É aquele caso que uma
produtora grande vê num filme antigo, cheio de potencial de ação, a
oportunidade de pôr uma boa grana e utilizando novos recursos técnicos, inexistentes
na época daquela produção, “renová-lo” para os novos padrões de exigência do
público e ganhar uma grana maior ainda.
E é o tipo do caso em que nada dá certo.
Nem consegue superar o
antigo com todas suas limitações, nem fatura tanto assim pelo simples fato que
a tentativa resulta numa gloriosa porcaria.
A refilmagem de “Fúria de
Titãs” revela-se completamente frustrante e mesmo com toda a limitação de
técnica e de recursos da época, os efeitos do clássico de 1981 são bem mais legais,
até mesmo pela inovação que representavam na cena cinematográfica em sua época.
Efeitos especiais, 3D
e o escambau não garantem acréscimo algum à versão de 2009. A direção de arte é
risível, a ambientação, os figurinos, tudo... Deuses em pé em cima de umas
nuvenzinhas no Olimpo é algo assim de pedir pra morrer; e o look de Zeus com uma roupitcha brilhante-desfocada
não é nada menos que ridículo. No original, por mais simplórios que os cenários, figurinos e efeitos fossem, por incrível que pareça, refletiam de uma forma mais verossímil o imaginário do que seria a morada dos deuses supremos do Olimpo.
No tocante à história, à
trama, ao desenvolvimento, à trama, além de muito mal amarrado, mal conduzido, o
novo peca em se desfazer de elementos extremamente interessantes do clássico de
1981. A pureza de Perseu e a predileção dos deuses por ele são esquecidas em
detrimento a uma ira desmedida. O novo Perseu é orgulhoso, é egoísta e impulsivo, ao
contrário do antigo, cuja grande motivação era o amor da bela Andrômeda, é movido
pela vingança pela morte dos seus pais adotivos. A busca pela amada, no
original, o humanizava e o tornava, genuinamente heroico, uma vez que cumpria
sua missão independente dos interesses dos deuses.
Numa sucessão de correrias, lutas,
saltos e voos, o remake nessa tentativa de adequação da linguagem pra os novos
padrões de ação, acaba constituindo um protagonista pouco inteligente e pouco
racional, o que fica evidente, por exemplo, na cena da Medusa, uma das mais
clássicas da versão original, na qual o antigo Perseu, aguarda o momento certo
e finalmente age; sendo que nesse novo, desde que entram no covil da Górgona, é
só “loucura total”, culminando numa desenfreada perseguição entre as ruínas do
mundo subterrâneo que vai, aí sim desfechar-se da mesma maneira que no outro
filme mas de um modo muito mais ‘estrepitoso e exagerada, com um salto
acrobático e tudo mais. Isso tudo sem falar que a nova Medusa também não
ajuda... Esta, da refilmagem, que ainda conserva resquícios de sua quase
extinta beleza, não é nem sombra da apavorante criatura da
primeira versão que, lembro bem, me deixou arrepiado na época em que vi o filme
pela primeira vez.
Perseu contra Medusa - "Fúria de Titãs" (1981)
Perseu contra Medusa - "Fúria de Titãs" (2009)
A nova versão é tão mal pensada que opta por desprezar as
oferendas dos deuses a Perseu, o que, penso, seriam elementos valorizadores
na trama e altamente enriquecedores para os novos objetivos de um remake de
ação e efeitos visuais. Os apetrechos colocados pelas entidades do Olimpo à
disposição do filho de Zeus, fariam dele uma espécie de James
Bond de Argos com um brinquedinho para cada situação difícil: a
espada, a nova pistola que o Q lhe entregaria; o cavalo alado Pégasus aquele carrão
esporte irado; o elmo um capacete multi-função; a coruja, um daqueles relógios altamente tecnológicos que faz de tudo; e o escudo,
que por sinal o salva no confronto com a Medusa, uma blindagem com visor
interno. Que tal? Pra um filme de ação não podia ser uma pedida melhor, não?
Mas, não! Nosso Perseu. por birra, por orgulho, por criancice, insiste em não
utilizar na maior parte do tempo a não ser quanto, lá pelo final, a coisa
aperta e ele acaba tendo que usar a espada e montar no cavalo. Mas mesmo assim,
muito a contragosto.
Um remake burro que
desperdiça exatamente o que o original tinha de mais meritório e que certamente
colaboraria para o seu sucesso. Some-se a isso a fotografia escura e imprecisa, as motivações tolas dos personagens, os diálogos
infantis e previsíveis e as atuações caricatas, temos um produto completamente
desprezível.
Tipo do time que tem mais
dinheiro, mas contrata errado, amontoa jogadores em algumas posição mas fica
faltando em outras e vai jogar contra um time certinho, com suas limitações, com
um trabalho bem feito, com uma proposta de jogo, e aí, meu chapa, toma um
chocolate, um “arrodião”, uma “saranda”.
O Olimpo do filme de 1981 é bem mais modesto, mais sóbrio, mas parece traduzir melhor a ideia de morada dos deuses do que o de 2009 que parece mais a Sala de Justiça dos Super-Amigos. |
“Fúria de Titãs” de 2009 até tem chances mas desperdiça e, com a zaga praticamente petrificada, como se tivesse visto a Medusa, só assiste ao "Fúria de Titãs" de 1981 meter 3x0, mole, mole, ainda no primeiro tempo, com direito a olé. Sendo colocada na roda, Medusa perde a cabeça e, com dez em campo , o filme de 2009 leva o quarto, na segunda etapa, pra sacramentar.
Vitória da Fúria. Não a Fúria Espanhola, Campeã do Mundo de 2010, mas a "Fúria de Titãs", o verdeiro clássico, de 1981.
por Cly Reis