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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

cotidianas #255 - A Execução Pública


O sol recém começara a entrar pelas grades da janela. Ögner já estava acordado. Aliás, nem dormira. Não que estivesse preocupado, qualquer aflição não lhe serviria de nada àquelas alturas. Só não teve sono e se teve, preferiu estar desperto, ligado ao mundo naquelas últimas horas que lhe restavam.
Não tardou muito ouviu o ruído enferrujado das trancas deslizando na pesada porta de ferro. Era o padre, acompanhado por dois guardas que lhe davam escolta.
- Bom dia, meu filho.
- Bom dia, padre - respondeu já inclinando-se e beijando a mão do clérigo.
- Gostaria de se confessar?
- Agradeço, padre, mas creio que não me acrescentaria em nada. Não me arrependo mais do que fiz do que de algo que não tenha feito - afirmou Ögner, convicto.
Percebendo que a posição era pensada e definitiva do detento quanto à contrição, mas aproveitando que o preso mencionara arrependimento, tentou apelar para um último recurso:
- Ainda há tempo de mudar o que foi feito - sugeriu, o sacerdote, deixando em suspenso a solução.
- Fico feliz com seu interesse, mas não há nada a mudar. Eu fiz o que achava que devia fazer. Apenas ouvi meu coração.
- Mas como teve coragem de apresentar aquilo para o rei? Foi a coisa mais...  - demorou para encontrar a definição que procurava - mais... bizarra que já escutei. Sei que é sua obra, filho, mas Sua Majestade lhe encomendou apenas uma sinfonia e não uma miscelânea de barulhos, ruídos, coisas inaudíveis... Aquilo foi um insulto.
- Lamento que não Sua Majestade não tenha gostado. Aliás lamento que não tenha gostado a ponto de tirar minha vida, mas o que fiz foi uma apenas o que ele me pediu. O fiz, no entanto, à minha maneira e, sendo assim, não abro mão da minha arte. Um dia a reconhecerão. Sei que não estarei neste mundo para ver, mas sei que reconhecerão.
O homem de Deus desistira de argumentar. Apenas orou brevemente junto com o condenado, deu-lhe a bênção final e pediu a um dos sentinelas que lhe abrisse a porta da cela, com o qual saiu acompanhado.
Ögner que voltara as costas para a porta pronto para retornar ao seu catre, surpreendeu-se ao ouvir uma voz o chamando:
- Senhor...
Era o outro guarda.
- Sim?  - respondeu o músico.
- Só queria lhe dizer que eu estava no Salão Real ontem à noite e... - hesitou o soldado.
- E?
- Aquilo foi a coisa mais linda que eu já ouvi na minha vida. - sorriu para o compositor e abaixou os olhos, um tanto constrangido, como se tivesse dito algo extremamente tolo.
Em seguida fechou a porta e passou as trancas.
O músico ouviu o giro da chave e as correntes batendo.
Ögner deitou-se então no modesto catre de palha olhando para o teto. Não conseguiu evitar um leve sorriso.
Lá fora, se ouvia o barulho dos serrotes e martelos preparando o cadafalso.


Cly Reis

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