Será que só eu não gostei do “Cópia
Fiel” do iraniano Abbas Kiarostami?
Não, não é querer ser do contra, estar na contramão das
opiniões, ser polêmico, mas volta e meio me deparo com umas ‘unanimidades’ que,
assim, ó... vou te falar: acho que o pessoal aplaude por decreto. Porque é do fulaninho, porque é cult, porque é referência.
Descasquei aqui no blog a porcaria do Tarantino, "À Prova de Morte"
, fiz montes assim para o
elogiadissimo "A Rede Social", bati de frente com os defensores do
badaladíssimo "O Cisne Negro", isso só para falar de alguns, sendo que, em
especial no caso destes três, Tarantino e Fincher são dos meus diretores
preferidos dos últimos tempos. Ou seja, não trata-se de implicância, de
preconceito, ignorância (acho que não). Só não tem babação para diretores que, temos que admitir, por mais valorosos e
competentes que sejam também erram a mão.E não é que sou obrigado a avacalhar outro dos meus
favoritos? Mesmo sendo diretor de algumas das melhores obras dos últimos 20
anos como “Gosto de Cereja” e “Vida e Nada Mais”, não posso me furtar a
criticar o último filme de Abbas Kiarostami, que só tive a oportunidade de assistir
agora, ‘Cópia Fiel”, sua primeira produção fora de seu país de origem. E olha que fui com grande expectativa.
Lamento, Abbas, lamento. Sei que isso não fará nenhuma
diferença na sua vida, ainda mais considerando que crítica e público continuam
a seu lado incondicionalmente, ao que parece independentemente do que faça, mas
eu não quero ficar indiferente.
“Cópia Fiel” parte de um princípio interessantíssimo
enquanto argumento: de que uma cópia pode ter tanto valor quanto um original.
OK! Esse é o tema do livro do personagem James Miller que começa o filme
defendendo a idéia diante de uma pequena platéia no lançamento do livro
homônimo ao filme numa cidadezinha interiorana na Toscana. O desenvolvimento do
conceito é bem sustentado em princípio pelo personagem do escritor porém mal
conduzido numa discussão extremamente forçada e estereotipada, sobretudo no que
diz respeito à personagem de Juliete Binoche, uma comerciante de antiquário. A
conversa no carro embora notavelmente bem ambientada, com o reflexo da paisagem
no vidro do carro ‘participando’ da ação, por exemplo, parece um esforço do
diretor em nos apresentar dois lados sobre o assunto, porém sem paciência de
que cheguemos às conclusões sobre os dois interlocutores. Por um lado está o
escritor defendendo suas teorias, com simplicidade e sinceridade, é verdade,
mas sendo excessivamente didático às vezes; e por outro uma mulher confusa,
cética, infeliz. O papo tem algumas tiradas boas, perspicazes, engraçadas até,
como a piada da Coca-Cola, mas mostra-se no fim das contas um grande exercício
de apresentação de personalidades ao melhor estilo cinema francês, recheado de
análises filosóficas pretensiosas.
Essa caracterização excessiva não seria o suficiente para
derrubar o filme se não fosse a virada que ele dá a partir do momento em que o
casal passa a encenar uma antiga relação marido e mulher, que em determinado
momento chega a causar dúvida no expectador quanto à sua pré-existência ou não,
mas que, com a devida atenção a alguns fatos anteriores do próprio filme,
percebemos que nunca existiu. Pois é... o tal do faz-de-conta é inverossímil, é
abrupto, é ‘grande’ demais no próprio contexto, ultrapassa o limite da própria
tolerância humana de aceitar se desgastar em nome de um personagem, de defender
um conceito, de abrir a mente, etc., ainda mais diante de um estranho. É certo
que o envolvimento que começa a aparecer entre os dois estimula a farsa. Sim, é
verdade, mas em havendo um interesse mútuo como foi acontecendo, tamanha
exposição pessoal não justificariam as alterações de humor, o exercício de
infelicidade, fraquezas e tantas outras fragilidades.
Devem pensar, “mas o
cara ta pensando na trama de uma maneira muito rígida, muito linear, muito
real“. É porque o universo ao qual somos levados pelo diretor é real. Ele e
não tem nada de surreal, de fantástico, e no entanto, de repente, nos propõe a
tal ponto abandonarmos a plausibilidade do seu filme e entregar-mo-nos à mesma
ficção de seus personagens, fixando-nos apenas à frieza dos fatos, estes sim,
inegavelmente crus e fortes.
Não! Posso estar sendo muito fechado, pragmático, realista
mas não me caiu bem definitivamente o modelo de cinema adotado por Kiarostami
desta vez. Pode ter acertado na locação, nos personagens, na idéia, no tema,
mas na minha visão peca no produto final.
A seu favor, contudo, tenho a sinalizar a integração
ambiente-personagens, sempre precisa, desde um porão de antiquário cheio de cópias
de objetos de arte, passando por uma colunata de ciprestes, por becos
estreitos, e chegando a um quarto de hotel, tudo dialogando de alguma forma com
as naturezas pessoais ou com estados psicológicos correspondentes à cena ou à
situação. Também o tema, sobre os relacionamentos, o casamento, as escolhas,
que salvo o fato de propostos equivocadamente dentro do objeto filme,
mostram-se na maior parte das vezes pertinentes e bem colocados. Não se pode
deixar de elogiar a atuação de Juliette Binoche que com uma ótima interpretação
supera até mesmo a primeira parte do próprio texto que faz questão de lhe
autocarimbar na testa as alcunhas de ‘chata’, ‘estressada’, ‘intolerante’,
‘ciumenta’.
Li por aí que é obra-prima, melhor filme do diretor, melhor
dos últimos tempos... Posso estar errado, nada invalida isso, mas sinceramente
não compartilho dessas opiniões.
Kiarostami parece ter ocidentalizado rápido demais e seu
filme tem muito de cinema francês logo na primeira incursão internacional do
diretor. Chega a lembrar um pouco os Resnais, “Hiroshima, Meu Amor” com suas
discussões e reminiscências e “Ano Passado em Marienbad” com seu desencontro
amoroso de toques surreais, ambos com longas caminhadas acompanhadas de longas
conversas existencialistas. Talvez tenha servido de inspiração. Talvez a
intenção tenha sido mesmo copiar Resnais, copiar o cinema francês, o que só
reforçaria o conceito do livro do personagem Miller e do próprio filme. Se fez
parte da intenção do diretor, a meu juízo, terá sido o principal ponto a favor
do seu filme, ainda que não possa-se usar a máxima defendida por ele neste caso
de que a cópia supera o original.
Cly Reis