URBANA LEGIO
OMNIA VINCIT
(Legião Urbana a tudo vence)
Mesmo em meio à explosão do rock
nacional da metade dos anos 80, podia-se notar que a Legião Urbana
tinha algo de diferente. Ainda que tenham sido elevados quase que
imediatamente a uma espécie de papel de porta-vozes de uma geração,
pelas letras engajadas, políticas, sociais, as mesmas não se
limitavam à mera convocação ao levante popular ou a um niilismo
juvenil, mostrando diferenciais intelectuais e estruturais de seu
principal compositor, Renato Russo; e mesmo as mais pessoais, por sua
vez se destacavam do lugar comum, saindo do tradicional modelo
intimista- apaixonado-desesperado com uma poesia muito peculiar,
elaborada e de qualidade. Na parte instrumental, embora não se
destacassem tecnicamente por virtuosismos instrumentais individuais,
compensavam isso por uma solidez sonora, competência, doses
equilibradas de agressividade e lirismo.
“Legião Urbana”, seu
primeiro trabalho de 1985, é um tanto cru ainda, meio tosco em alguns momentos, mas essa pureza
talvez seja interessante para que se perceba o verdadeiro espírito
da música do grupo que nunca foi abandonado mesmo em trabalhos
posteriores mais elaborados e sofisticados.
“Será”, não só faz as honras de
abertura do disco como é a responsável por apresentar a banda ao
Brasil, mostrando muitas das marcas que o grupo levaria consigo ao
longo de sua trajetória. Num punk-rock bem trabalhado que fundia
brilhantemente questões pessoais com um âmbito mais amplo, abraçando
dúvidas e anseios coletivos, Renato Russo, como voz e representante,
aproximava-se de maneira muito íntima e solidária de seus
interlocutores, e começava a criar grande parte da empatia e
liderança que viria a exercer sobre seus fãs.
Segunda faixa do álbum, a embalada “A
Dança”, é uma pedrada numa juventude vazia, sem interesses,
valores ou expectativas, conduzida com competência pelo baixo de
Renato Rocha, o melhor instrumentista da banda, que deixaria a banda em seguida. Se “O Petróleo do Futuro”, a terceira, é um exemplar mais
característico do punk de Brasília do início dos anos 80, mais
tosca, pesada e agressiva; “Ainda é Cedo”, requintada e limpa,
talvez seja o momento de maior maturidade sonora da banda até então para um primeiro disco, numa canção de amor, desentendimento e
despedida, interpretada de forma esplêndida por Renato Russo. O
disco segue com “Perdidos no Espaço”, canção de amor apenas
interessante e de estrutura esquisita em determinados momentos; e
com “Geração Coca-Cola”, um daqueles hinos instantâneos, ainda
mais naquele contexto pós-militarismo clamoroso por democracia, um
autêntico manifesto punk, agressivo e indignado, mas gritado com
muito mais inteligência, vocabulário e recursos que o punk paulista suburbano, por exemplo, que sempre fez aquilo, verdade seja dita, mas de
forma tão primária que muitas vezes caía no
folclórico.
Em “O Reggae”, como o título já
faz supor, a banda explora o tradicional ritmo jamaicano, e Renato
Russo nos dá a primeira mostra de sua capacidade de desenvolver
histórias musicais, no que mais tarde ficaria célebre em "Eduardo e Mônica" e “Faroeste Caboclo”, descrevendo aqui uma trajetória
anunciadamente trágica, desde o berço até a crueldade das ruas. Em
“Baader-Meinhof Blues”, o vocal conduzido levemente por Renato
Russo contrasta com a letra pesada e irônica sobre violência; e
igualmente impactante é a pessimista “Soldados”, com sua batida
marcial e teclado melancólico.
O espetacular punk-rock “Teorema”,
de letra extremamente bem concebida, encaminha o final do disco de
forma absolutamente empolgante, especialmente no fraseado de guitarra de introdução para o refrão e no improviso vocal final, extático,
histérico, espontâneo e inspirado de Renato Russo. E se por um
momento o ouvinte vem a pensar que não poderia haver um
encerramento melhor do que aquele notável epílogo que acabara de ouvir, vem então a belíssima “Por Enquanto”, uma melancólica
canção de amor, que apenas com uma flutuante base de teclado desenvolvida sobre uma batida eletrônica quebra toda a energia beligerante do álbum e, aí sim, se despede do ouvinte com o sugestivo e
inesquecível verso “estamos indo de volta pra casa”. Um final perfeito.
Estava feito: com a quele primeiro
álbum a Legião Urbana era conhecida. O mito estava começando a
surgir. O sucesso, mito, a idolatria, a identificação, a comoção... O resto da história todo mundo conhece.
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FAIXAS:
1. "Será" (D. Villa-Lobos/M. Bonfá /R. Russo) 2:30 2. "A Dança" (D. Villa-Lobos/M. Bonfá/R. Russo/R. Rocha) 4:01
3. "Petróleo do Futuro" (D. Villa-Lobos/R. Russo) 3:02
4. "Ainda É Cedo" (D. Villa-Lobos/I. Ouro Preto/M. Bonfá/R. Russo) 3:57
5. "Perdidos no Espaço" (D. Villa-Lobos/M. Bonfá/R. Russo) 2:57
6. "Geração Coca-Cola" (R. Russo) 2:22
7. "O Reggae" (R. Russo/M. Bonfá) 3:33
8. "Baader-Meinhof Blues" (D. Villa-Lobos; M. Bonfá; R. Russo) 3:27
9. "Soldados" (M. Bonfá/R. Russo) 4:50
10. "Teorema" (D. Villa-Lobos/M. Bonfá/R. Russo) 3:06
11. "Por Enquanto" (R. Russo) 3:16
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Ouça:
Cly Reis
Um belo texto,me deu vontade de ouvir o álbum.
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