Jorge Benjor animando a festa no palco do Circo Voador |
Mais um daqueles shows que te marcam. Eu, que já havia assistido ao
mestre Jorge Ben ou Benjor por volta de 1995, aceitei de
pronto o convite de minha mãe para revê-lo um dia depois de pousar no Rio de
Janeiro para umas curtas férias. Leocádia, que nunca o vira, engrossou o coro
do “sim”. E lá estávamos nós: com a luxuosa, agradável e principalmente animada
companhia de minha mãe, em pleno Circo Voador. Lotado, o local presenciou uma
eletrizante apresentação, com Benjor e sua Banda do Zé Pretinho tocando os
sucessos que sempre levantam a galera mas, além disso, executando uma série de
clássicos, daqueles escondidos dentro de sua maravilhosa discografia, o que,
para um apaixonado por sua obra como eu (principalmente a dos anos 60 e 70),
foi algo de pura surpresa e emoção.
E como não se tocar com um show que já começa com a benção a Ogum/São
Jorge, de quem o cantor e compositor é filho e xará? “Jorge de Capadócia” abre
os trabalhos no terreiro. Com a graça recebida, é hora de começar o show de
fato. E não podia ser mais entusiasmante, pois entra, em seguida, a música que
dá nome ao competentíssimo grupo, o qual estava dedicado a “animar a festa” de
verdade. Tal qual a primeira Banda do Zé Pretinho e reduzida daquela que vi nos
anos 90 – quando contava com backing
vocals, mais percussões e outra guitarra –, a formação agora tinha Lory,
exímio no piano e teclados; Lucas Real, pulsante na bateria (posicionada ao
lado do próprio Benjor e não atrás dele, pra ver a importância do ritmo da
batida); Jean, no sax e flauta; Marlon, impecável no trombone; “Messiê” Nenê,
eterno na percussão – e na empolgação! – e o mestre Dadi, também da formação
original da Banda e de quem a palavra “baixo” já é um sinônimo. Mais com menos,
pois além da qualidade dos músicos, os arranjos, quando não aqueles conhecidos,
se adequaram perfeitamente às melodias. Isso ficou evidente principalmente nas
mais “obscuras” do repertório, como o medley
reggae com “Take it Easy My Brother Charlie”, “Bebete Vãobora” e, pra matar
do coração um diletante benjoriano
como eu, "Zumbi".
Entre as famosas, “Ive Brussel”, “Fio Maravilha”, “País tropical/Spyro
Gyro” e “O dia em que o sol declarou seu amor pela terra”. Impossível ficar
parado. A linda “Santa Clara Clareou” emendou, como de costume, com “Zazuêra”. Benjor
recuperou – e aí está mais um dos ganhos da banda enxuta e afinada – o arranjo
que fizera como no seu memorável disco "10 Anos Depois", de 1973, quando junta
a “mutante” “A Minha Menina” com “Crioula” e “Cadê Teresa". Semelhante ele
fez quando tocou outros dois pout-pourris
"Por Causa de Você, Menina/ Chove Chuva/ Mas que Nada" e a sequência
de “Que Pena” com a fantástica "O telefone tocou novamente” (toque do meu
celular) e, pra desmontar a pessoa de vez, “Que Nega é Essa”.
As surpresas não parariam por aí. Do aclamado "A Tábua de Esmeralda",
de 1974, não foi apenas o sucesso “Os alquimistas estão chegando” – que teve,
inclusive, direito a uma parte com versos em francês. Querido pelo próprio
compositor, o disco teve várias faixas tocadas, como “Eu Vou Torcer”,
“Magnólia”, “Menina Mulher da Pele Preta”, a já citada “Zumbi” e, melhor ainda,
o psycho-samba-funk “O Homem da
Gravata Florida”. A relação sentimental de Benjor com seu cancioneiro estava
evidente neste set-list, pois além
dessas ele ainda sacou a lúdica “O Circo Chegou” (do disco “Ben”, de 1971) e,
pra arrebatar de vez, uma enfurecida versão de outro de seus clássicos:
“Umbabarauma”, música que tem um dos melhores riffs da história (seja do rock ou da MPB). Com a devida potência
dada pelo baterista Lucas e o baixo reforço do baixo de um “novo baiano” como
Dadi, o Babulina mandou ver num samba-rock pesado de dar vergonha em muito
roqueiro. Espetacular! Momento do show que não sabia se sambava, assistia, chorava
ou dava uma de headbanger – podia
escolher qualquer reação que todas se justificavam.
Leocádia e eu no Circo Voador
curtindo o showzaço de Jorge Benjor
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Benjor pediu uma paradinha de cinco minutos para recuperar o ar
(afinal, mesmo em ótima forma, já passa dos setentinha), tempo muito bem aproveitado
pelo pianista Lory, que executou solo Tom Jobim (“Passarim”), Stevie Wonder (“Isn’t She Lovely”) e outra bem bonita também mas que não identifiquei. Depois
de baixar um pouco os ânimos com as já mencionadas “O circo chegou” e “Eu vou
torcer”, sambas melodiosos, a animação voltou de vez na segunda parte do
espetáculo. Teve até homenagens ao “síndico” Tim Maia, tanto no cover de “Do
Leme ao Pontal”, dos grandes sucessos do amigo e parceiro, quanto em
“W/Brasil”, responsável por trazer de volta Benjor nos anos 90 na qual que,
quando a galera cantava “Tim Maia”,
Benjor completava com: “Tá lá em cima!” e
com “Tá no céu!”. Dos 90 também teve “Alcahol”, que convenientemente veio
na sequência de “Os Alquimistas...”.
A imortal “Taj Majal”, numa versão bem parecida com a de "África Brasil", de 1976 (em que Dadi e Nenê integravam o banda), pôs tudo mundo pra
sacolejar. Porém, antes foram chamadas ao palco, como já é de tradição nos
shows de Benjor, dezenas de moças da plateia para a execução de “Gostosa” (“Gostosa/ Ela é gostosa/ O problema é que
ela mora muito longe/ Bem que minha mãe avisou/ Bem que minha mãe avisou...”).
Uma verdadeira bagunça divertida, que quase pôs o roadie à loucura de tanta mulher que subiu no palco. Mas tudo era
festa, pois o clima era de verdadeira comunhão e alegria em torno da música.
Energia total.
Como disse no início, foi daqueles shows que se sai com o corpo sacudido
e a alma lavada. Um privilégio rever este, que é um dos músicos mais originais
da música moderna. Um cara capaz de fundir com a maior naturalidade samba,
rock, baião, funk, jongo, reggae, xote, jazz e rodos os ritmos afro-latinos que
se possa imaginar. Sua música é a tradução do que, nos anos 70, o festival de
jazz de Montreux esperava da música contemporânea. 20 anos depois, pude, numa
ocasião tão especial, comprovar que ele continua sendo o maior performer do Brasil e que, sim, ele um “bandleader” e respeitado não só na sua
casa e por seus “amigos e camaradinhas”, mas todos que, como eu, o amam e o
admiram. E tem como não respeitar? Mais de 70 e mandando ver em duas horas de
show com todo aquele suingue e vivacidade? Não é pra qualquer um. Longa vida ao
Babulina. Salve, simpatia! Salve, Benjor!
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