"Estudos pictóricos de antônio Dias" |
Estivemos Leocádia Costa e eu numa das exposições daquelas que nos dissemos: “não podemos
deixar de ir”. Pois a referida mostra é “Potência da Pintura”, do artista
plástico paraibano Antonio Dias, que está na Fundação Iberê Camargo até 18 de
maio. Vimos obras deste craque da arte contemporânea em dois momentos quando
estivemos no Rio de Janeiro em 2013: na grande (e até dispersiva) mostra
coletiva “O Colecionador”, no MAR (Museu de Artes do Rio de Janeiro), no Rio, e
na sucinta (mas bela) exposição "Biografia Incompleta", no MAC (Museu de Arte
Contemporânea), em Niterói, a qual me motivou a escrever sobre à época.
Portanto, a oportunidade de rever Antonio Dias e numa individual na nossa
cidade é um programa dos que consideramos imperdíveis.
De
fato, valeu a pena a visita. Com curadoria do crítico e historiador Paulo
Sergio Duarte, apresenta um recorte da produção mais recente de Dias. São
pinturas e esculturas produzidas entre 1999 e 2011 que revelam os
questionamentos atuais do artista, que se volta com força para as questões
pictóricas do pigmento, do plano e da composição. Porém, não deixando de lado a
ideia de tridimensionalidade (característicos de sua produção dos anos 60 e 70,
mais conhecida pelo público), uma vez que usa elementos da estrutura de objetos
bidimensionais de forma sutil em quadros e esculturas que se descolam do tempo,
do simples “aqui e agora”, reelaborando outra (e talvez improvável) dimensão
temporal. As linhas dos quadros, impositivamente retas, se conjugam entre si
ora para trás, ora para frente, criando duas ou até três “camadas” de tempo,
encaixando-se, sobrepondo-se, desafiando-se umas às outras.
"Gigante dormindo e cachorro latindo" |
No
texto do curador, este questiona com perspicácia o “valor” cronológico da
recentidade das obras de Dias, subjetivando tal aspecto: “O que temos diante de
nossos olhos não é uma acumulação de trabalho, nem a acumulação de um
patrimônio tal como o capital de um portfólio de aplicações nas bolsas de
valores; o que temos é o resultado mais recente de uma luta simbólica entre a
matéria e o pensamento que atravessou muitas brigas até chegar a esse ponto;
esse é o trabalho do artista”.
Criada
na geração de artistas dos anos 50/60 que reelaboraram a maneira de ver a
modernidade e seus ícones: sexo, violência, capitalismo, tecnologia, segregação
político-social, indústria cultural e outros (antevendo, aliás, com olhar
bastante mordaz a pós-modernidade), Antonio Dias segue com seu olhar perspicaz
sobre o funcionamento desequilibrado da sociedade atual – basta verificar o
precário equilíbrio das latas na obra “Duas Torres” (2002), que, embora não
seja brilhante em termos de execução, remete claramente à fácil sujeição dos
seres humanos ao perigo vista nos ataques terroristas do 11 de Setembro.
Em
termos de técnica, são interessantíssimas as texturas e sensações pictóricas
distintas e até díspares (do vermelho-sangue puro à psicodelia hi-tech e a aparência envelhecida). Já
as pequenas esculturas em bronze e cerâmica (“Gigante dormindo e cachorro
latindo” e “O bem e o mal”, por exemplo) dão-nos a verdadeira noção da
vacuidade da era “big brother”: casas
que, sem telhado, abertas à devassidão da privacidade, nos abrigam a espiar as
formas desproporcionais de objetos e seres soltos no vazio e na secura monótona
da vida alheia.
Passado, presente e futuro dialogando em um possível equilíbrio |
Se
tais obras refletem o pensamento crítico de Dias, não poderia faltar o sarcasmo
que marca toda a boa geração de artistas plásticos a qual ele pertence
(leia-se: Rubens Gerchman, Hélio Oiticica, Rogério Duarte e outros). O artista
usa seu humor de maneira mais aguda na obra saborosamente intitulada “Seu
marido”. Embora deslocada do restante da mostra (foi colocada no átrio da
Fundação, inclusive, longe quatro andares das restantes), constitui-se num
retrato divertido e crítico do homem contemporâneo. Trata-se de um boneco cujas
formas de cabeça, pernas, braços, tronco e rabo (?!) se indistinguem: todas
repetem o mesmo formato de uma espécie de bastão amarelo e peludo.
Aparentemente apático, de tempos em tempos o “bicho” desperta, sacudindo-se
todo de forma patética e despropositada por alguns instantes, até que volta
àquela insossa imobilidade inicial.
Seria
este sacolejo estúpido o único movimento possível da defasada figura do macho
doméstico nos dias de hoje? Forte suposição. Com meu respeito a todas as
senhoras: qualquer semelhança conceitual (e, quem sabe, até corpórea...) com
seus homens de dentro de casa não é mera coincidência.
SERVIÇO:
exposição:
"Antonio Dias – Potência da Pintura"
onde:
Fundação Iberê Camargo (Av. Padre
Cacique, 2000 – Porto Alegre/RS)
até:
18 de maio de 2014
horário:
terça a domingo, das 12h às 19h, quintas até as 21h (entrada gratuita)
Curadoria:
Paulo Sergio Duarte
texto Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa
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