“CHAPELEIRO: Se você conhecesse o Tempo tão
bem quanto eu conheço você não falaria em gastá-lo, como uma coisa.
Ele é
alguém.
ALICE: Não sei o que você quer dizer.
CHAPELEIRO: É claro que você não sabe!
Eu
diria até mesmo que você nunca falou com o Tempo!
ALICE: Talvez não, mas sei que devo marcar
o tempo
quando aprendo música.”
trecho de “Alice no País das
Maravilhas”,
de Lewis Carroll
Depois de “Blow By Blow” do Jeff Beck, meu preferido, apresento pra
vocês mais um favoritíssimo da casa: “The Mad Hatter”, do pianista e tecladista
norte-americano Chick Corea. Como sempre, um pouquinho de história: em 1978,
aos 37 anos, Armando Anthony Corea já tinha uma longa estrada na música. Tocou
com os percussionistas Mongo Santamaria e Willie Bobo, com o flautista Herbie
Mann e com o sax tenor Stan Getz. Gravou seus primeiros discos solo na metade
dos anos 60 e mergulhou de cabeça na sonoridade free daqueles tempos.
Em 1968, foi convidado por Miles Davis a substituir Herbie Hancock em
sua banda. Participou dos seminais discos "In a Silent Way" e “Bitches Brew”.
Paralelamente, tinha os grupos Circle – com e sem o multiinstrumentista Anrhony
Braxton – e a primeira encarnação do Return to Forever, da qual participavam os
brasileiros Airto Moreira e Flora Purim, além de Joe Farrell e Stanley Clarke.
Após dois discos com esta formação, Corea foi com tudo pro fusion, trazendo para a banda, primeiro o guitarrista Bill Connors,
e depois descobrindo um jovem de 19 anos, Al Di Meola.
Neste tempo todo, Corea fazia projetos especiais para a gravadora ECM,
como discos de piano solo, duetos com o vibrafonista Gary Burton e trios com
Dave Holland e Barry Altschul. Em 1976, sentindo a necessidade de misturar a
linguagem acústica de seus discos da ECM com o fusion, muito em moda na época,
Corea fez uma trilogia de discos temáticos onde estas preocupações tomam a
forma de música: “The Leprechaun”, baseado nas histórias de duendes, e “My
Spanish Heart”, onde ele se debruça sobre a Espanha e seus sons, ambos de 76, e
“The Mad Hatter”, de 78. Na minha opinião, este terceiro é provavelmente o
trabalho em que Corea consegue mesclar as duas linguagens – e o acento erudito
com quinteto de cordas – com sucesso total, musicalmente falando.
Baseado no clássico livro de Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas", a chave para entender o disco está na capa com Corea vestido de
Chapeleiro Maluco. A viagem inicia aí. Em termos musicais, "The Mad
Hatter" começa com Corea pilotando seus teclados em “The Woods”. Com moogs, mini-moogs, sintetizadores,
pianos elétricos e outros bichos, ele consegue reproduzir os sons de uma
floresta, com sapos, grilos e insetos, dando uma prévia do que virá pela
frente, a mistura de clássico com moderno. “Tweedle Dee” segue na mesma trilha,
fazendo uso das cordas e dos sopros (três trompetes e um trombone), pode-se
verificar com clareza a influência de Bela Bártok em sua música. Na música
seguinte, “The Trial”, temos a primeira aparição da exímia cantora e
tecladista, além de mulher de Corea, Gayle Moran (que havia participado da
segunda formação da Mahavishnu Orchestra, ao lado de John McLaughlin e Jean-Luc
Ponty). No julgamento do Rei de Copas, retirado diretamente do livro de
Carroll, Gayle canta com acento lírico: “Who’ll
stole the tarts / Was it the king of Hearts?”.
