Depois do almoço de Dia dos Pais, eu e Andrea encaramos dois filmes dirigidos por mulheres lá no Itaú Cinemas, em Porto Alegre: "Você Nunca Esteve Realmente Aqui" da diretora escocesa Lynne Ramsay, e "A Festa", da inglesa Sally Potter. O interessante é que, mesmo sendo dirigidos por mulheres, os filmes são absolutamente diferentes entre si. O primeiro conta a história de Joe, um veterano de guerra com tendências suicidas, interpretado por Joaquin Phoenix, que sustenta a si e à sua mãe como assassino de aluguel que também resgata meninas fugitivas ou sequestradas. Seu mais recente trabalho é trazer a filha de um senador de volta pra casa. Com um roteiro da diretora e de Jonathan Ames, o escritor do livro no qual o filme foi baseado, "Você Nunca Esteve...", avança e recua nos flashbacks para nos dar pequenos vislumbres da vida de Joe, que vão montando o quebra-cabeça de sua existência e de suas motivações.
A cineasta faz um filme extremamente violento sem
explicitar. A própria figura de Phoenix, gordo, barbudo e seboso, contribui para
a construção do personagem. Realizado basicamente em cima das expressões e
olhares dos personagens, o filme tem pouquíssimos diálogos, todos eles
essenciais na resolução da trama. Mas o espelho da alma de Joe é o rosto de
Joaquin Phoenix, um ator realmente espetacular. A música de Jonny Greenwood, do
grupo Radiohead, é fundamental na criação dos climas mostrados na tela.
Responsável pelo excelente "Precisamos Falar Sobre o Kevin", Lynne
Ramsay faz um filme surpreendente, onde a violência cotidiana está presente
antes de acontecer e depois do fato consumado, nunca durante. Tudo isso contado
em menos de uma hora e meia de projeção. Muitos diretores deveriam ver este
filme antes de fazer seus "épicos" de 3 horas de duração.
trailer de "Você Nunca Esteve Realmente Aqui"
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O segundo filme que vimos foi "A Festa", da
diretora inglesa Sally Potter, de "Orlando, A Mulher Imortal" e
"Uma Lição de Tango". Com uma cinematografia totalmente oposta à
película de Lynne Ramsay, Potter apostou na estética do "teatro filmado",
usando e abusando da qualidade de seu elenco estelar: Kristin Scott Thomas,
Patricia Clarkson, Bruno Ganz, Cillian Murphy, Timothy Spall (irreconhecível),
Emily Mortimer e Cherry Jones. O básico da trama é um jantar de comemoração à
indicação de Janet (Scott Thomas) ao Ministério da Saúde. Os convidados são o
casal de amigos, April (Clarkson) e Gottfried (Ganz), ela uma cética e ele um
pós-hippie que acredita em terapias alternativas; o casal formado pela
professora Martha (Jones) e sua partner Jinny (Mortimer), o enigmático e
descontrolado Tom (Murphy) mais o marido de Janet e também professor (Spall),
que vai revelar um segredo durante o encontro.
Filmado em p&b, "A Festa" se justifica nesta
escolha pelo peso que Potter dá às palavras, aos diálogos e às atitudes de seus
personagens. É como se filmar em cores distraísse os espectadores do que está
sendo dito. Com um ensemble deste calibre, "A Festa" faz uso de cenas
com dois e três personagens por vez, sendo que uma única ocasião os
protagonistas estão todos juntos na mesma sala. Com uma duração de 71 minutos,
Potter coloca questões interessantes na boca de seus atores: a situação
política da Inglaterra; o homossexualismo feminino e a necessidade da formação
de uma família; o adultério; o contraponto entre medicina tradicional e
alternativa; a ganância, as drogas, o sucesso imperativo e o avanço da
tecnologia na vida das pessoas.
Interessante é que a música do filme é toda retirada de
discos que o personagem de Timothy Spall vai alternando em seu toca-discos de
vinil, demonstrando seu gosto eclético (o roqueiro Bo Diddley, os jazzistas
Sidney Bechet e Albert Ayler, os cubanos Rubén Gonzalez e Ibrahim Ferrer; o
reggaeiro Ernest Ranglin, o fadista Carlos Paredes e os clássicos Henry Purcell
e Grigoras Dinicu). Com diálogos deliciosos e irônicos, "A Festa" nos
reserva uma surpresa final hilariante e que define a existência de todas
aquelas figuras.
trailer de "A Festa"
por Paulo Moreira
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