A arte emancipadora de Frida Kahlo
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Cartaz da exposição. |
Havia lamentado profundamente não ter tido condições de ver
a exposição de
Frida Kahlo em São Paulo, no Tomie Ohtake, no final do ano
passado. Passado o mês de novembro, quando havia me programado junto com
Leocádia para tal, não houve mais oportunidade e a temporada paulista da mostra
se encerrara. Mas por essas coincidências da vida, voltamos ao Rio de Janeiro
em março e que estava lá? A mesma exposição, desta vez na Caixa Cultural. Mesmo
curta a viagem, não só foi programação certa como foi a primeira assim que
pusemos os pés na Cidade Maravilhosa novamente.
E as expectativas se cumpriram todas. Lá estávamos nós dois
acompanhados de
Cly Reis, numa ocasião rara e especial. Além de expor obras
significativas da carreira de Frida, também criou um contexto de diálogo entre
as várias outras artistas mexicanas contemporâneas a ela e, mais que isso, suas
seguidoras. Muito bem montada, a exposição intercalou obras dela e de suas
parceiras de estrada com temas e recortes bastante específicos, fazendo com
que, mesmo não sendo grande o número de obras da própria Frida, estas se
conjugassem tão bem com o restante que ficou bem distribuído. Esse cuidado da
curadoria se fez evidente, pois ficou nítido o trato com os temas (“Corpo
Feminino”, “Romance, Maternidade e Família”, “Territórios da Criação”, “Reinos
Mágicos”, “Fascinação”, “Identidade Encenada”), bem como seus aprofundamentos.
Superou em muito outra exposição sobre Frida Kahlo que vimos em 2014 no
MON, em
Curitiba, o qual trazia apenas fotos da coleção particular dela. Embora tenha
cumprido o importante papel de ser a primeira mostra da artista no Brasil,
abrindo portas para uma como esta recente, sua concepção e proposta deixaram
bastante a desejar, um pouco pela simplificação dos recortes temáticos, um
pouco pela carência de material produzido por ela, mesmo que somente em
fotografia como se propunha.
Destaco, entre outras coisas, o surrealismo de tons
quiméricos de Leonora Carrington e Lola Álvarez Bravo, a luz densa de Maria Izquierdo
e o clima esfíngico de Bridget Tichenor. Afora, obviamente, a comovente e forte
obra da própria Frida. É impressionante ver ao vivo a arte de artistas ícones
da história, e a mexicana está entre esse seleto time. Acima de tudo, para além
da pincelada rigorosa e consciente, conclusa e introspectiva, incisiva, remete
ao traço dos mestres surrealistas
Dalí,
De Chirico e Chagal, principalmente
pelo trato especial da luz, marcada e demarcada pelo inconsciente.
Entretanto, acima de tudo, gera-se um desconforto
intransponível. Isso porque a apreciação de sua obra (vide o óleo sobre tela “A
noiva que se espanta ao ver a vida aberta”, 1943, o óleo sobre masonite “Frutos
da terra”, 1938, e os impressionantes autorretratos) se depreendem um sentimento
de irresolução, haja vista a conjunção perturbadora de elementos simbólicos e
do íntimo de Frida. Ela os põe a nu – mas, igualmente, desnuda-se a sua forma. A
sexualidade e o entendimento desta, que passa pelo prazer carnal – e a
dialética proibição/liberdade –, pelo milagre da concepção – fator exclusivo da
liberdade feminina ao qual Frida fora “proibida” devido aos problemas de saúde
– e, num espectro maior, a liberdade de existência, mesmo que esta seja além da
realidade, privada à maioria das mulheres e enfrentada através da arte.
Mais do que a confirmação de uma grande artista, ficou
evidente e se faz conhecido mais um dos papeis importantes de Frida Kahlo: o de
servir de espelho para um grupo de talentosas mulheres, as quais, em maioria,
descobriram em si justamente este talento por conta desse movimento
emancipador. Além de representar a mulher no fechado meio da arte, de abrir
portas para a arte latino-americana no mundo (foi a primeira latina a expor nos
Estados Unidos), acima de tudo, Frida tipificou a mulher moderna, se menos que
isso, ao menos o desejo tácito e genuíno da identidade.
