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quinta-feira, 9 de julho de 2020

cotidianas #683 - Jogo



Aproximou-se a passos lentos da árvore. Já próximo o bastante para tocá-la, abaixou a mordaça da boca da moca que nela estava amarrada.
- Por favor, por favor, me solta! Eu não fiz nada, moço. Me deixa ir embora, pelo amor de Deus! - as súplicas se confundiam e se atropelavam na voz desesperada da garota.
- Sshhhh! Sshhhhh! - fez o homem enquanto sinalizava com a mão para que ela se contivesse.
- Por favor...
- Sshhh! - repetiu, dessa vez fazendo sinal de silêncio com a faca na vertical à frente dos lábios.
A ameaça implícita fez com que a lamúria fosse cessando.
Satisfeito com o silêncio da cativa, o sujeito da faca entendeu que podia então começar a falar.
- Deve estar se perguntando por que está  aqui... - sugeriu retornando a um breve silêncio como se esperasse por uma resposta à própria pergunta implícita que lançara, que, por sinal, sabia que não teria. Não tendo resposta por parte dela, conforme imaginava, tratou de explicar.
- Por motivo algum. Por nada em especial. - esclareceu laconicamente.
E completou:
- Nem por ser mais bonita, nem mais feia, nem porque você tenha recusado meu filho na escola, nem porque eu queira me vingar do seu pai por uma antiga dívida, nem por ser virgem (nem sei se você é e não me interessa) para servir a um ritual, não é por eu ter atração sexual por você, apesar de você ser bem bonitinha, não é por eu ser broxa, por você ser magra, gorda... Por nada disso. É  só porque precisávamos de alguém para fazer parte do nosso jogo e você... deu azar. Te encontramos naquele estacionamento, aí teve o anestésico, a van e... você está aí... amarrada a essa árvore.
- Por favor, me tira daqui. - retornaram as súplicas. Ao que o sequestrador não hesitou, por sua vez, em voltar a mostrar a avantajada lâmina brilhante.
-Quer que eu use isso aqui?
Ela se limitou a balançar a cabeça nervosamente em sinal negativo.
- Que bom, que bom. Eu não gostaria de usar agora, mesmo. Aliás, eu ia explicar mesmo quando pretendo usar. Se é que vou usar. Vai que você ganhe o jogo.
Proferiu essa última frase rindo e virando-se para os três comparsas que, poucos passos atrás, seguravam seus rifles de caça. Os outros também riram.
- Deixe então que eu explique o jogo.  - prosseguiu o líder  voltando a dirigir-se à jovem. - O jogo é o seguinte: eu vou desamarrá-la dessa árvore e nós vamos começar a contar até... mil. Mil está bom? - consultando os outros.
- Acho que tá bom. - concordou um
- Acho muito. - resmungou o outro.
- Mil tá bom. - considerou o terceiro.
- Mil! Mil. Então fechamos em mil. Está bem pra você? - indagou consultando a vítima destá vez.
No entanto, não esperou a resposta e tratou de argumentar.
- Acho bom que você aceite pois assim terá uma chance... Mil, pode ser? Mil, então! Fechado. - ele mesmo tratou de selar o acordo - Aí, você tem o direito a correr. Correr o quanto quiser, para o lado que bem entender e, quando chegarmos em mil... a gente sai atrás de você. Quem de nós te pegar, tem o direito de te matar da maneira que achar melhor e ganha o jogo. É tipo aquelas brincadeiras de criança,... pique-esconde, cabra-cega, algo assim. Só que mais legal. Legal pra nós, é claro.
Ela voltou a chorar.
- O que foi? Não achou bom? Eu acho mil uma bela vantagem. Ora, vamos... pare com essa choradeira. Vamos lá... eu vou desamarrá-la.
E aproximou-se do tronco inclinando-se pelas costas da garota.
- Quase lá... - desfazendo os nós - Isso... Prontinho! Pode começar a correr.
Os olhos assustados e hesitantes dela, ainda cheios de lágrimas, percorreram os rostos de cada um.
- Se eu fosse você não perderia tempo. A contagem começou. Um...
E como se tivesse sido descongelada de uma brincadeira de estátua, a garota pôs-se a correr. Trinta, quarenta metros adiante até sumir entre as árvores.
- Eu acho que a gente não  devia ter dado tanto tempo pra ela. - reclamou um dos perseguidores.
- Ah, não  tem problema. Essa floresta é conhecida exatamente por visitantes, turistas, escoteiros, acampantes se perderem nela com muita facilidade. Ela não vai a lugar nenhum.
- Ei, alguém sabe em quanto está a contagem? - alertou um deles.
- Ih, me perdi.
- Vamos sair atrás dela então. Dane-se a contagem.
- Não..., ela não tem a menor chance nessa floresta. Vamos começar de novo. Um...







Cly Reis

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