A pergunta meramente
retórica lançada ao ar, na verdade não esperava resposta da
pequena multidão aglomerada no pátio da escola. Ela seria dada pelo
próprio inquiridor, aquele menino magricela, ali, em pé, naquele
modesto palanque montado para as celebrações do Dia do Exército. Ele mesmo responderia à interrogação que propusera com um
simplório, porém pomposo verso que decorara incansavelmente por
mais de um mês para aquela ocasião.
Desde que fora
incumbido de declamar o poemeto em homenagem ao Marechal Luís Alves
de Lima e Silva, o pequeno Paulo Roberto dos Reis, orgulhoso da
tarefa a si atribuída, cuidou de não decepcionar quando o grande
momento chegasse. Para isso, não mediu esforços e tratou de ler e
reler o pequeno poema tantas vezes quanto fosse necessário até
tê-lo perfeitamente gravado na mente. Lia em voz alta em qualquer
lugar, no quarto na sala, na cozinha. Depois, já sem necessitar mais
lê-lo, de tanto que o repetira, o declamava naturalmente, de modo a
certificar-se que o pequeno texto permanecia lá onde o deixara,
gravado.
Agrupava, antes de
dormir, os muitos irmãos para simular uma plateia tal como teria na
escola e declamava para eles com ímpeto e empolgação:
- Caxias! Quem foi
Caxias?
E os irmãos aguardavam
ansiosos pelo prosseguimento do breve discurso
E o jovem Paulo
prosseguia com uma exaltação em forma de resposta:
-“Salve o Duque de
Caxias
Alma forte e varonil
Que com sua honra e sua
espada
Defendeu nosso Brasil”.
Ao que os 8
espectadores, amontoados no pequeno quarto que dividiam na modesta
casa na Rua Liberdade, em Porto Alegre, aplaudiam entusiasmados,
orgulhosos do irmão que dali a alguns dias seria a grande atração
do evento da data militar.
Repetia tanto aquele
versinho, quase que automaticamente, que os próprios irmãos já o
tinham na ponta da língua. Era no café da manhã, no caminho para o
colégio, na sala de aula, no banho, na hora de dormir... era tanto
que, àquelas alturas, os próprios irmãos já torciam para que o
dia chegasse de uma vez para que aquela ladainha terminasse logo.
E então o grande dia
chegou!
Outros eventos
antecederam a apresentação do garoto, que pela importância e
significado, seria a atração principal. Um
encerramento majestoso para um dia histórico para a escola.
Embora tivesse o texto
mais do que decorado, o menino Paulo Roberto ainda o repetia para si
mesmo, segundos antes de subir no pequeno palco montado para o
evento, “Salve o Duque de Caxias, alma forte e varonil...”.
Chamado, subiu os três degraus que elevavam a plataforma do chão,
ainda balbuciando, “... que com sua honra e sua espada, defendeu
nosso Brasil”, e então viu-se no centro do palco diante de todos
os colegas e professores que aguardavam curiosos e ansiosos pela
grande homenagem ao Patrono do Exército Brasileiro.
Se o tempo de
preparação e ensaio havia se mostrado suficiente para que o jovem
Paulo Roberto tivesse domínio do texto, infelizmente não foi tão
bem utilizado para que aprendesse a dominar os próprios nervos e, se
alguém na plateia não sabia a resposta e a continuação do verso,
ficou sem saber.
- Caxias! Quem foi
Caxias?
Foi a única frase que
o Paulinho disse antes de cair no choro e descer a escadinha e sair
correndo do palco deixando todos os espectadores atônitos.
O silêncio tomou conta
do pátio da escola e professores e alunos apenas se entreolhavam
boquiabertos.
E a comemoração do
dia do Exército acabou sem sua atração de fundo e o menino
Paulinho sem seu momento de celebridade.
Ou não...
Se foi traumático na
época, se o garoto deixou de ir à escola por uma semana, se se
escondia dos colegas por vergonha e aguentava suas zombarias, hoje
meu tio Paulinho, figura queridíssima, homem sempre jovial e folgazão, conta com a graça e bom humor
que lhe são peculiares o episódio, sempre que nós sobrinhos, mesmo já tendo ouvido o caso incontáveis vezes, o solicitamos.
Fazendo
questão de reforçar bem a entonação da frase, toma uma pose altiva, emposta a voz e encena como se estivesse no palanque da escola há muitos anos atrás, repetindo a frase que o derrubara do ponto mais alto onde, por poucos instantes teve o prazer de sentir-se naquele dia:
- Caxias! Quem foi
Caxias?
E mesmo já tendo
ouvido aquilo, milhares de vezes, caímos na risada.
Cly Reis
Que show. Só fui lembrando à medida que tu contava. Esse tio Paulinho...
ResponderExcluirA mãe também conta muito esse 'causo'.
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