Branco como um papel.

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"Papel em Branco"
Cly Reis

domingo, 11 de maio de 2025

cotidianas #863 - Especial Dia das Mães - "Mamma"




Vou fazer o meu melhor novamente
vou seguir meu caminho, mamma
Amanhã vou pegar um trem
Não tente me segurar
Eu quero colocar meu peito contra o vento
De leste a oeste, mais uma vez
Mamma
Dê-me sua benção agora


vou ficar à frente novamente
vou seguir meu caminho, mamma
Antes de me amarrar a uma cadeia
Antes de me fechar
tão grande que você deve esticar o seu peito
E segure a minha vida dentro de si mesmo novamente
Mamma
Dê-me sua benção agora


Eu quero te beijar seu rosto de novo
vou seguir meu caminho, mamma
Não se preocupe, não chore, não se queixam
Não tente me segurar
Quanto você quer que seu querido filho
Apegar-se a sua longa saia novamente
Oh, mamma
Dê-me sua benção agora

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tradução da letra da canção
"Mamma"
de Gilberto Gil

Ouça:

domingo, 20 de abril de 2025

cotidianas #861 - Eu Sou a Ressurreição

 




Pra baixo, você me põe pra baixo
Eu escuto você batendo na minha porta
E eu não consigo dormir a noite

Seu rosto não tem lugar
Nenhum lugar na minha casa
Eu preciso ficar sozinho

Não gaste suas palavras eu não preciso de nada de você
Eu não ligo pra onde você esteve ou o que você planeja fazer

Dá o fora, eu espero que você aprenda

Existe um tempo e um lugar pra tudo
Eu tenho que aprender isso

Relaxe porque você já era
Eu não poderia aguentar mais um segundo com sua companhia

Não gaste suas palavras eu não preciso de nada de você
Eu não ligo pra onde você esteve ou o que você planeja fazer

Apedreje-me, porque você não consegue ver?

Você é um sem lar e que ficaria melhor morto
Sua língua é muito grande
E não gosto de como ela suga e pronuncia
de forma incompreensível cada uma das minhas palavras

Eu sou a ressurreição e  eu sou a vida
Eu não poderia sempre me forçar a te odiar como eu gostaria

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tradução da letra da canção
"I'm the Resurrection"
da banda The Stone Roses

Ouça:

terça-feira, 8 de abril de 2025

cotidianas #860 - Meu Pobre English

 



Um gringo se engraçou pro meu lado. Um inglês rico.
Logo eu que não sei falar um ai em inglês.
(Aliás ai eu até sei)
Diz que "ai" é eu, né?
Só sei isso porque ele vive falando "Ailoviú".
É aiuantiú pra cá, aiquissiú pra lá e mais um monte dessas coisas que ele fala com aquela língua enrolada.
E eu não entendo é nada.
Pobrezinho! Gastando o inglês dele comigo a toa.
Ai...
Eu tento dizer pra ele que isso não vai dar certo, que nós somos muito diferentes.
'No uí tchu, não dá'. 'Uí dois is diferente'.
Mas ele não entende nada do que eu falo com o meu pobre inglês.





Cly

quarta-feira, 2 de abril de 2025

cotidianas #859 - Pílula Surrealista #59


 

De tanto jogar conversa fora, não as achou nunca mais.

Morre e não vê tudo, mas viu tudo antes de morrer.

Deus ajudou quem cedo madrugou, pois a noite nunca mais se fez dia.

Quem é vivo sempre aparece, embora tenham aparecido alguns mortos também.

Era só o que lhe faltava! Agora, completo, não precisa de mais nada.

Com a boca foi a Roma e lá virou-se de costas só para dizer: Amor.


Daniel Rodrigues