Confesso
que tenho andado enciumada. Na verdade, puta da cara, mesmo.
Minha
irmã sempre foi mais presente no mundo literário do que eu. Já escreveu muitos
livros e foi personagem de tantos outros. Fico enciumada porque ela tem algo
que eu não tenho: o mistério do desconhecido. E é justamente esse mistério que
desperta em vocês, humanos, a curiosidade sobre ela.
Agora
me digam, como eu, que estou com vocês por anos, que me apresento dura e reta
por tanto tempo… Como eu, pobre coitada trabalhadora sem reconhecimento, vou
competir com o mistério do desconhecido? A morte é agradável porque vocês fazem
dela o que quiserem. A morte é
particular. É de cada um. Humanos pegam suas expectativas e a pintam do modo
mais conveniente possível.
Vejam
a ironia! Se a morte não faz sentido, essa falta de razão é venerada em poemas.
Se eu não faço sentido, sou, no máximo, almejada de palavrões e atolada de
culpas. Eu carrego a culpa dos erros de vocês. A morte carrega a redenção
desses enganos. E contra isso, não posso competir.
Aí,
vocês perguntam: Se somos irmãs, quem é a mais velha? Não existe resposta no
nosso caso. A morte e a vida fazem parte da mesma moeda. Completamos-nos e nos
opomos numa falta de sentido que até faz sentido, se vocês pararem para
pensar. Fato é que, geralmente, me porto
como a irmã mais nova e inconsequente. Enquanto a morte é languida, com
tentáculos que se entrelaçam de um jeito que tudo parece fazer sentido em sua
falta de sentido, eu, pobre Vida, me embaralho em nós que só servem para
produzir mais nós.
A
morte tem hora e data para chegar. “Era a hora dela”, vocês dizem. “Estava na
hora dele partir”, vocês consolam. A morte tem uma agenda impecável. Eu tenho,
no máximo, um caderninho de anotações. Eu sou caótica, confusa, juvenil e não
faço o menor sentido. Aceitem isso.
Não
estou dizendo que a morte faz sentido. Também ela se perde, leva muito cedo,
leva muito tarde… Mas aí está a diferença entre nós duas. Eu assumo minha falta
de critério, de padrão. Mas minha irmã, não. Ela acha que sempre está com
razão. Ela julga sempre fazer as coisas na hora certa e é por isso que chega
sem avisar, sem dar sinal, levando embora quem ela acha que deve.
Eu ajo
diferente.
A
construção. Pra mim, queridos, a construção é mais importante do que qualquer
resultado. Não o destino, não as consequências, não o fim. O que realmente é
importante é o caminho, é a ação, é o meio. Sei que buscar sentido nas coisas é
uma característica dos humanos. Mas, frequentemente, vocês fazem isso olhando somente
a ponta da história! Viver não é alcançar, atingir, concretizar. É tudo que
você faz para chegar até esses três verbos.
Para
ser bem sincera, acho petulante quando minha irmã narra sobre vidas humanas que
já acabaram. Como se, só a Morte pudesse dar sentido à existência delas. Como
se, só depois de mortas, o que fizeram em vida valesse a pena ser contado. Fico
frustrada quando obras só ganham importância depois que seus artistas já não me
pertencem. A morte, gente, não glorifica ninguém. Morrer é muito fácil. Viver é
que é difícil. O nascimento e o parar do coração não passam de pontos de
partida e de chegada. O meio é que é penoso. Por isso, eu queria dizer: Somos
todos culpados e inocentes nesse
construir.
Sabem?
Humanos não são vítimas da vida.
São sócios.
de Luan Pires
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