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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

cotidianas #404 - "O Cara do Carro ao Lado" ou "Esse Mundo é Pequeno"



Naquela noite, enquanto vestia-se, escutando mais um sonzinho antes de sair pro aniversário da Lurdinha, lembrava daquela manhã quando no sinal vermelho, no trânsito, com os dois vidros do carro abertos, batia cabeça escutando seu CD do Thraumatism quando um carro parou ao lado e o cara de dentro dele, a muito custo, por conta do som alto, conseguira chamar sua atenção.
- Cara, cara!
Baixando o volume apressadamente, perguntou ainda:
- O que?
- Esse som que tu tá ouvindo? Que que é? - quis saber o vizinho de sial vermelho.
- Ah! É Thraumatism. A música é "Only Darkness".
- Puxa, cara! Bom pra caralho! Grava pra mim? - e inclinou-se para o banco do carona procurando alguma coisa de uma bolsa ou pasta.
- Cara, o sinal já vai abrir.
-'Guenta aí... - pediu ainda antes de erguer-se no assento com uma embalagem de CD virgem na mão -Era pra copiar uns arquivos no trabalho mas foda-se. - disse já jogando o envelope pela janela dentro do carro do outro.
- Tá mas...?
- Não esquenta, a gente se encontra por aqui. Eu sempre faço esse caminho. - sorriu - A gente se topa num sinal desses da vida. - e arrancou.
Mas não se toparam.
Gravou o CD, afinal de contas não era todo dia que encontrava alguém que curtisse Thraumatism. Levava a gravação sempre no carro para entregar ao estranho quando o encontrasse, ficava sempre atento aos carros pretos daquele modelo, desacelerava naquele semáforo para quando chegasse nele estivesse fechado, parava na mesma faixa, mais ou menos na mesma posição que daquela vez, mas nada. Passaram-se dias, meses e nada.
Acabou de vestir-se, esperou a música acabar, desligou o aparelho de som e lembrou do estranho. Pensou no CD que desde então carregava na pasta do trabalho. Despertou do pensamento e voltando a atenção agora para o compromisso que tinha naquela noite, elevou a voz para que a esposa pudesse ouvi-lo:
- Vamos, meu bem?
- Só um minutinho. Já tô acabando. - respondeu ela lá de dentro do banheiro, onde dava os últimos retoques na maquiagem.
Ficou parado por um instante no meio do quarto enquanto a esposa terminava. Como que tendo resolvido algo, foi até sua pasta, pegou o envelope do CD e colocou no bolso interno do casaco. Vai que o cara seja amigo da Lurdinha.
- Podemos ir agora, querido. - anunciou a esposa saindo do banheiro e dando de cara com o marido com ar distraído e um sorriso no rosto - Que que você tá rindo sozinho?
- Nada, nada. Só uma coisa que eu tava lembrando. Vamos.
"Esse mundo é pequeno", ainda pensou antes de apagar a luz e fechar a porta de casa.


Cly Reis


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