Curta no Facebook

segunda-feira, 21 de julho de 2014

cotidianas #310 - O Presente


capa comemorativa do álbum "White Light / White Heat"
do Velvet Underground, para formato cassete
concebida por um fã conhecido como eidee
Waldo Jeffers alcançara seu limite.
Era agora meio de agosto, o que significa que ele estava separado de Marsha a mais de dois meses.
Dois meses, e tudo o que ele tinha pra mostrar eram três cartas com orelhas e duas ligações de longa-distância extremamente caras.
Verdade, quando ela terminou o colegial e voltou para Wisconsin, e ele pra Locust, Pennsylvania, ela teve que jurar que manteria uma fidelidade incorruptível.
Ela marcará encontros ocasionais, mas só por mera distração.
Ela permanecerá fiel.

Mas ultimamente Waldo começou a se preocupar.
Teve problemas para dormir à noite e quando conseguiu, teve sonhos horríveis.
Ele fica acordado na cama à noite rodando e virando de um lado pro outro buscando proteção embaixo de seu edredom, lágrimas jorrando em seus olhos conforme ele imaginava Marsha, quebrando seu juramento de não beber e ao afago tranquilizador de algum troglodita, finalmente submetendo-se às carícias finais de um sexo entorpecedor, era mais do que a mente humana poderia suportar.
Visões da traição de Marsha o assombravam.
Fantasias diurnas de abandono sexual permeavam seus pensamentos.
E o ponto era que eles não entenderiam como ela realmente era.
Ele, Waldo, só, entendia isso.
Ele intuitivamente entendeu cada “cantinho” da sua psique.
Ele a fez sorrir.
Ela precisou dele, e ele não estava lá (Ahwww...).

A ideia lhe veio na quinta-feira antes do Desfile de Máscaras ser agendado para acontecer.
Ele tinha acabado de aparar a grama dos Edelsons por um dólar e cinquenta e tinha verificado a caixa postal para ver se havia ao menos uma palavra de Marsha.
Não havia nada a não ser uma carta-circular da Amalgamated Aluminum Company of America inquirindo-o a respeito de suas necessidades.
Ao menos se importaram o suficiente para escrever.

Era uma companhia de Nova York.
Pode-se chegar a qualquer lugar por correspondência.
Então isso o fez perceber.
Ele não tinha dinheiro suficiente para ir a Wisconsin numa roupa aceitável, é verdade, mas porque não enviar-se pelo correio?
Seria incrivelmente simples.
Enviaria a si mesmo num embrulho pelo correio, entrega especial.
No dia seguinte, Waldo foi ao supermercado para comprar o equipamento necessário.
Comprou fita adesiva, uma pistola de grampo e uma caixa de papelão de tamanho médio apropriado para uma pessoa de seu porte.
Ele descobriu que, com o mínimo de bagagem, poderia viajar perfeitamente confortável.
Algumas aberturas, um pouco de água, talvez algum aperitivo para a noite, e seria provavelmente tão bom quanto um passeio turístico.

Sexta-feira pela tarde, Waldo estava pronto.
Estava perfeitamente empacotado e o carteiro concordou em apanhá-lo às 3 horas.
Ele marcou o pacote como "Frágil" e, enquanto ele estava lá dentro sentado, enroscado, descansando no forro de espuma de borracha, ele tinha tudo bem planejado.
Tentou visualizar o olhar espantado e feliz no rosto de Marsha quando ela abrisse a porta e visse o pacote, daria gorjeta ao entregador.
E então abriria e finalmente veria Waldo em pessoa.
Ela o beijaria e então talvez eles pudessem assistir a um filme.
Se ele tivesse pensado nisso antes.
De repente, mãos brutas seguraram seu pacote e ele sentiu ser puxado pra cima.
Foi jogado com um baque dentro de um caminhão e se foi.

Marsha Bronson tinha acabado de arrumar o cabelo.
Tinha sido um final de semana muito difícil.
Ela teve que se lembrar de não beber tanto.
Bill tinha sido gentil de qualquer forma.
Depois que terminou ele teve que dizer que ainda a respeitava e, depois de tudo, era certamente a maneira natural, e mesmo assim, não, ele não a amava, mas sentiu uma afeição por ela.
E, depois, eles eram adultos crescidos.
Ah, o que Bill poderia ensinar a Waldo - mas isso parecia ser a muitos anos atrás.

