Ela era uma lenda!
Praticamente desde o dia que um aluno pisava na Escola
Estadual de 1º Grau “Professor Edgar Luiz Schenider”, já ouvia falar daquela
figura. Para muitos, o fato de passar para a sétima série, era sinônimo de
pesadelo, pois nos dois últimos anos do fundamental daquele educandário as
aulas de português eram ministradas pela professora Berenice Coelho Brito, mais conhecida
conhecida como Berê.
Berê era uma negra alta, imponente, charmosa, de cabelo afro
cortado à NBA e altivez de rainha nagô. Sorriso largo, modos finos, olhar
profundo e língua afiada. Dirigia um Fusca azul, apelidado pelos alunos de
Trovão-Azul por causa de um seriado de TV da época. Maldade! Ressentimento!
Inveja! Sim, inveja porque aquela negra era uma espécie de sensação daquele
pequeno ‘coleginho’, como o chamávamos carinhosamente, uma vez que namorava um
italiano e aquilo, ali, numa escolinha daquelas era algo como ser uma estrela
de cinema. Sim, e ela era uma estrela!
A negra era um pesadelo para os galhofeiros, para os
preguiçosos, para os gazeadores de aula. Para começar, saudava sempre os menos
pontuais com um irônico “chegaste cedo para a aula de amanhã!”, emoldurado por
um sorriso repleto, amplo, cheio de dentes, que deixava o atrasadinho irremediavelmente
constrangido. Exigente e preciosista no tocante ao bom português e, em
especial, à sua aula, não admitia que conversinhas lhe interrompessem uma
explicação, na maioria das vezes calando o inconveniente apenas com um enorme e
sarcástico sorriso branco. Bom, quando o sorriso não bastava era obrigada a
fazer uma pequena e amigável advertência, mas em não sendo o suficiente,
apareciam suas famosas e temidas ‘cópias’. As cópias, aplicadas por essas
indisciplinas, por atrasos freqüentes, por reincidência de notas baixas, por
não apresentação de lições de casa, consistiam exatamente em reproduções de
próprio punho, de algum trecho de livro, de um capítulo, de algo dado em aula,
porém a serem feitas num número de vezes que aquele delinquente não esqueceria
tão facilmente. O corajoso até podia desafiar e não fazer as cópias, podia
repetir a façanha que o fizera ser alvo daquela tarefa, mas a não apresentação
das cópias solicitadas implicariam então no dobro da tarefa, e no dobro, e no
dobro, e no dobro... Muito severa? Não. Meramente método, vontade de ensinar,
de fazer aprender. Ao mesmo tempo que dava uma lição pela indisciplina, dava a
lição de português.
Na verdade, diga-se de passagem, era esse o objetivo da Berê:
o que queria mesmo era que aprendêssemos. Fazia todo o possível para isso, para
botar as coisas nas nossas cabeças utilizando todos os recursos que tinha e os métodos didáticos disponíveis para cada situação.
Leitura, assimilação, insistência, lições de casa, decoreba, repetição, etc. Não
importava. O importante era que aquilo entrasse em nossas cabeças. Lembro que
uma vez ela propôs um prêmio, que seria surpresa, para quem decorasse as 18
preposições e as falasse, como ela o fazia, extremamente rápido, quase como se
fosse uma palavra só. Tanto deu certo seu método, que eu sei as preposições até
hoje a ainda hoje as pronuncio no tropel tal como ela nos desafiou na época.
Quanto ao prêmio... ela nos enrolou, enrolou e não teve prêmio nenhum. O que
importava era que o objetivo, que era que aprendêssemos, estava cumprido. O
prêmio já estava sendo dado.
Muitos se revoltavam achando que a mulata os punia. Não era
punição. Era além de uma aula de português, uma aula de vida. Responsabilidades,
postura, respeito, ética, amor, valores, moral eram todas palavras que estavam intrínsecas
em cada ato, em cada aula, em cada palavra da Berê. Aquela mulher primava pela
educação. Não só a educação pedagógica, a educação da escola, a do sistema de
ensino, mas sim a educação que tanto faz falta hoje para uma geração que parece
que não teve limites. No primeiro dia de aula ela ao mesmo tempo que reforçava
o mito formado na escola, da professora rígida, ela o desfazia, colocando todos
os seus parâmetros e diretrizes e colocando que uma vez respeitados e cumpridos,
todos se entenderiam muito bem. E foi o que aconteceu comigo. Sempre a admirei
e a respeitei e, por conseguinte, sempre nos entendemos muito bem.
Ela costumava premiar boas notas, bons comportamentos, bons
desempenhos com estrelinhas. Sim, estrelinhas! Desenhadas nas provas, no
caderno, nos trabalhos. É,... na sétima
série, com 14, 15 anos, devo admitir, que aquilo fazia-nos parecer um tanto infantis,
ridículos, tolos, de certa forma; mas no fundo, a bem da verdade, deixava-nos
orgulhosos pois era, na prática, o maior elogio que aquela mestra podia nos
fazer. Talvez todas essas palavras não sejam suficientes para expressar o quanto
essa mulher foi importante para mim. Talvez palavras não sejam a melhor
maneira. Acho que o mais justo seria com estrelas.
Cinco estrelinhas para você, Berê.
Cly Reis
Perfeito texto! Nossa, me levou lá para os anos de Schneider, anos com a Berê, com vocês, amigos queridos. Muitas saudades ❤️
ResponderExcluirPerfeito!ahhhh...que saudades do Schneider!
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