Curta no Facebook

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

cotidianas #480 - A Sexta Bala


A bala atingiu o barril. Chuck Quinlan que se protegia atrás dele levantou-se tentando demonstrar tranquilidade apesar do susto causado pela proximidade do tiro. Levou a mão em concha próximo ao furo por onde jorrava a deliciosa e dourada cerveja, a conduziu à boca, engoliu o pequeno gole e fez uma cara de satisfação e refrescância. Limpou a boca com a manga da camisa e atravessou a rua deserta em passos firmes e tranquilos pois sabia que não havia mais nada com que se preocupar. Contornou a esquina da ferraria e logo ali atrás dela, a não mais que cinco passos, seu oponente caído, encostado à parede dos fundos do estabelecimento com uma pistola na mão pendente sobe as pernas.
-Bem, bem, bem... - começou Quinlan dirigindo-se ao ferido - tenho que me curvar à sua astúcia, rapaz, você me deu algum trabalho. Me fez desperdiçar alguns tiros que normalmente não erraria  mas felizmente, para mim, é claro, uma delas foi parar bem aí. Acho que isso deve estar doendo, não?
O outro riu mesmo incomodado pela dor do ferimento. Quinlan, no entanto, prosseguiu:
- Se minha memória não falha, antes de começarmos nossa contenda e perseguição pelas vielas desse fim-de-mundo eu o havia desarmado, tirado seu cinturão, sua cartucheira. mas você numa manobra, devo dizer, audaciosa - você é corajoso, filho - desvencilhou-se de dois dos meus homens, recuperou sua arma, acabou com os dois infelizes e começou a tentar me acertar. Está correto? Minha memória não me traiu?
O ferido Rick Vega confirmou a sequência dos fatos:
- Está absolutamente certo, Quinlan. Foi exatamente o que aconteceu.
Satisfeito com a ratificação, o velho pistoleiro deu prosseguimento à sua dissertação sobre o ocorrido até então:
- Então, estávamos na parte em que você começou a atirar em mim como um louco. Bom, se eu não desaprendi de fazer contas, você, sem cinturão, sem munição extra, só tinha seis balas na pistola. Uma foi na vidraça da barbearia, outra foi num cavalo que estava parado em frente à hospedaria, outro foi parar sabe-se lá onde dentro do saloon, outra acertou num lampião, outra se perdeu ao vento e a sexta acertou em cheio aquele barril e, garoto, tenho que reconhecer que essa me assustou porque eu estava logo ali atrás dele e por pouco não acertou o velho Chuck aqui. Agora me diga, ainda sei fazer contas?
- Diria que sua aritmética está perfeita, Quinlan. - confirmou novamente o rapaz.
- Fico feliz em saber que não desaprendi. Mal frequentei a escola mas confiava ao menos que até seis conseguisse contar.
Rick limitou-se a, em meio à dor, rir novamente.
- Sendo assim acho que essa nossa pequena conversa acaba aqui.
Já ia levando a mão ao coldre quando Vega exclamou em tom resignado:
- A vida é engraçada mesmo: você aqui na minha frente, à minha disposição, à minha mercê, eu com essa arma na mão e tudo o que eu precisava era de uma bala pra acabar com você. Apenas uma bala.
- É para você ver como a vida nem sempre é justa... - rebateu ironicamente Quinlan.
- A propósito de justiça e armas, - emendou Vega, desviando um pouco o assunto e retardando o desfecho iminente daquela situação - lembra do Ben Sturgess, aquele velho armeiro de Indian Rocks que você deixou para morrer queimado com a família?
- Ah, sim, como poderia não lembrar. Foi ele que fez a minha belezinha aqui - disse batendo carinhosamente no coldre.
- Pois é, ele escapou do incêndio, você sabia? - informou Vega.
- Não, não sabia não. - respondeu Quinlan sem demonstrar nenhuma perturbação com a notícia.
- Eu o encontrei outro dia em Velasco. Quando eu disse  que estava atrás de você ele me fez parar mais alguns dias na cidade. Disse que iria preparar algo especial para mim.
Quinlan arregalou os olhos fingindo impressionado com a história.
- Então ele fez essa joia aqui. - mostrou Vega levantando com dificuldade a arma à altura dos olhos a fim de exibi-la e melhor observá-la com renovado interesse.
- É uma bela peça. - exclamou o pistoleiro com verdadeira admiração pela primoroso artefato bélico que se encontrava à sua frente.
Rick Vega retomou:
- É uma obra-de-arte. Note nos detalhes, nas curvas, no cano, Note no tambor, é um pouco mais largo, mais robusto, mais cheio. Um pouco, apenas um pouco. O velho Sturgess realmente fez algo especial. Cabem sete balas nele.
Desta vez os olhos de Quinlan saltaram de verdadeiro pavor.
E, surpreendido, antes que pudesse levar a mão ao coldre, com sua habitual agilidade no gatilho, uma bala penetrava-lhe, certeira, a testa.
Rick Vega guardou com dificuldade o revólver no coldre, levantou-se a muito custo apoiando-se na parede da ferraria e mancando caminhou até o primeiro cavalo que encontrou.
Montou.
Era melhor que saísse da cidade antes que as autoridades, o xerife, seus homens viessem prendê-lo.
Prendê-lo? Ora! Deviam era ficar gratos por livrar aquela cidade, o mundo de um verme como Chuck Quinlan.
Pôs o cavalo a galope e atravessou a rua principal para sair da cidade sendo observado por detrás das janelas pelo xerife, pelo barbeiro, pelo banqueiro, pelos moradores. Estavam gratos por aquele jovem, fosse ele quem fosse, ter livrado a cidade, o mundo de um verme como Chuck Quinlan.



Cly Reis



Nenhum comentário:

Postar um comentário