Sheila Klein, sua amiga, chegou pela porta de tela da varanda e foi pra cozinha.
"Meu Deus, a coisa lá fora está absolutamente temperamental."
"Ach, sei o que quer dizer, me sinto repulsiva!"
Marsha apertou o cinto de seu robe de algodão com a borda exterior de seda.
Sheila friccionou o dedo sobre alguns grãos de sal na mesa da cozinha, lambeu o dedo e fez uma careta.
"Creio que eu deveria pegar esses grãos de sal mas", enrugando o nariz, "eles me dão ânsia de vômito"
Marsha começou a dar tapinhas embaixo do queixo, uma prática que ela viu na televisão. "Deus, nem fale nisso."
Ela se levantou da mesa e foi até a pia onde pegou um frasco de vitaminas rosa e azul.
"Quer um? Era pra ser melhor que um bife", então tentou tocar seus joelhos.
"Acho que eu nunca mais vou tocar num daiquiri outra vez".
Ela levantou e sentou, dessa vez mais próxima da pequena mesa onde estava o telefone.
"Talvez Bill ligue", respondendo ao olhar que Sheila lhe deu.
Sheila mordiscou uma cutícula.
"Depois da noite passada, eu pensei que talvez você fosse sincera com ele."
"Sei o que quer dizer. Meu Deus, ele parecia um polvo. Mãos por toda parte."
Ela gesticulou, levantando a os braços para cima em defesa.
"A coisa é que, depois de um tempo, você se cansa de lutar com ele, entende, e depois de tudo eu realmente não fiz nada sexta e sábado, então eu meio que devia isso a ele. Você sabe o que quero dizer."
Ela começou a se coçar.
Sheila estava rindo com a mão tampando a boca.
"Vou te dizer, eu senti a mesma coisa e mesmo depois de um tempo", aqui ela se curvou num sussurro, "Eu queria isso!"
Agora ela estava rindo bem alto.

Foi aí que o Sr. Jameson dos Correios de Clarence Darrow tocou a campainha da ampla casa ornada com estuque colorido.
Quando Marsha Bronson abriu a porta ele a ajudou a carregar o pacote para dentro.
Ele tinha esse recibo amarelo e outro verde assinado junto com os quinze centavos de gorjeta que Marsha havia pegado na pequena carteira bege de sua mãe que estava num esconderijo.
"O que você acha que é?", perguntou Sheila.
Marsha ficou de pé com os braços cruzados atrás das costas.
Olhou fixamente para a caixa marrom no meio do quarto. "Eu não sei."
Dentro do pacote, Waldo revirava-se de excitação em ouvir as vozes abafadas.
Sheila arranhou sua unha na fita adesiva percorrendo-a até o centro da caixa.
"Porque você não olha o endereço do destinatário e vê de quem é?”
Waldo sentiu seu coração batendo.
Ele podia sentir a vibração dos passos.
Seria em breve.
Marsha andou em volta da caixa e leu a etiqueta com a tinta borrada.
"Ah Deus, é de Waldo!"
"Que babaca!", disse Sheila.
Waldo tremia com a expectativa.
"Bem, talvez você deva abrir", disse Sheila.
Ambas tentaram erguer as abas grampeadas.
"Ah, merda!", disse Marsha, grunhindo, "Ele deve ter lacrado com pregos."
Elas puxaram os grampos de novo.
"Meu Deus, precisa de uma broca pra abrir essa coisa!"
Elas puxaram de novo.
"Não se pode apertar tanto."
As duas continuavam de pé, respirando pesadamente.
"Porque você não pega uma tesoura?", disse Sheila.
Marsha correu pra cozinha, mas tudo o que conseguiu encontrar foi uma pequena tesoura de costura.
Então se lembrou de que seu pai mantinha uma coleção de ferramentas no porão.
Ela correu escada abaixo, e quando voltou carregava um enorme cortador com lâmina de metal na mão.
"Isso foi o melhor que eu consegui encontrar."
Estava bastante ofegante.
"Agora, você corta. Eu acho que morrer."
Ela afundou num grande sofá macio e expirou ruidosamente.
Sheila tentou abrir uma brecha entre a fita adesiva e a extremidade do grampo do cartão, mas a lâmina era muito grande e não havia espaço suficiente no quarto.
"Deus amaldiçoou essa coisa!", ela disse, sentindo-se bastante irritada, sorrindo depois.
"Tive uma ideia."
"O quê?", disse Marsha.
"Apenas olhe", disse Sheila, tocando com o dedo em sua cabeça.
Dentro do pacote, Waldo estava tão transtornado com a excitação que mal conseguia respirar.
Sua pele pinicava com o calor, e ele podia sentir seu coração batendo na garganta.
Seria em breve.
Sheila postou-se completamente reta e deu a volta até o outro lado do pacote.
Então dobrou os joelhos para baixo, agarrou o cortador por ambos os punhos, respirou profundamente, e mergulhou a longa lâmina através do meio do pacote, através da fita adesiva, através do cartão, através do forro e (thud!) bem no meio da cabeça de Waldo Jeffers, que se rompeu instantaneamente, formando pequenos e harmoniosos arcos em vermelho a pulsarem suavemente no sol da manhã.

************************
O Presente
(John Cale/ Lou Reed)
(tradução com colaboração de Carolina Milanez)

Ouça:
The Velvet Underground - "The Gift"

Nenhum comentário:

Postar um comentário