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segunda-feira, 8 de abril de 2013

cotidianas #215 - O Casarão



Deu-se quando este meu amigo de que falei, por motivos de partilha familiar, estava a procurar uma boa casa onde pudesse viver livre das picuinhas e mesquinharias dos parentes. Andando por Botafogo, e deparando-se com uma que parecia lhe atender as necessidades de solteiro abastado, tratou de marcar com a imobiliária uma visita ao dito imóvel no dia seguinte.

Tratou por volta de três da tarde, mas tendo por hábito chegar antes da hora marcada, adiantou-se algo em torno de quinze minutos. Chegando ao portão, e encontrando-o destrancado, adentrou à propriedade de modo a não precisar ficar postado na calçada esperando, já aproveitando para apreciar o jardim e fazer uma avaliação prévia do bem quer pretendia adquirir. Rodeou, perambulou entre as aléias, surpreendentemente bem tratadas para um imóvel vazio, e distraído em seu pequeno passeio, viu-se de repente em frente à porta dos fundos. Tentou a maçaneta só por curiosidade de ver se estaria aberta, e para sua surpresa, a mesma encontrava-se destrancada. Ainda pensou um momento se não deveria esperar o corretor, mas não encontrando mal algum em examinar o local antes da chegada da outra pessoa, adentrou o casarão pela cozinha. Era uma sobrado imponente, de teto alto, corredores extensos, cômodos confortáveis e janelas grandes. Encontrava-se internamente, assim como o jardim, muitíssimo bem arrumado se comparado ao que via-se de fora, sujo, descascado, com aparência de abandono. Lá dentro, não. A sala de estar parecia pronta a receber um sarau, a de jantar uma recepção para a realeza, da cozinha perfeitamente asseada poderiam ser preparados os mais saborosos pratos naquele momento, e os quartos, tão aprumados que estavam, que poderiam receber os mais nobres hóspedes da família real. Por certo, teria o corretor, antecipando a visita, mandado dar um jeito no local de modo a impressionar o comprador. Impressionara, se esta era sua real intenção.

Estava ainda a examinar a prataria da sala de jantar quando fui surpreendido por uma bela mulher que adentrava o ambiente, vinda provavelmente, da sala de estar. Seus cabelos eram louros tal uma cascata de luz, sua pele de um alvor quase ofuscante, sua boca de um rubor sanguíneo e seus olhos eram de um azul hipnótico. Trajava um belo vestido branco, acinturado, com rendas nos braços e na base da saia, levava um leque e usava na cabeça um a espécie de tiara com pedras.

- Suponho que seja a corretora – disse eu – Desculpe-me não imaginei que a imobiliária fosse enviar uma dama, ainda mais tão formosa quanto si.

Ela sorriu como em agradecimento e continuei;

- Espero que me perdoe por não lhe ter esperado... Encontrei a porta dos fundos aberta e... entrei.

Esperei por alguma resposta mas só recebi de volta o mesmo sorriso doce e discreto.

- Podemos ver a casa? – perguntei, agora já um ouço embaraçado pelo silêncio da moça – examinei apenas superficialmente a sala e a cozinha – completei mentindo.

Ela continuou em silêncio e apenas fez sinal com a mão para que a acompanhasse.

Guiou-me então por todas as dependências, sempre calada, apenas gesticulando para que olhasse ou entrasse nos ambientes que me apontava.

