e a glória do Senhor brilhou ao redor deles.
E eles tiveram muito medo, e o anjo disse:
‘nada temam, escutem: trago notícias alegres, que repartirei com toda a gente,
pois entre vocês nasceu, neste dia, na cidade de Davi,
um salvador, que é Cristo, nosso Senhor.’ (...)
E, de repente, ao redor do anjo, surgiu uma multidão de vozes
celestiais louvando ao Senhor e dizendo:
‘Glória a Deus nas Alturas, e paz na Terra aos homens de boa vontade’.
Este é o significado do Natal, Charlie Brown.”
Lino Van Pelt
Lino Van Pelt
Quando criança, o período do Natal me era empolgante por diversos
motivos. Além dos presentes, da reunião familiar e da decoração
pela casa, um deles era porque, nesta época, haveria programações
de tevê especiais que não se viam durante todo o ano. Era
necessário esperar 12 meses para que fossem transmitidas, pois
passavam somente no final de dezembro. Na Globo, depois da Missa do
Galo e de alguns desenhos temáticos da Turma do Mickey, rodava, já
de madrugada, um clássico hollywoodiano do nível de “E o Vento
Levou”, “O Mágico de Oz” ou “Hamlet” do Zefirelli. À
tarde, independente do dia que caísse o feriado, soltavam algum
filmão antigo sobre o Livro Sagrado como “Rei dos Reis”, “A
Bíblia” ou “Os 10 Mandamentos”. O Chaves, no SBT, repetiria
pela milésima vez o episódio em que todos da vila vão cear na casa
do Seu Barriga e causam a maior confusão – e eu via sempre. Dos desenhos animados, eram tradicionais os episódios natalinos. Todo
desenho que se prestasse deveria ter o seu! A Manchete dava vários
da Hanna-Barbera. Globo e SBT faziam o mesmo com o seu estoque: tinha
Natal dos Smurfs, da Pantera Cor-De-Rosa, do Pato Donald, do Tom &
Jerry e de vários outros.
Um dos que não me cansava de rever era o filme de Natal de um dos
desenhos que sempre me fez a cabeça: Snoopy. Era “Merry
Christimas, Charlie Brown”, o qual tinha como trilha sonora este
disco: “A Charlie Brown Christmas”, da Vince Guaraldi
Trio. Além de achar a série engraçada e prazerosa de ver – desde
lá, já adorava os personagens, o estilo de traço do Charles
Schulz, simples e expressivo, a coloração pastel, os longos
diálogos, o ritmo das narrativas e todo aquele universo da turma do
Minduim –, um dos elementos que mais me atraíam era, justamente, a
trilha sonora. Aquilo me arrebatava, embora me fosse enigmático.
O responsável por me fazer gostar assim, ainda pequeno, com uns 7, 8
anos, de um estilo de música que eu ainda nem sabia que se chamava
jazz é Vince Guaraldi. Pianista, maestro e compositor, dono de um
estilo de tocar e de compor de rara sensibilidade, ele é o autor de
todas as trilhas dos Peanuts desde as primeiras séries para tevê,
em 1964. Todas geniais. Oriundo da cena jazz da Costa Oeste, o “Dr.
Funk”, como era apelidado, ostentava um bigode pontiagudo tão
caricato quanto de um desenho animado e dizia-se, modestamente, um
mero “reformado pianista de boogie-woogie”, porém, mais
que isso, dominava o cool, o jazz contemporâneo, o soul e o
latin jazz, tornando-se influência para nomes como George Winston,
Dave Brubeck, Wynton e Ellis Marsalis. Este é o primeiro disco, além
das coletâneas e homenagens lançadas até hoje, dos três que
produziu para a série ao longo de aproximadamente 10 anos, até sua
morte prematura em 1976, aos 47 anos, vítima de um ataque cardíaco.
Pois “A Charlie Brown Christmas” é, assim como os desenhos do
cachorrinho Snoopy, apaixonante. A beleza começa na faixa inicial:
“O Tannenbaum”. A banda, composta por Guaraldi, Jerry Granelli,
na bateria, e Fred Marshall, no baixo acústico – a clássica e
charmosa formação em trio do jazz –, toca esta canção
tradicional germânica de Natal datada do século XIX. Claro, num
clima jazz-erudito ao modo de Gershwin. Nela, o piano de Guaraldi
desliza uma melodia suave e mágica, dando o tom que dominará o que
vem a seguir. “What Child is This?”, outra adaptação do
cancioneiro folk, este, da Inglaterra romanesca, vem numa arrojada
versão em que os três passeiam com elegância pela melodia,
situando-a entre o lúdico e o misterioso. O clima se mantém em “My
Little Drum”, composição do próprio Guaraldi, na qual o arranjo
se vale, pela primeira, do coral infantil, único tipo de voz usado
em todo o disco, o qual mantém, nesta, um vocalise constante
enquanto o piano desenha acordes que aludem a “O Tannenbaum”.
Quebrando o clima introspectivo – equilíbrio que, aliás, é
característico das próprias histórias do seriado –, vem a
clássica “Linus & Lucy”, certamente a mais conhecida canção
da série, curiosamente mais marcante do que os temas dos próprios
Snoopy e Charlie Brown. Esperta, faceira, bem humorada. Guaraldi,
como bom admirador de Herbie Hancock e Thelonius Monk, colore a
melodia com uma linha de piano swingada e moderna. Afinal, Natal é
tempo de alegria!
