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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

COTIDIANAS ESPECIAL nº600 - Pega, pega!


P E G A,  P E G A !
R A F A E L  S I M E Ã O


Corre-corre. Perseguição. Três menores disparados com dois uniformizados no encalço. Os moleques têm vantagem, ágeis, se esgueiram pelos becos, saltam areia, desviam dos lentos, trombam, pulam poça, esgoto que corre ou um saco de lixo. Tomam buzinadas dos motoboys e seguem, sem chance. Até uma baixa, corpo no chão, sangue. Os outros dois se assustam, olham pra trás, será que socorrem? Quando veem os grandões rindo, cada vez mais perto, armados, não mesmo. Pinote ainda mais rápido, chinelos que ficam. Olhando pro céu azul entrevisto entre os barracos parecem buscar proteção, ou um atalho ditado pelos deuses. Mudam o rumo. Curva brusca e um muro. Trepam e caem num terreno baldio na beira da autoestrada. Carros zunindo. Despiste? Alguma vantagem. Um dos grandões uniformizados arrega, não aguenta o ritmo. Pezinho pro parceiro e bunda no chão, ofegante, escorado no muro. Barriga grande, cerveja pura, joelhos fudidos. Bufa cansaço e lida com a gozação de quem da pelada assistiu ao papelão. Puto. Do outro lado, segue, dois contra um, ladeando a estrada. Tensão no ar. Todos os três parecem acostumados àquilo e conhecem o pedaço. Crias da área ou frequentadores assíduos no cumprimento do dever. Ao fim daquela rua dobram uma esquina, apinhada de gente, fumaça na cara. À sombra da mangueira um churrasco na calçada. Uns viram a cabeça, a maioria segue na mesa, conversa que rola e cerveja que desce. Pessoal daqui acostuma com isso, é quase todo dia nessa época. Até que chega um ponto em que os três parecem que esquecem de si, desprendem-se do solo e diminuem a corrida, olhando pro alto. Fitam ansiosos o céu, mais uma vez. Só Deus pra ajudar. Chegam outros, de outros becos e vielas. Nutrem o mesmo desejo, anseiam. Adensa-se uma gritaria, alguns confrontos. É minha, é minha! O mais velho tenta se valer da sua arma pra ganhar altura, vara de bambu pra levar vantagem à distância, só assim. Não adianta, no empurra-empurra entre os menores um já alardeou que tá na mão. Pipão cheio de linha, sorrisão na cara, vai ostentando seu troféu, esfrega a glória na cara dos outros. Vitória. O grandão, suado e cabisbaixo, arma abandonada no chão, descarregada e inútil, ainda tem que escutar da janela: velho, velho, mal chegou do serviço, nem trocou de roupa ainda, e já tá aí correndo atrás de pipa. Tem vergonha nessa cara não, Jair? A pia que é bom ainda tá aqui vazando ainda.






Rafael Simeão, 31 anos, é formado em Filosofia,
estuda Letras, dá aulas e revisa textos.
No mais, não quis nos contar muito sobre ele,
mas fornece algumas pistas quando escreve

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