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sábado, 28 de julho de 2018

"The Velvet Underground and Nico", de Joe Harvard - Coleção O Livro do Disco - ed. Cobogó (2014)



"A primeira vez que ouvi o disco "The Velvet Underground and Nico
(...) simplesmente odiei o som. 
Pensei: 'Como alguém pode fazer um disco que soe como essa merda?
Isso é nojento!(...)
Esse som é um lixo!"
Então uns seis meses depois ele me pegou de jeito:
"Meu Deus! NOSSA!
Esse disco é bom pra cacete!' "
Iggy Pop


"Noventa por cento dos quadros que são vistos hoje
como algo extraordinários foram encarados como,
'Ei, isso não é arte!', 
na época em que foram exibidos pela primeira vez(...)
Bem, existiam pessoas que achavam que o Velvet Underground 
era um desperdício do óxido de ferro da fita de gravação."
Norman Dolph, 
co-produtor do álbum



Não sei se, realmente, cada livro que leio da coleção O Livro do Disco é melhor do que o anterior, ou se é apenas uma sensação por estar diante de uma leitura tão empolgante que faz com que a sensação se renove sempre com entusiasmo. "The Velvet Underground and Nico", de Jon Harvard, o último que li não foi diferente disso. Às primeiras páginas já exclamava para mim mesmo que aquele era o melhor livro da coleção. Talvez por não ser um jornalista e por não ter sido um fã imediato do Velvet Underground, tendo percebido aos poucos que a sonoridade da banda estava em tudo o que ouvia e gostava, o trabalho soe com uma sinceridade e uma admiração mais verdadeiras do que de costume em ensaios desta natureza. Joe Harvard, músico, produtor e um dos fundadores do famoso estúdio Forte Apache onde já gravaram nomes como Pixies, Radiohead e Hole, faz questão de em toda sua pesquisa, de dar a real dimensão do que o projeto do Velvet Underground com o artista multimídia Andy Warhol representou não somente para a música mas também para o comportamento e costumes a partir de seu lançamento. A sonoridade inovadora, o experimentalismo, as concepções musicais, as letras literárias e explícitas com suas temáticas incomuns e delicadas, todos são elementos que a banda, sob o estímulo de Warhol, um badalado artista em seu apogeu, que compartilhava de toda aquela profusão criativa, apresentava de forma inédita e ainda hoje, incrivelmente, permanecem impactantes. Quem iria imaginar que em 1967 um grupo de jovens patrocinados por um artista plástico pudesse falar de forma tão aberta (e lírica) sobre o uso de heroína, ou fosse descrever de maneira quase escandalosa sessões de sado-masoquismo? Pois eles o fizeram. E Harvard, o autor, faz questão de mostrar o tamanho disso, o quanto esses temas eram tabus, o quanto o grupo foi ousado na atitude e o quanto foi inovador na linguagem e na intenção artística ao propor estes temas. "Sim, o Velvet Underground escreveu canções sobre heroína, orgias, metanfetamina, servidão e punição, submissão física e emocional, violência, transgêneros, travestis, transexuais e marginais com violência nas ruas, envolvidos com um ou todos os ingredientes acima. Por que? Porque ninguém havia feito isso antes, e porque essa coisas são interessantes." afirma o autor. E continua, "Em 1966, quando ningué falava - e muito menos cantava - sobre tais assuntos proibidos, eles eram ainda mais interessantes, e inclui-los nas letras das músicas com o objetivo de serem consumidos não era mais um truque barato: era uma atitude corajosa e arriscada. E fácil escalar uma montanha depois que os verdadeiros pioneiros passaram 35 anos abrindo uma trilha até seu cume. Em 1966, era preciso ter colhões.". Pois é...  E tudo isso, como se não bastasse, embalado por uma proposta sonora altamente original, pensada artisticamente música a música e com conceitos nada aleatórios. Ou seja, um disco como poucos.
O livro desfaz o mito de que a participação de Warhol na produção do disco tenha sido tão irrisória quanto se afirma, revelando que embora não tivesse atuação efetiva na parte técnica, contribuía decisivamente de forma artística na concepção do trabalho. Lou Reed, vocalista e um dos principais compositores, declarou certa vez: "Andy fez questão de garantir que em nosso primeiro álbum a linguagem permanecesse intacta: 'Não Mude as palavras só porque é um disco". Acho que Andy estava interessado em chocar, em dar um solavanco nas pessoas..." e mais, "Ele apenas tornou possível que fôssemos nós mesmos e seguíssemos adiante, ois ele era Andy Wahrol.".
Numa trabalho bastante rico e bem embasado com relatos antigos dos integrantes da banda, matérias da época em jornais e revistas, e entrevistas com pessoas ligadas à banda, o autor destaca ainda a resistência, especialmente de Reed, em aceitar a modelo e cantora alemã Nico, sugerida por Warhol, no projeto, e "prova" que o cantor estava errado nesta relutância; revela que "Sunday Morning" fora escrita originalmente para Nico mas que, mesquinho, egoísta e vaidoso, Reed a reivindicou e não abriu mão de colocar seus vocais na canção; que a marcante caixa de música na mesma música fora uma sacada casual e genial de John Cale, a outra cabeça pensante do grupo; descreve a sintonia de Reed e Cale nas composições e em suas afinações inusitadas; traz à tona novamente a acusação, na época, de que "Heroin" estimulava o uso de drogas; e ajuda a entender por que "Venus In Furs" garantiu a eles a imagem de depravados.
Um disco que não recebeu o devido reconhecimento em sua época e, mesmo depois, demorou para que sua verdadeira dimensão fosse percebida, mas que mesmo assim chega aos dias de hoje (acredito que agora sim) entendido como um dos mais importantes e influentes de todos os tempos e ao qual um livro como este, muito bem escrito e organizado, faz plena justiça e a devida homenagem. Curiosamente, como o próprio autor salienta, "Uma coisa é certa: poucas bandas - se é que alguma - deixaram um legado tão duradouro com uma ajuda tão inexpressiva da indústria.". Talvez, no fim das contas, por linhas tortas, tenha sido melhor assim.



Cly Reis