Cruzou o portão, saindo da escola com um indisfarçável orgulho. "Essas crianças tem cada uma", pensava rindo para si mesma. Mas agora tinha que se apressar, tinha menos de quinze minutos para chegar no trabalho. Dando-se conta da hora, apressou o passo em direção ao carro,porém, não pôde deixar de deter-se pelo comentário de uma senhora idosa, sentada no ponto de ônibus:
- Parabéns, muito bonitas as meninas.
- Obrigado, mas... a senhora quis dizer a menina - corrigiu a mãe.
- Não, as duas que entraram com a senhora, dona. De mãos dadas. São suas filhas, não? - tentou confirmar a velha.
- Desculpe - agora um tanto embaraçada - mas eu entrei apenas com uma menina, a minha filha. Uma menina de casaquinho cor-de-rosa. De que outra a senhora está falando?
- A de preto. A que segurava o balão vermelho. A bola de ar. Não era sua filha?
- Balão? Não... quero dizer... eu não vi ninguém entrar conosco... digo, comigo e com... - fechou os olhos, então já bastante confusa e um tanto, até perturbada, tentou pôr os pensamentos em ordem e prosseguiu - Desculpe, minha senhora, deve ter havido algum engano. Eu entrei apenas com uma criança. A senhora me desculpe mas eu estou um pouco atrasada. Tenha um bom dia.
- Desculpe, moça - disse a velhota - eu devo ter enxergado mal. Minhas vistas já não estão grande coisa - completou a velha com um ar enigmático no rosto.
A mãe então seguiu em direção ao carro, entrou e saiu para o trabalho não sem carregar consigo uma estranha sensação. Algo indefinível, mas que permaneceu com ela o dia inteiro.
O sentimento ruim durou a tarde inteira até o momento em que o telefone tocou, ali pelo meio da tarde. Era da escola da filha. Pediam que fosse urgentemente para lá.
A menina havia caído da casa-da-árvore do parquinho. Sentiam muito. Não puderam fazer nada.
Naquele final de tarde, depois dos gritos, da correria, do choque, da chegada da polícia, da ambulância, da mãe, do recolhimento do corpo, da perícia, do isolamento da área e de todos os envolvimentos acerca do trágico acontecimento, o silêncio do pátio da escola atestava a tristeza . A morbidez do momento contrastava brutalmente com o colorido dos brinquedos e com a presença de um balão vermelho, flutuando, amarrado por um barbante, à árvore de onde a menina caíra.
Na frente da escola, uma senhora muito velha saía caminhando de mãos dadas com uma garotinha vestida de preto.
Cly Reis
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