Tive o prazer de ir, no último sábado, na The Smiths Party,
no Bar Saloon, em Botafogo. O lugar, muito acanhado, muito estreito não era o
mais adequado, na minha opinião, para um evento tão interessante, com boa
divulgação e que teve muito boa procura. Todas as (poucas) mesas estavam
ocupadas desde muito cedo, o balcão não tardou a estreitar a circulação no
corredor e tenho impressão que, não fosse a chuva que chegou a ser forte em
determinados momentos naquele dia todo até quase na hora do show, a procura
teria sido até maior e teria gente pendurada no lustre.
Mas enquanto espetáculo, as dimensões do lugar não foram
empecilho para que quem estava lá dentro tivesse curtido muito. Primeiro, a
apresentação da parte dos Smiths Cover que não tocou The Smiths apresentando
sucessos dos anos 80, bandas que influenciaram e foram influenciadas por
Smiths, com grande competência, de um modo geral. Depois, o time completo, com
meu amigo, Roberto Freitas à frente, com sua habitual performance impecável contando com a retaguarda segura e precisa
de seus novos parceiros, nesta que foi a primeira apresentação do The Smiths Cover Brasil com nova formação.
Muito bom show, mais uma vez. Já é redundância elogiar. Destaques para mim, para “Suedehead”,
“Still Ill”, “Girl Afraid” e “Bigmouth Strikes Again”.
Tive ainda a honra de ter um texto meu, solicitado pelo
Roberto, lido na abertura do show. A galera ansiosa pelo início, não deu muita
bola, não ouviu muito ou nem percebeu que aquilo era algo relacionado com o
show, mas de qualquer forma sinto-me feliz em ter feito parte daquele momento e
dessa retomada do The Smiths Cover Brasil. Obrigado, Roberto, pelo show, sempre
empolgante, e por me permitir participar disso tudo.
Abaixo o referido texto, lido antes do início da segunda parte do show:
Naquele setembro de 1987, a cidade de Manchester ficava um pouco mais cinza, o universo particular de muitas pessoas ficava mais vazio, e muitas dessas pessoas pelo mundo afora ficavam um pouco mais sozinhas. Era como se tivessem perdido um amigo, um amor, alguém da família. Algumas delas não foram fortes o bastante e tiraram até mesmo de suas próprias vidas como se a partir daquele fato nada mais importasse. Uma banda com um nome despretensioso, como se fossem Zés-Ninguém, de melodias aparentemente simples e letras singelas acabava de anunciar sua separação. Era o fim do The Smiths.
Mas que diferença uma banda faz? Como um grupo de rock apenas é capaz de causar tamanha comoção? De fazer nos sentirmos... assim? Quem já foi preterido por alguém, já hesitou em revelar seus sentimentos a outra pessoa, já voltou sozinho de uma festa, entendia perfeitamente do que aquele carinha topetudo com jeito tímido e ao mesmo tempo impetuoso, falava e se identificava com aquilo tudo. Steven Morrissey exprimia exatamente o que a gente sentia ou já havia sentido em algum momento da vida, colocando aquelas questões com rara sensibilidade e poesia.
Mas talvez letras intimistas e inteligentes não bastassem se não contassem com um emolduramento digno daquelas palavras. Johnny Marr, guitarrista e parceiro de composições, conseguia extrair de seu instrumento melodias mágicas, supostamente modestas, porém compostas com enorme técnica e inspiração, sem apelar para exibicionismos de solos quilométricos ou distorções rascantes. E Andy Rouke e Mike Joyce, costumeiramente menos lembrados, mas não menos importantes, eram a sustentação precisa e segura para aquela dupla genial de compositores.
Mas eles haviam decidido acabar...
Contudo, felizmente, não muito tempo depois do alardeado fim, quase que como um alento, nosso querido Morrissey anunciava que seguiria nos presenteando com sua voz suave e corrosiva e sua pena doce e ácida. Embora em sua exitosa carreira solo tenha já nos brindando com músicas incríveis que nos pegam pelo coração sendo algumas canções realmente excepcionais e grandiosas, nós fãs sabemos que até hoje, ainda que tenha produzido bons trabalhos, a bem da verdade, nunca encontrou verdadeiramente um parceiro à altura do brilhantismo de Johnny Marr.
Talvez por isso, no fundo do peito da cada fã, sobreviva a esperança (quase sem esperança) de que um dia se reconciliem e voltem a fazer aquelas canções que nos fizeram chorar e que salvaram nossas vidas.
Enquanto isso, não com menos prazer, nos conformamos em ter APENAS Morrissey. Como se fosse pouco.
Cly Reis
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