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A Trama Feminina da Arte
Cly Reis
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Os "cabeças" do ClyBlog encontrando-se na exposição no Rio de Janeiro. |
Praticamente a "cúpula" do ClyBlog esteve presente na exposição
"Frida Kahlo - Conexões Entre Mulheres Surrealistas no México". Em recente visita de meu irmão e co-editor do
ClyBlog,
Daniel Rodrigues, e minha cunhada e também colaboradora do blog,
Leocádia Costa, tivemos a oportunidade de pegar um dos últimos dias da exposição no Centro Cultural da Caixa. E que sorte que tivemos de ver uma exposição rica e significativa da artista e de sua linguagem proposta, além da oportunidade de conhecer outras contemporâneas de
Frida Kahlo, tão qualificadas e expressivas quanto ela e que muito raramente chegam ao nosso conhecimento. A mostra traz obras de alto grau de complexidade surreal da artista em destaque, suas frequentes referências e homenagens ao marido, também artista plástico, Diego Rivera, instigantes naturezas-mortas (ou naturezas vivas como elas chamavam), colagens e explorações anatômicas abordando em alguns casos sua frustração pela perda de um bebê que esperava e seus tradicionais e altamente expressivos autorretratos sempre altamente impactantes pelo cenário, pela indumentária, pela cor ou pela sugestão surrealista e invariavelmente de um apuro técnico admirável.
Ao contrário de algumas exposições onde o 'complemento' ao destaque principal é mais um enchimento para disfarçar a pobreza ou escassez de material do grande nome, do chamariz do evento, neste caso as obras das outras artistas apresentadas eram de valor quase tão grande quanto o de Frida e muitas mesmo chegaram a me impressionar bastante como Bridget Ticenor com sua versatilidade, e o surrealismo vivo e perturbador de Leonora Carrington. Já no trecho final da exposição é interessantíssima, reforçando essa rede de amigas artistas e mútuas colaboradoras, uma pequena seção apresentando fotos de cada uma destas personagens sendo algumas delas fotografadas pelas próprias colegas apresentando assim não somente a face retratada mas também o olhar de quem a captou em relação a outra artista.
Em uma época de justa e necessária reafirmação de valores femininos, nada melhor do que uma exposição com essa qualidade e esse valor para reforçar, ressaltar, não deixar esquecer o valor da mulher em todos os âmbitos da sociedade e neste caso, especialmente no artístico, não deixando dúvidas sobre suas incomensurável capacidade, sensibilidade e força criativa.
Por aqui a exposição já foi embora e agora é Brasília que, desde ontem recebe os trabalhos dessa riquíssima trama de relações artísticas entre mulheres que, sem dúvida, já mostravam-se à frente de seu tempo.
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exposição "Frida Kahlo - Conexões Entre Mulheres Surrealistas no México"
Centro Cultural Caixa /Rio de Janeiro
Abaixo algumas imagens da exposição:
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Autorretrato, marca registrada de Frida,
um dos muitos que integram a coleção. |
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Outro autorretrato, desta vez com tranças. |
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No detalhe de "Autorrretrato com tranças", o apuro técnico e
o perfeccionismo da pintura de Frida Kahlo. |
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Macacos compondo o cenário surreal de
outro autorretrato de Frida. |
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"Diego em meu pensamento" é apenas uma das inúmeras
menções ao marido em sua obra. |
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A "Natureza Viva" de Maria Izquierdo. |
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A natureza morte de Frida "A noiva que se espenata ao ver a vida aberta"
cheia de simbologias e interpretações. |
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Nova referência ao marido Diego Rivera |
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Retratos dela e do marido, Diego, pela própria Frida. |
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Aqui é Frida na visão de Diego. |
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O trauma pela perda do bebê retratado
em "Frida e o aborto". |
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Trabalho de Frida com colagem |
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Os irmãos blogueiros discutindo sobre uma das obras da exposicção. |
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Detalhe da obra em discussão, "Três mulheres com corvos"
de Leonora Carrington |
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Outro trabalho de Leonora Carrington |
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O perturbador e inquietante trabalho
"Os encarcerados", de Bridget Tichenor |
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"Orplied" de Leonora Carrington, de 1955 |
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"O quarto de mistérios" de Bridget Tichenor |
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"Piedade para Judas", óleo sobre tela de Alice Rahon |
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Mais um de Tchenor: "Líderes". |
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Reproduções das indumentárias utilizadas
por Frida nos autorretratos. |
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Detalhe do manequim |
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Na seção de fotos, Frida captada por
Nicolas Murray em Nova York. |
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Foto extremamente plástica e inspirada
de Lola álvarez Bravo, "O rapto". |
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Maria Izquierdo fotografada por Lola Álavarez Bravo. |
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E a própria Lola registrando sua própria imagem |
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Selfie na exposição.
(da esq. para a dir.) Cly, Leo e Daniel, com Frida ao fundo. |
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