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sábado, 14 de dezembro de 2013

cotidianas #259 - Assinado: Vida



Confesso que tenho andado enciumada. Na verdade, puta da cara, mesmo.
Minha irmã sempre foi mais presente no mundo literário do que eu. Já escreveu muitos livros e foi personagem de tantos outros. Fico enciumada porque ela tem algo que eu não tenho: o mistério do desconhecido. E é justamente esse mistério que desperta em vocês, humanos, a curiosidade sobre ela.
Agora me digam, como eu, que estou com vocês por anos, que me apresento dura e reta por tanto tempo… Como eu, pobre coitada trabalhadora sem reconhecimento, vou competir com o mistério do desconhecido? A morte é agradável porque vocês fazem dela o que quiserem.  A morte é particular. É de cada um. Humanos pegam suas expectativas e a pintam do modo mais conveniente possível.
Vejam a ironia! Se a morte não faz sentido, essa falta de razão é venerada em poemas. Se eu não faço sentido, sou, no máximo, almejada de palavrões e atolada de culpas. Eu carrego a culpa dos erros de vocês. A morte carrega a redenção desses enganos. E contra isso, não posso competir.
Aí, vocês perguntam: Se somos irmãs, quem é a mais velha? Não existe resposta no nosso caso. A morte e a vida fazem parte da mesma moeda. Completamos-nos e nos opomos numa falta de sentido que até faz sentido, se vocês pararem para pensar.  Fato é que, geralmente, me porto como a irmã mais nova e inconsequente. Enquanto a morte é languida, com tentáculos que se entrelaçam de um jeito que tudo parece fazer sentido em sua falta de sentido, eu, pobre Vida, me embaralho em nós que só servem para produzir mais nós.
A morte tem hora e data para chegar. “Era a hora dela”, vocês dizem. “Estava na hora dele partir”, vocês consolam. A morte tem uma agenda impecável. Eu tenho, no máximo, um caderninho de anotações. Eu sou caótica, confusa, juvenil e não faço o menor sentido. Aceitem isso.
Não estou dizendo que a morte faz sentido. Também ela se perde, leva muito cedo, leva muito tarde… Mas aí está a diferença entre nós duas. Eu assumo minha falta de critério, de padrão. Mas minha irmã, não. Ela acha que sempre está com razão. Ela julga sempre fazer as coisas na hora certa e é por isso que chega sem avisar, sem dar sinal, levando embora quem ela acha que deve.
Eu ajo diferente.
A construção. Pra mim, queridos, a construção é mais importante do que qualquer resultado. Não o destino, não as consequências, não o fim. O que realmente é importante é o caminho, é a ação, é o meio. Sei que buscar sentido nas coisas é uma característica dos humanos. Mas, frequentemente, vocês fazem isso olhando somente a ponta da história! Viver não é alcançar, atingir, concretizar. É tudo que você faz para chegar até esses três verbos.
Para ser bem sincera, acho petulante quando minha irmã narra sobre vidas humanas que já acabaram. Como se, só a Morte pudesse dar sentido à existência delas. Como se, só depois de mortas, o que fizeram em vida valesse a pena ser contado. Fico frustrada quando obras só ganham importância depois que seus artistas já não me pertencem. A morte, gente, não glorifica ninguém. Morrer é muito fácil. Viver é que é difícil. O nascimento e o parar do coração não passam de pontos de partida e de chegada. O meio é que é penoso. Por isso, eu queria dizer: Somos todos  culpados e inocentes nesse construir.
Sabem? Humanos não são vítimas da vida.
São sócios.



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