Curta no Facebook

sexta-feira, 28 de junho de 2019

cotidianas #638 - Tirando Tinta



Seu Hermínio foi fazer naquela manhã o que fazia todas as manhãs, mas naquela com uma especial satisfação. Saiu da depósito da manutenção com o carrinho de mão cheio basicamente com as coisas de sempre, enxada, ancinho, tesoura, um saco de fertilizante, um pouco de terra, um balde de cal, a brocha velha e esbranquiçada, e naquele dia, uma latinha pequena de tinta esmalte branca e um pincel. Passeou pelo gramado, examinou o tereno, capinou uma touceirinha aqui, afofou um cacuruto ali, reforçou as linhas com a cal onde precisava e finalmente foi executar a tarefa que mais lhe daria prazer naquela manhã de sol. Deixou o carrinho no meio de campo e apenas com a lata de tinta e o pincel dirigiu-se até o gol à esquerda da casamata, se é que se podia chamar assim aquele banco de madeira coberto com umas brasilit. Do risco da pequena área olhou para aquele pé da trave, o esquerdo, e sorriu. Aquele lance!!! O Altair, o centroavante do time adversário entrara cara a cara com o goleiro deles. Não costumava perder. Assim cara a cara, não. Eram 46, 47... 50 do segundo tempo. Era a bola do jogo. A bola do campeonato. O Altair segurou a passada, enquadrou o corpo, colocou..., tirando do goleiro. Com jeito mas com força. Ela passou pelo Nogueira que se esticou mas não pode fazer nada. Fez aquela curva saindo da  mão dele, sabe? Indefensável. Restava apenas acompanhar a trajetória final dela, provavelmente para o fundo da rede. E ela foi, foi... Aquele segundo de apreensão se suspendeu no ar. Foi, foi...
E agora o seu Hermínio iria lá retocar aquele pedaço de trave soltou uma lasca quando a bola passou, literalmente, tirando tinta. Pegou o pincel, afundou as cerdas na tinta e foi passando. Sem pressa. Assobiando. Por ele, nem pintava. Ficava de lembrança do título aquele pedaço de trave lascado. Mas... fazer o quê? Era o seu serviço.


Cly Reis

Nenhum comentário:

Postar um comentário