Em grande parte essa estagnação se dá pela superficialidade que tomou a música de um modo geral. Não há uma motivação. O rock sempre bateu de frente com as imposições da sociedade e representou lutas diferentes para momentos distintos da nossa história nos últimos 60 anos. Incitou a que se lutasse pela liberdade de se ouvir o que se quisesse, depois para que se usasse o cabelos do comprimento que achassem melhor, para que se usasse a roupa que bem entendesse, a fazer amor com quem tivesse vontade, exigiu que se parasse com guerras estúpidas, reclamou da pobreza, do desemprego, do perigo nuclear, e hoje o que ele faz? Ele simplesmente diz sim para o primeiro contrato com uma grande gravadora ou para o primeiro milhão de visualizações na internet.
A impressão que dá é que falta uma causa por que lutar. Não que não elas não existam, a intolerância, a violência, a desigualdade e outros tantos motivos estão aí, mas parece que a juventude, que sempre foi a força motriz de movimentos ou agitações desistiu de fazer da música sua arma e simplesmente se conformou.
Talvez um segmento que canalizasse os anseios e as inconformidades de filões sistematicamente prejudicados dentro da sociedade tivesse capacidade e o poder para redimir o rock de sua presente passividade. E aí que penso que as mulheres, na condição de grupo mais efetivamente engajado e atuante nos últimos tempos, seria o que melhor teria condições de, com sua luta e reivindicações, trazer nova vida ao meio musical. Sei que existem outros filões igualmente desatendidos e discriminados mas creio que nenhum seria tão poderoso e legítimo quanto o feminino. Negros, por mais que tenham desempenhado papel fundamental em todas os períodos e estilos da música ocidental do último século, nunca tiveram uma representatividade marcante dentro do mundo do rock. Digo como um todo. Pode-se pinçar um nome aqui, outro ali mas a verdade é que na maioria das vezes a música negra não direcionou sua arte para o protesto. Há a música de periferia, é verdade, mas ela acaba sendo subvalorizada e quase ignorada enquanto clamor, na medida em que fica muito segmentada e muitas vezes desvinculada da realidade do consumidor final. Homossexuais penso que não seriam levados a sério como deveriam. Muito em função dos atuais ídolos e representantes deste grupo que quando não são inexpressivos são caricatos, e do público, que talvez carente de uma figura realmente representativa, abrace tais figuras de maneira quase messiânica. Sem falar que nas outras vezes em que o segmento LGBT teve alguma projeção maior na mídia, como na disco-music, por exemplo, não tirou o melhor proveito que poderia de um momento em que os olhos e ouvidos de grande parte da sociedade estavam voltados para eles. Creio que no caso de gays, essa tomada de assalto só funcionaria com um aglutinador, com um nome muito forte e com ascendência o bastante, como foi Bowie no início dos anos 70, quando fez com que, quem era, se assumisse, quem não era, quisesse ser e quem não era, simplesmente curtisse e respeitasse porque era muito bom.
Não! Nenhum outro grupo não teria a universalidade da mulher. Este engloba todos essas classes e todas suas causas: a da pessoa discriminada por sua cor, da pessoa que só quer ter o direito de amar quem ela quiser, da pessoa cujo povo é dizimada por guerras ou outros interesses, da pessoa que sofre violência doméstica, da pessoa que é abusada sexualmente, da pessoa que ganha menos no trabalho e todas as outras pessoas que se sintam de alguma forma violentadas em sua integridade enquanto ser humano.
No que tange especificamente à matéria musical, seria este o momento das mulheres finalmente assumirem um protagonismo no cenário rock uma vez que, embora sempre tivessem, em qualquer momento, grandes representantes e pioneiras, pelo contexto sócio-cultural que sempre as cercou, com exceção de uma ou outra que meteu o pé na porta e não quis nem saber, nunca puderam efetivamente serem as "donas do pedaço", fosse por limitações impostas, padrões comportamentais exigidos ou por uma idealização do feminino dentro do universo musical, o que, na maior parte das vezes levava a uma perda de identidade e de qualidade, fazendo do produto final algo totalmente fútil e descartável. Às vezes aparece uma Madonna, que nem é efetivamente ROCK mas que tem atitude de tal, e que se impõe um pouco acima disso tudo usando a indústria quando esta pensa que a está usando. Mas de resto, as demais parecem ser todas o mesmo "produto", posando de empoderadas enquanto apenas fazem o jogo que a mídia espera delas.
Não tenho nenhum indício de que algo nesse sentido esteja acontecendo ou por acontecer. Trata-se muito mais de um desejo do que de uma constatação. Mas imagino o quanto seria interessante essa troca: as mulheres com sua luta e inconformidade utilizando-se de um dos mais potentes e poderosos canais que o mundo já viu, ao mesmo tempo que, com seu grito e sua indignação, dão nova vida a esse colosso preguiçoso, pois no fim das contas esse fogo é tudo o que ele precisa uma vez que foi do que ele sempre se alimentou.
Alguns fãs de rock, especialmente os mais novos, podem não concordar com a minha afirmação julgando-me meramente um tiozão saudosista e desatualizado. Mulheres, frequentemente incomodadas quando homens opinam sobre assuntos que lhes dizem respeito julgando inaptos para tal por não estarem na pele delas, podem não aprovar minha proposição por partir ela de alguém do gênero oposto ou por considerá-la, no fundo, mais interesseira e preocupada com os rumos do rock'n roll enquanto instituição do que com as causas feministas. Que seja! Então reclamem de mim! Reclamem do que quiserem. Mas o façam com uma guitarra na mão.
Vamos lá. Sempre que se sentirem incomodadas por alguma coisa, saquem suas guitarras, liguem os amplificadores e soltem a voz. Vocês estarão salvando o rock! Ele precisa de vocês. Precisa de sua fúria, de sua raiva, de suas causas. E ele lhes promete em troca nada mais nada menos do que o mundo.
E então, o que vocês estão esperando? Garotas, balzacas, ninfetas, putas, pretas, fofas, nanicas..., às armas, senhoritas, às armas. Ou melhor, às guitarras.
Cly Reis
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