É o falso filme chato. Entrevistas, reuniões, almoços, aulas..., o que poderia ser extremamente fastidioso em muitos filmes, mantém-se interessante desde o início em "Tár". Até porque em cada um desses compromissos sociais, Cate Blanchett, impecável no papel da "maestro" Lydia Tár, uma das mais importantes e renomadas concertistas do mundo, nos faz ficar grudados à tela admirando sua atuação impecável, e atentos às opiniões e posicionamentos de sua personagem. Tár é uma mulher bem-sucedida, respeitada, influente, ela lidera a filarmônica de Berlim e toma das decisões administrativas, de pessoal e de repertório da orquestra. Em meio a ensaios para a nova apresentação, Tár se vê às voltas com o suicídio de uma ex-musicista da câmara, com uma decisão sobre um novo assistente para a orquestra, e o ingresso de uma jovem violoncelista por quem passa a se interessar. No entanto, um envolvimento íntimo com a acordeonista que morrera, o interesse de sua assistente pessoal pela vaga aberta da orquestra, e as situações embaraçosas que a presença da nova integrante causam em relação aos outros músicos e à companheira de Lydia, começam a causar complicações que levam a vida prestígio e tranquilidade da maestrina a uma derrocada fulminante.
Terá ela estrutura emocional para superar tudo isso? Apoio profissional, depois de despertar tantos ódios e invejas? Credibilidade, depois dos escândalos e de ver seu nome jogado na lama? Confiança da companheira, depois de reveladas suas mentiras e infidelidades?
Embora a tônica do filme se baseie nas relações de poder, me agrada muito as abordagens sobre arte, sobre a música em si. Nesse sentido, um dos momentos mais marcantes, para mim, é a sequência da aula dos aspirantes à orquestra, na qual Lydia questiona um aluno que alega não gostar de Bach por conta de questões da índole pessoal do compositor. Ela argumenta que o valor de uma obra não deve ser sobrepujado por aspectos exteriores a ela e, enfática, tenta fazer o garoto ver (ouvir) o brilhantismo de Bach. No entanto, diante da insistência do argumento do jovem, ela muito sagaz, colocando toda sua mordacidade em ação nas observações e exemplifições, faz prevalecer sua ideia diante da classe, até mesmo, fazendo com que o rapaz saísse constrangido. Talvez toda sua defesa da obra de Bach já fosse, subconscientemente, uma autodefesa, uma vez que, entre sua índole pessoal e sua competência profissional, dali para frente, na história, haveria muito para ser discutido. Mas naquele momento, mal sabia ela que, mais adiante, estaria colocada diante da inquisição da opinião pública e sob o julgamento dos colegas por conta de suas atitudes pessoais.
"Tár", no fim das contas, também é uma grande reflexão sobre o que realmente há de melhor dentro de cada um. Um convite para que não esqueçamos de quem somos. Quando Lydia Tár esqueceu da sua arte, sua vocação, aquilo que a fizera grande, que a fazia forte, e deixou-se levar pela vaidade, orgulho, pela arrogância, pelo poder, quando voltou seu olhar para outras direções e perdeu sua virtude, seu mundo desmoronou. A música era o que verdadeiramente importava, o tempo todo. Mas no momento mais difícil, ela talvez redescubra isso para fazer da música sua ressurreição.
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