Pôs o fone no gancho e sorriu para a
mulher que acabara de entrar no escritório.
- Trouxe um café – disse a esposa
com um sorriso no rosto – Negócios?
- Ah... um cliente. Uma entrega de um
lote. Só isso – respondeu parecendo um tanto embaraçado.
- Ah, entendo – disse colocando a
bandeja sobre a mesa de trabalho do marido.
- Pensei que você só fosse voltar
mais tarde – observou o homem.
- Pois é. Desocupei mais cedo do que
imaginava – explicou – Mas não quero atrapalhar o seu trabalho.
Só aproveitei que a Leonice ia trazer o café e vim ver se estava
tudo bem. Está, não?
- O que?
- Tudo bem.
- Claro, claro. Sim, está tudo bem.
Obrigado. Está tudo bem.
****
- Mais ou menos. Estou com saudade.
Com um sorriso brejeiro no rosto, a
moça, não mais que uma adolescente, conversava excitada ao
telefone.
- Quando é que você vem aqui me ver?
Faz tempo que a gente não faz... aquilo – pronunciou esta última
palavra numa espécia de risinho sugestivo.
A garota falava, visivelmente excitada,
enrolando os dedos no fio do aparelho e mordendo o lábio inferior.
- Ah, dá um jeito – continuou ela
agora um pouco contrariada.
Silenciou por alguns instantes ouvindo
a pessoa do outro lado da linha e retomou em tom de cobrança:
- Tá bom. Tá bom... Então pelo menos
diz que me ama. Não, não... diz... Ãhnn??? O que??? Como ass...? Que
conversa é essa?
Ainda olhou indignada para o fone como
se olhasse para a cara da pessoa do outro lado.
- Desgraçado! Desligou na minha cara.
****
- Tá bom, Leonice, deixa que eu levo o
café.
- Mas o seu Flávio pediu pra eu levar
– tentou insistir a empregada.
- Mas deixa que eu levo. Deixa eu fazer
uma surpresa pra ele.
Caminhando em direção à biblioteca
que o marido costumava usar como escritório para encaminhar assuntos
da empresa, do corredor, mesmo sem querer, pôde escutar a voz quase
sussurrada que vinha lá de dentro.
- Assim que eu puder. Acho que a minha
mulher anda meio desconfiada. Tá em cima de mim, ultimamente.
Aquela última frase fez a esposa,
Irene, com a bandeja de café nas mãos, no final do corredor, aí
sim, prestar atenção na conversa, tentando aproximar-se mais,
silenciosamente, de modo a não ser vista pela porta aberta da
biblioteca.
*****
Flávio saiu da cozinha assoviando
corredor afora em direção à biblioteca.
Tinha assuntos da empresa para cuidar,
entregas, lotes, mas aquilo tudo podia esperar. Aproveitaria que a
esposa não estava em casa e trataria de outra coisa.
Sentou à escrivaninha, olhou para o
aparelho à sua frente e tirou o fone do gancho.
****
Irene estranhou ver o marido tão
animado, assoviando pelos corredores. Por certo fechara algum negócio
importante. Por vezes o marido não ia ao escritório e ficava em
casa fazendo ligações da biblioteca.
O cheiro de café invadia a casa
inteira. Por certo a Leonice havia passado um novinho.
Aproveitaria o imprevisto de sua
consulta médica adiada e faria uma surpresa ao marido que por certo
não esperaria por ela em casa àquela hora. Levaria ela mesmo o café
para ele.
****
- A Jéssica mandou o senhor ligar pra
ela. Nem sei porque que eu ainda faço essas coisas pro senhor. A
Dona Irene vai me matar.
- Você faz isso por mim porque você é
um anjo, Leonice – disse o homem pegando a cabeça da empregada
entre as mãos e tascando-lhe um beijo na testa.
- Para com essas coisa, Seu Flávio –
disse a serviçal fingindo irritação.
- Vai, me leva um cafá na biblioteca,
Leo. Vou aproveitar que a Irene vai demorar e ligar pra tua sobrinha.
- Seu Flávio... - fez ainda a
empregada em tom de desaprovação antes que ele tomasse o corredor
assoviando.
****
Há tempos que já estava um tanto
desconfiada do marido e agora aquela ligação misteriosa.
Até já imaginava quem pudesse ser.
Aquela piranhazinha da sobrinha da Leonice. Estivera com a tia, um
dia desses, ajudando na faxina. Se era isso, descobriria. Se fora o
marido quem fizera a última chamada, descobriria para quem foi pela
rediscagem automática. Tinha quase certeza de que havia sido a
última ligação pois pouco depois que deixara o café e saíra da
biblioteca, vira o marido sair apressadamente logo em seguida.
****
- Não... Não. Não assim pelo
telefone... Tá bom. Eu te am… - e avistando um reflexo no piso, entre
a porta da biblioteca e o corredor, mudou repentinamente de tom e de
assunto.
- Aham... Sim, claro. Como não?
Perfeitamente. Até mais tarde. Obrigado.
O homem atrás da escrivaninha desligou
o telefone e sorriu para a esposa que entrava no escritório com uma
bandeja de café.
****
Dona Leonice já não era mais nenhuma
menina.
Era de confiança do casal, mais do Seu
Flávio, de quem cuidara desde pequeninho e por quem tinha um afeto
todo especial. Não podia àquelas alturas da vida se dar ao luxo de
perder o emprego por causa dos namoricos da sobrinha.
É verdade que ela mesma, Leonice,
criara aquela situação dando o número da garota para o patrão.
Mas acabaria com aquilo imediatamente.
Tirou do gancho o aparelho de telefone
da cozinha e discou.
Começou a chamar.
****
- Na minha cara! - exclamou em voz alta
para si mesma.
Por que seria que o novo amante, mais
velho, a deixara falando sozinha com o telefone na mão?
Por certo não fora por vontade
própria. Se mostrara tão atencioso desde que se conheceram no dia
em que foi ajudar a tia na faxina na casa dona patroa, a Dona Irene.
Não se incomodou nem um pouco quando
recebeu a ligação do homem casado. A tia fora quem dera o número.
Na verdade mal sabia o coroa que tinha autorizado a tia a fazê-lo
caso ele pedisse.
Mas e agora aquele tratamento...
Não podia retornar a ligação para a
casa dele. Não seria prudente. Ligaria para a tia e saberia o que
estaria se passando. Se a barra estava limpa. Pegou o celular de
dentro da mochila, deslizou a tela, localizou Leonice e... chamando.
****
Perturbado pelo susto, Flávio deixou
de lado os assuntos da empresa que tinha para resolver. Permaneceu
alguns instantes ainda sentado à cadeira rotatória da biblioteca,
pensando no que faria, e por fim levantou-se e dirigiu-se com decisão
ao pátio.
Acabaria com aquela história naquele
momento.
Ligaria do celular para a amantezinha e
poria fim àquela aventura juvenil.
Sacou o aparelho do bolso e procurou
“contato sem nome”. Era este.
- Está chamando... – fez questão de
dizer para si mesmo.
****
Irene abriu a porta do quarto contíguo
à biblioteca, de onde viu Flávio sair decidido, a passos largos,
pouco depois de ter-lhe deixado o café, e retornou à mesa do
marido. Sentou na confortável cadeira giratória, pegou o telefone e
apertou REDISCAR.
Estava chamando.
****
- Alô.
Cly Reis
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