No andar superior, indicou-me então uma porta fechada ao fundo de um corredor. Encaminhei-me para lá. Diante da porta, ainda consultei com um olhar à senhorita se deveria abri-la, ao que respondeu com um assentimento de cabeça. Ao abrir encontrei uma ampla e luxuosa suíte com móveis requintados, pesadas cortinas aveludadas e uma larga cama emoldurada por um dossel. Antecipou-se a mim e entrou no quarto convidando-me a acompanhá-la. Assim o fiz, então, observando seus movimentos leves e sendo tomados aos poucos por uma sensação estranha que misturava medo a desejo. Lá dentro, notando minha perturbação, avançou lentamente em minha direção, pousou fixamente seu olhos azuis nos meus, aproximou seus lábios dos meus e enlouqueceu-me num beijo lento e inebriante. Não entendia o que se passava naquela casa naquele instante mas a bem da verdade não fazia questão. Não consegui reagir e nem quereria se pudesse. Não sabia se era certo mas não tinha forças para distinguir juízo de valores naquele momento. Beijamos-nos, abraçamo-nos, despimo-nos e dali em pouco havia sido eu como que arrastado àquela cama, onde me deixara entregar a uma volúpia jamais experimentada, sendo entorpecido por aquele corpo marmóreo, possuído por aquela boca vermelha e envolvido naquelas melenas doiradas. Entrei numa espécie de transe, num estado de prazer tão absoluto que creio ter desfalecido por alguns instantes.

Quando despertei, creio, depois de alguns minutos, acredito, encontrava-me totalmente desfeito, quase nu, sobre a cama. A dama já não estava mais lá. Tratei de vestir-me rapidamente e sair dali o quanto antes, embora imaginasse que tendo estado já uma representante da imobiliária lá, não haveria outros visitantes naquela tarde. Mas mesmo assim, apressei-me e desci para o andar de baixo.

Por que narro agora na primeira pessoa? Ora, apenas para que te sintas mais integrado à história. Dar-te-á uma sensação mais real.

É claro que não foi comigo.

Mas deixa que eu prossiga: ainda se recompondo, descendo para a sala, ele notou um homem bem vestido, de casaco preto, óculos, de bigode fino e cabelo engomado na base da escada, e que,  ao vê-lo, sorriu amistosamente e foi falando:

- Ah, o senhor deve ser o interessado. Não sabia que havia subido. Deve ter visto os quartos, já, não? Sei que estão muito mal-conservados, mal-cuidados, mas o imóvel é bom. Basta uma tinta e fica novinho como que em folha.

- O senhor é?... – perguntou sem completar a frase, só para se certificar.

- Ah, sou Nogueira, o corretor. Espero que tenha gostado do que viu – continuou já emendando a apresentação com a venda – Essa coisa toda de casa mal-assombrada, que a dona da casa aparece, é tudo besteira! Imagine! Fantasmas... Hnff... Faço pouco.

- Dona da casa?...

- Sim. Dizem que uma moça muito bonita teria, TERIA, eu disse, se matado naquele quarto de cima do fundo do corredor. Aquele que está trancado. Coisas de amor, de coração partido. Dizem que a família não aprovava o casamento com um moço e ela preferiu tirar a vida. Mas posso abrir o quarto para o senhor se o senhor quiser. Eu tenho a chave. O senhor vai ver que não há absolutamente nada de errado com esta casa.

Só então notou à sua minha volta que tudo estava coberto de pó, as paredes tomadas de teias de aranha e os sofás e poltronas estavam cobertos por lençóis.

Vendo que o cliente se ocupava do estado de conservação do local, apressou-se em amenizar a situação:

- A aparência, não é das melhores, eu sei, mas não é nada que uma faxineira não resolva – riu um tanto sem graça o vendedor de imóveis. E dando de olhos em algo na parede, pareceu entusiasmar-se repentinamente, desviando o assunto.

-Hei, olhe só! Aqui está. A tal moça de que lhe falei. A que dizem que assombra a casa – mostrando uma fotografia ao visitante – Mas eu tenho certeza que o senhor, que me parece um homem culto, inteligente, não vai se deixar levar por essas crendices populares.

No daguerreótipo onde aparecia com o mesmo vestido que a tinha visto, aqueles olhos o encaravam com a mesma sensualidade de alguns minutos atrás, mas agora parecia notar um ar de satisfação doentia, um espécie de sombra de prazer mórbido. E, embora o retrato que o vendedor mostrava fosse em preto-e-branco, era como se ainda visse aqueles olhos tão azuis quanto há pouco. Um azul estranhamente vivo.
Cly Reis

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