Das melhores do álbum, a emocionante “Christmas
Time Is Here” (que conta também com uma igualmente linda versão
cantada pelo coral infantil),
melancólica e sonhadora como o personagem Charlie Brown, é um show
do trio. Guaraldi, delicado e preciso no dedilhar, moderando
intensidades, volumes, ataques e sustenidos, improvisa belamente;
Granelli, raspando a escovinha sobre a caixa, ataca-a levemente para
marcar o tempo; e Marshall, no baixo, passeia pelas escalas com
liberdade e firmeza.
“Skating”
mais uma vez levanta o astral, musicando a brincadeira de esqui no
gelo praticada pelos personagens. Bluesy e cheia de swing, tem na
bateria um dos destaques, seja na parte que Granelli esfrega as
escovinhas ou na mais agitada, em que dá intensidade à música. O
riff, repleto de fantasia, traduz em sons a complexidade/simplicidade
do ato de brincar para o mundo da criança. O espírito natalino
retorna com a afortunada versão da cantata de Charles Wesley,
adaptada por Felix Mendelssohn em 1840, “Hark! The Herald Angels
Sing”, apenas com coral e órgão.
Na bossa-nova “Christmas Is
Coming”, Guaraldi homenageia dois de seus ídolos, Tom Jobim e Luis
Bonfá, e, de novo, seu toque remete aos mestres Hancock e Monk e
ainda Ahmad Jamal, Red Garland e Sonny Clark pelo fraseado de mão
esquerda solto e inteligente. Ele faz o mesmo em “The Christmas
Song”, solando por cerca de 1 minuto e 45 segundos (dos 3 minutos e
20 de toda a faixa), criando um jazz lírico e de cadência
arrastada.
Em “Für Elise”, a cândida
bagatela romântica de Beethoven escrita no início do século XIX,
que dispensa comentários de tão incrível, dá a impressão de que
Guaraldi cede lugar ao piano para o menino Schröeder, o alemãozinho
superdotado e amante do compositor da Nona, personagem dos Peanuts. O
tema de “What Child Is This?” é retomado com seu nome original
no folclore inglês, “Greensleeves”. A trilha finaliza com a
saltitante “Thanksgiving Theme”, não sem antes executar a minha
preferida de todos os temas inventados por Guaraldi para os
personagens de Snoopy: “Great Pumpkin Waltz”. Usada em outro
episódio da série, o da Grande Abóbora, é um tema simplesmente
magistral, que conta, além do trio, com a guitarra de John Gray e a
flauta de Tom Harrell. A melhor tradução do universo lúdico,
enigmático e fantasioso da série, que não se abstinha de mostrar
as aflições, emoções, incertezas, amores e fragilidades das
crianças. Pois a vida não é assim, repleta dessas belezas?
Neste sentido, Snoopy e Cia., que
mostra tão bem o mundo dos pequenos, tem tudo a ver com Natal, época
de celebrar a vida através do nascimento do Menino Jesus – e nada
melhor do que fazê-lo com boa música, né? Por isso, não é à toa
ter me lembrado deste desenho e de minha infância como pano de fundo
para um ÁLBUNS FUNDAMENTAIS especial de Natal. Ainda mais porque,
hoje, não se transmitem mais programas assim na tevê como ocorria
antes nesta época, inclusive os Peanuts, que nem passam mais há
muito tempo. O importante, entretanto, é o que disse Lino em sua
inocente sapiência ao citar, no episódio em questão, a passagem
bíblica de São Lucas sobre o nascimento de Cristo (e arrastando seu
inseparável cobertor azul, obviamente): “Este
é o significado do Natal, Charlie Brown”.
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trecho do episódio "Charlie Brown Christmas"
FAIXAS:
1.
O Tannenbaum (Tradicional - Versão: Guaraldi) - 5:08
2.
What Child Is This? (Tradicional - Versão: William Chatterton Dix) -
2:25
3. My Little Drum (Guaraldi) -
3:12
4. Linus and Lucy (Guaraldi) -
3:06
5. Christmas Time Is Here
(Guaraldi/Lee Mendelson) - 6:05
6.
Christmas Time Is Here (Guaraldi/Mendelson) - 2:47
7.
Skating (Guaraldi/Mendelson) - 2:27
8.
Hark! The Herald Angels Sing (Mendelssohn/Wesley) - 1:55
9.
Christmas Is Coming (Guaraldi) - 3:25
10.
Für Elise (Ludwig van Beethoven) - 1:06
11.
The Christmas Song (Mel Tormé/Robert Wells) - 3:17
12.
Greensleeves (Tradicional - Versão: Dix) - 5:26
13.
Great Pumpkin Waltz* (Guaraldi) - 2:29
14.
Thanksgiving Theme* (Guaraldi) - 2:00
*
Na versão em CD de 2012
**********************************
OUÇA:
por Daniel Rodrigues
Snoopy era um desenho adorável, mesmo. E tu tens razão: a gente nem sabia bem do que se tratava, mas aquelas trilhas eram apaixonantes. Hoje sabemos porquê.
ResponderExcluirO interessante é que a gente vai ouvido e parece que está vendo o desenho.
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