As gargalhadas cessaram e depois daquele suspiro tradicional de fim de assunto, sem dar tempo para que aquele silêncio muitas vezes incômodo chegasse a reinar, Arthur soltou a pergunta que tanto lhe inquietava e que estava entalada em sua garganta desde que chegara ali naquela manhã:
̶ Por que você me convidou?
O outro homem, George, cuja maneira como interrompeu o gole da caipirinha fazia demonstrar certa surpresa, embora devesse saber que o questionamento viria a acontecer em algum momento, apressou-se em responder:
Encare como uma forma de me redimir. Uma maneira de selar a paz. ̶ disse em George em tom amistoso enquanto atiçava um pouco mais o fogo na churrasqueira. Àquelas alturas o delicioso cheiro da carne na grelha já começava a exalar tentadoramente.
Ainda desconfiado, Arthur acrescentou:
̶ Mas depois de tudo aquilo? Você quase me matou...
̶ É, eu sei, eu exagerei. Eu exagero às vezes. Mas é que aquela mulher me enlouquecia, sabe? Eu morria de ciúmes dela. Achei que vocês estivessem tendo um caso e... ̶ interrompeu-se desacelerando a fala ̶ Olha, me desculpa por aquele dia com a arma. Eu estava fora de mim. Tudo bem?
̶ Tudo bem. – confirmou um tanto receoso.
̶ E de mais a mais a Laura já é passado. Vamos comemorar nossa renovada amizade. ̶ propôs levantando o copo.
Arthur também ergueu o seu. Não totalmente convencido, procurou não deixar margem de dúvida quanto à atitude do, até então, desafeto.
̶ Mas como seu deu essa mudança?
̶ Do que? – quis saber George fingindo de desentendido.
̶ Do cara que invadiu minha casa com uma arma pra me matar para o que me convida para um churrasco à beira da piscina num domingo?
̶ Ah, sim. – sorriu – Grande parte da explicação você viu comigo no supermercado...
̶ A loira?
̶ Pois é. Aquela mulher me fez esquecer a Laura. E, diga-se de passagem, é um belo motivo, não? Pode falar, pode falar: não é um mulherão?
̶ É, é uma bela mulher. ̶ confirmou o outro.
O dono da casa riu satisfeito, ambos deram mais um gole em suas bebidas e foi novamente o convidado quem quebrou o silêncio:
̶ Mas e a Laura?
̶ A Laura? Ah, acabei com ela. Quero dizer,... acabamos. ̶ explicou-se rindo ̶ Terminamos. Não dava mais. Não tinha confiança nela. Não foi só com você, sabe? Eu nunca tinha certeza se ela estava sendo fiel, se estava falando a verdade. Chegou uma hora que eu disse “chega”. Dei um fim.
̶ E ela onde está agora? – quis saber Arthur cercando-se de todas as garantias.
̶ Ah, deve estar com a mãe no interior ou viajando pela Ásia, pra Índia, pra esses lugares aí. Sempre foi louca por essas coisas exóticas, essas coisas tipo hindu, hare-krishna, shiva, não sabia? – fez esta última pergunta virando um pedaço de carne na churrasqueira.
̶ Não. Não sabia. – respondeu agora já começando a ficar um pouco mais convencido.
̶ Uma pena. – acrescentou o ex-marido – Tivemos momentos felizes. Era uma bela mulher. Muito gostosa. Acho que na verdade só fiquei tanto tempo com ela por causa daquele rabo. Muito rabo. Muita carne. Meu Deus, aquilo vai ser difícil de esquecer. Era muito gostosa, né? – pedindo agora a confirmação do convidado.
̶ Imagina. Não vou falar essas coisas da sua mulher...
̶ Ih, que nada. Pode falar. Nem é mais minha mulher. E pelo que você viu comigo no supermercado, você acha mesmo que eu estou me importando com a Laura agora?
Depois de uma breve hesitação, Arthur riu e finalmente confirmou:
̶ É, era muito gostosa mesmo. – mas flagrando-se no erro, tentou corrigir – Mas nem sei por que estamos falando dela no passado, como se estivesse...
̶ É só jeito de falar. Ela deve estar meditando com uma pedrinha colada na testa montada num belo elefante indiano daqueles cheios de mãozinhas nesse momento.
Os dois riram e desta vez foi George quem se encarregou de encaminhar o assunto pós-descontração:
̶ Mas me diz uma coisa, cá entre nós. Pode falar que não tem problema. Só de curiosidade: tu comia a Laura?
̶ Que que é isso, George?
̶ Não, não. Pode falar. Tranquilo. Tu tá vendo, eu tô com aquele avião, Não dou mais a mínima pra Laura. Só não quero viver como um idiota a vida inteira. Fala aí. – estimulou o outro a falar enquanto bebia mais um gole da caipirinha.
Mais confiante pelo clima amistoso do encontro, pela cumplicidade que parecia crescer entre os dois e muito também por conta do álcool que vinha consumindo desde que a carne começara a ser preparada, Arthur enfim confessou:
̶ Tá bom, tá bom. Eu tive um caso com a Laura. – revelou segurando um riso.
̶ Quer dizer que tu comia a minha mulher, safado? – exclamou alto o ex-marido soltando uma sonora gargalhada que praticamente autorizava o riso preso do traidor.
̶ Comia. Comia. – confirmou o ex-amante agora numa risada incontida.
George foi parando sua risada até que ela sessasse completamente, suspirou fundo e olhou mortalmente na direção do ex-amante da mulher que aos poucos também se refazia do momento de gáudio. A vontade que tinha era de matar aquele desgraçado. Mas não. Engoliria o ódio. Apenas saborearia aquele momento.
̶ Olha, – anunciou o anfitrião – a carne tá pronta. Tá bem macia. Come aí, come aí. Tá bem gostosa.
Cly Reis
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