“O ápice da música
pop:
Steely Dan e os solos Donald Fagen.
Eu nunca escutei NADA melhor e mais
inteligente que isso.
Numa coleção de quase 30 mil discos esses são meus
favoritos,
poderia escutar somente isso a vida toda.
Está tudo sintetizado numa
coisa só:
soul, pop, jazz, rock, broadway, soundtrackish jazz, folk, funk,
reggae, etc.”
Ed Motta
Gosto do Steely Dan desde 1972, quando ouvi na Continental
1120, pela primeira vez “Do It Again”. Meu próximo encontro com a banda seria
dois anos depois quando “Rickie, Don't Lose That Number” fez sucesso. Mas só
fui levar a banda a sério aos 17 anos, quando ouvi “Aja”. Claro que não entendi
de imediato aquela mistura de música pop com jazz, já eu que estava me
iniciando no assunto. Só fui começar a decifrar o SD e virar fã quando saiu o
“Gaucho”, que eu comprei na Flora Viaduto o LP usado, mas inteiro, como vários
de nós fizeram naqueles tempos.
Toda esta introdução tá aí em cima pra dizer que meu disco
favorito da turma não é do Steely Dan, mas do cantor e tecladista do grupo,
Donald Fagen, metade da laranja criativa que ele formou com o guitarrista e
baixista Walter Becker, depois que demitiu todo mundo e resolveu que era muito
mais interessante usar os músicos de estúdio à disposição em Los Angeles e em
Nova Iorque.
O disco se chama “Kamakiriad” e foi lançado em 1993, onze
anos depois do Fagen colocar nas lojas – e fazer muito sucesso – com seu
primeiro trabalho solo, “The Nightfly” e a canção I.G.Y. (International
Geophysical Year). Desde 1981, ele e Walter não se falavam. O guitarrista tinha
produzido um monte de gente, especialmente a cantora e compositora Rickie Lee
Jones em seu CD “Flying Cowboys”. Mas, em 1993, resolveram deixar de lado as
diferenças e partiram para a produção do segundo disco solo de Fagen. E deu
muito certo.
“Kamakiriad” é uma viagem conceitual beirando a science-fiction. Fagen inventou um
carro, o tal Kamakiriad, que é autossustentável, tem até uma horta hidropônica
dentro. E as faixas do disco contam os passeios malucos que Fagen faz dentro
deste veículo maluco. Parece disco de bandas de prog rock mas não é. Tem um balanço e um swing digno dos melhores
trabalhos do Steely Dan. Confesso que minha escolha por este disco é puramente
sentimental. Comprei ele em 93 e nunca consegui parar de ouvir nestes 20 anos.
As viagens de Fagen em seu “Kamakiriad” começam com
“Trans-Island Skyway”, onde Becker e o outro guitarrista Georg Wadenius criam
uma teia de sons, enquanto o baixo (também tocado por Becker) segura o ritmo
com o baterista Leroy Clouden. E estamos ouvindo um disco do Steely Dan. Já em
“Countermoon”, Donald Fagen faz uso extensivo das possibilidades dos backing
vocais, especialmente no final da canção onde Katherine Russell se estrebucha
cantando “All Beware!!” sob o sax tenor do havaiano Illinois Elohainu. Como
sempre fez. “Springtime” inicia com o baixo e uma percussão que parece ser
programada mas não é. Assim como a bateria. Neste disco, fica mais claro o
fascínio de Fagen & Becker por um ritmo mais estático, ao contrário dos
discos do SD, onde nomes como os dos bateristas Steve Gadd, Jim Gordon, Ed
Greene, Bernard Purdie e Jeff Porcaro brilhavam sobre as harmonias intrincadas
e jazzísticas da dupla. E como em todo o disco, os sopros estão em contraponto
com as guitarras e os teclados.
Esta predileção por steady
rhythms - se vocês me permitem o inglês - fica bem marcada em “Snowbound”.