O principal momento jazzístico do disco acontece com “Humpty Dumpty”,
uma preferida dos músicos de Porto Alegre. Com um quarteto básico de jazz,
Corea consegue performances extraordinárias de seus colegas Joe Farrell no sax
tenor, Eddie Gomez no baixo acústico e Steve Gadd na bateria. Em meio a todos
aqueles teclados, cordas e sopros, é interessante ouvir o contraste de um grupo
acústico tocando um hard-bop
clássico. Cada músico dá seu showzinho particular, mas preste atenção no som de
baixo de Gomez. Madeira pura!
O lado 1 do LP termina com “Prelude to Falling Alice”, onde o tema é
tocado ao piano e “Falling Alice”, quando o pianista e compositor usa de todo o
arsenal sonoro para contar a queda de Alice. Gayle Moran canta o tema
principal, acompanhada pelas cordas e pelos sopros. Nesta música, temos a
primeira aparição de Herbie Hancock no piano elétrico, fazendo a harmonia para
o solo de mini-moog de Corea. Neste
período, ele e Corea começam a gravar duos de pianos. Destaque também para o
sax tenor de Farrell, um talento subestimado do jazz. Como estamos no tempo do
LP, há um fechamento musical da história pra que as coisas comecem de novo no
lado 2.
Ao virar o disco, “Tweedle Dum” reprisa o tema de “Tweedle Dee” numa
espécie de introdução da melhor faixa do disco, “Dear Alice”. Com 13 min e 7
seg, a música é uma espécie de tour de
force de todos os envolvidos. Pra começar com Eddie Gomez fazendo a melodia
no baixo acústico e Corea fazendo pequenos comentários ao piano acústico.
Durante 2min e 46seg, o baixista conduz a música com seu solo, à medida que
Gadd vai entrando aos poucos com acentos rítmicos na bateria. Moran entra para
cantar o tema principal e aí temos Farrell brilhando no solo de flauta,
secondado pelo quinteto de cordas e pelos sopros. Depois, Chick mostra toda sua
destreza e musicalidade ao piano. Tudo isso com Gadd dando seu show à parte e
mostrando porque é um dos bateristas mais cultuados do mundo. Na época, ele deu
uma entrevista dizendo que pedia as partituras de piano de Corea e estudava em
casa antes de gravar. Esta preocupação deu resultado: em algumas passagens de
"Dear Alice", os dois instrumentos parecem uma coisa só. Esta música
sozinha valeria o disco inteiro, tamanha a musicalidade que Corea e seus
músicos atingem, sem falar no arranjo perfeito que contrapõe as cordas e os
sopros.
Para encerrar o disco, "The Mad Hatter Rhapsody" com Corea no
mini-moog e Hancock em sua segunda
aparição no piano elétrico. O encontro destas duas feras é sensacional.
Enquanto Corea sola, Hancock faz harmonias diferenciadas no Fender Rhodes.
Nesta faixa, Hancock consegue tirar Gadd da bateria e coloca seu fiel escudeiro
Harvey Mason, que dá um suingue todo especial à faixa. Depois que os dois
tecladistas demonstram toda a sua qualidade, vem um interlúdio com o tema
principal tocado pela flauta e pelos sopros. Claro que a latinidade não poderia
ficar de fora e uma passagem de uma salsa estilizada com teclados e Gadd no cowbell fazem a cama para o tema final
onde volta Gayle Moran para apoteose final. Um disco maravilhoso. Quem não tem,
procure nas lojas ou na internet.
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FAIXAS:
01. "The
Woods" – 4:22
02. "Tweedle
Dee" – 1:10
03. "The
Trial" – 1:43
04. "Humpty
Dumpty" – 6:27
05. "Prelude to
Falling Alice" – 1:19
06. "Falling
Alice" (Chick Corea/Gayle Moran) – 8:18
07. "Tweedle
Dum" – 2:54
08. "Dear
Alice" (Corea/Moran) – 13:06
09. "The Mad
Hatter Rhapsody" – 10:50
todas de Chick Corea, exceto
indicadas
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Baixe para ouvir:
por Paulo Moreira
nos envie alice no pais das maravilhas versão 1978 com michael jackson e diana ross dublado
ResponderExcluirChama-se "o Mágico Inesquecível". Não temos este filme.
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