"O ESTRANHO CASO DO GRILO CÓSMICO"
RODRIGO LEMOS
O grilo entrou no consultório do psicanalista sentindo-se esperançoso. Estava cansado de viver grilado e o doutor haveria de ajudar. Olhou ao redor. Caixa de lenços na mesinha, foto do Freud na parede e um quadro com girassóis do Van Gogh. Deitou no divã e abriu o coração. Falou até cansar. Riu, chorou, deu-se conta de coisas que havia ignorado por anos e achou que já estava melhorando.
Finalmente o analista, que era um bode, coçou a barbicha e sentenciou.
"Teu caso é raro. Tu queres comer o teu pai e matar a tua mãe. Tem tratamento mas não vai ser rápido nem barato. Agora fala com minha secretária para acertar os honorários e agendar a próxima consulta."
O grilo saiu do consultório meio desapontado. Botar para fora seus problemas, traumas e angústias lhe fizera muito bem mas não queria gastar todo o tempo e o dinheiro que o tratamento iria custar.
Optou então por uma solução mais rápida. Pegou velas, tambor, charutos e uma galinha preta e foi para uma encruzilhada evocar alguma entidade que pudesse lhe ajudar. Mal começou a batucar e de uma nuvem de enxofre saiu um coelho branco chamado Mephistopheles.
"E aí meu chapa, o que vai ser? Fama, talento, fortuna?"
O grilo disse que só queria ser feliz.
O coelho deu uma gargalhada.
"Só? Tu deves estar me gozando. Nada é mais complicado que ser feliz. E acha que vai pagar com galinha velha e charuto barato. Cada um que me aparece. Nem tua alma vale muito. Se fosse um louvadeus que passa a vida rezando e me trouxesse uma caixa de charutos de luxo ainda assim ia ser difícil. A felicidade dura poucos instantes e escapa entre os dedos, é como um gol anulado. "
Assim como surgiu o coelho desapareceu.
O grilo então resolveu ficar sozinho e procurar dentro de si.
Mas ficar sozinho e mais difícil do que parece. Onde ele ia aparecia alguém para conversar e perguntar o que ele estava fazendo, o que estava procurando, o que estava sentindo, no que estava pensando.
Foi então que ele pulou numa cama elástica até entrar em órbita e viajar pelo espaço sideral. No espaço ao encontrar consigo mesmo e mais ninguém o grilo percebeu que todos os outros eram ele. Que tudo tinha saído da sua cabeça de grilo. Ele imaginara um universo inteiro para se distrair e não olhar para o que realmente importa. E o que realmente importa é nada. Nada tem a menor importância.
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Rodrigo Lemos é músico nascido em Porto Alegre e residindo atualmente em Londres, na Inglaterra, onde é professor de música. Rodrigo já colaborou com o ClyBlog em outras oportunidades com textos na própria seção Cotidianas e também nos Álbuns Fundamentais.
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