Chris Parker mantém a batida, enquanto o órgão Hammond B-3 de Fagen vai
pontuando ao lado das guitarras e do naipe de sopros. O fender rhodes tece
aquelas harmonias steelydanescas. E a
gente vai batendo o pezinho, se o Arthur de Faria me permitir usar esta “figura
de linguagem”. “Tomorrow's Girls” é o que de mais aproximado temos no disco de
um “hit”. Virou inclusive clip da MTV. Como todas as letras do Steely Dan são
quase indecifráveis, devido ao intrincado jogo de palavras e referências que os
rapazes criam, o clip também ficou “difícil”. Mas a canção é irresistível.
Daquelas que a gente ouve e sai cantando pela rua, mesmo que ela tenha TRÊS
refrãos diferentes, dentro da mesma métrica, é claro. Também aqui os produtores
dão todo espaço a uma bateria de backing
vocais que vão de Amy Helm (filha da mulher de Fagen, Libby Titus com o
baterista do The Band, o falecido Levon Helm) aos irmãos Brenda & Curtis
King. No final, Becker sola enlouquecidamente sobre uma cama de sopros.
“Florida Room” é uma das preferidas do disco. Tem um clima
caribenho. E o refrão fala disso: “Quando
o verão se vai / eu me apronto / para fazer aquela corrida pro Caribe / Tenho
de ter /algum tempo sob o sol / Quando o vento frio chega / Eu sei onde as
dálias florescem / Acabo voltando / pro seu quarto na Flórida”. O naipe de
saxofones, trompetes e trombones está presente toda a música, sobre aquele ritmo
“latino versão americana”. Mas o destaque absoluto é pro solo de sax tenor do
grande e falecido Cornelius Bumpus. Um mestre em colocar as notas certas num
espaço exíguo dos compassos que a dupla lhe dava.
Já em “On the Dunes” o clima não é tão ensolarado, pra não
dizer sombrio mesmo. Fagen e Bekcer viram tudo do avesso. Começam com teclados
e guitarras fazendo esta harmonia durante toda a canção. Na letra, o Kamakiriad
para na praia e acontece um homicídio nas dunas, enquanto “barcos bonitos passeiam pela orla/ nas luz que escasseia/ mulheres
bonitas com seu amantes a seu lado/ é como se fosse um sonho terrível/ que eu
tenho toda a noite”. Mais uma vez, Bumpus manda ver no seu tenor.
Entretanto, a estrela total desta canção está nos quase 4 minutos de solo de
bateria de Christopher Parker sobre a harmonia final que vai se mantendo, como
se fosse um ostinato. E não é um solo comum. Parker vai pontuando dentro dos
espaços arquitetados por piano acústico, baixo, guitarras e sintetizadores.
Genial.
“Teahouse on the Tracks” é o destino final do “Kamakiriad”,
o local onde o narrador desta viagem se encontra com sua garota e diz que ela
tem uma última chance de “aprender a
dançar no Teahouse on the Tracks”. Aqui de novo, a bateria parece ser
programada. Muita guitarra rítmica e teclados fazem a cama onde o trombone de
Birch Johnson se esbalda.
Como em todos os discos do Steely Dan, Donald Fagen &
Walter Becker trabalham com estruturas reconhecidas pelos ouvidos acostumados
com a música pop, mas radicalizam nos detalhes, nas harmonias diferenciadas e
na utilização do potencial de cada músico para cada canção. Eles sabem escolher
quem vai tocar em seus discos. “Kamakiriad”, por isso, pode ser ouvido despretensiosamente.
Mas se você prestar a atenção, tenho certeza que será fisgado.
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FAIXAS:
1.
"Trans-Island Skyway" (Fagen) – 6:30
2.
"Countermoon" (Fagen) – 5:05
3.
"Springtime" (Fagen) – 5:06
4.
"Snowbound" (Walter Becker, Fagen) – 7:08
5.
"Tomorrow's Girls" (Fagen) – 6:17
6.
"Florida Room" (Fagen, Libby Titus) – 6:02
7. "On
the Dunes" (Fagen) – 8:07
8.
"Teahouse on the Tracks" (Fagen) – 6:09
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OUÇA:
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