Mal entrou na garagem do prédio onde
trabalhava e deu de cara com aquela frase no capô dianteiro do seu
carro: “LAVE-ME, POR FAVOR!”.
- Eu só queria saber quem foi o babaca
que fez isso – praguejou entre os dentes para si mesmo e entrou no
carro que, por sinal, não estava nem perto do que poderia se chamar
de limpo.
Mas enfim, rumou para casa e esqueceu o assunto.
No dia seguinte, surpreendeu-se ao
deparar-se com uma nova inscrição acrescentada à anterior, que, diga-se de passagem, nem se
dera ao trabalho de apagar. Desta vez a pichação na poeira dizia:
“FUI EU.”
Seria aquilo uma resposta à pergunta
que fizera no dia anterior? Se era, o engraçadinho estava na garagem
o observando. Provavelmente estava agora novamente.
Olhou em volta tentando localizar
alguém atrás dos pilares da garagem e falou alto o suficiente para
que quem estivesse por ali pudesse ouvir:
- Sai daí, ô babaca! Não tem mais o
que fazer, não?
Não percebendo movimento nem resposta,
insistiu:
- Não tem coragem de assumir o que
faz, né, ô idiota.
De repente, por um momento teve a
impressão de estar sendo traído pelos próprios olhos mas o que via
era real. No capô do carro, logo abaixo das duas inscrições
anteriores, se escrevia como se um dedo traçasse na poeira, a frase,
“EU MESMO. SEU CARRO.”
Tomou um susto. Correu os olhos ao
redor procurando algo. Algo invisível. Pensou em fantasmas,
assombrações, maus espíritos. Só conseguiu exclamar:
- O que que tá acontecendo aqui?
O que foi respondido pela pena
invisível sobre o capô empoeirado com a frase “Lave-me, por
favor. Estou imundo.”
Pela primeira vez desde o primeiro
momento de susto, dava margem à improvável possibilidade de que...
o carro se comunicava com ele. Não! Impossível!
- É você, mesmo? Meu carro? -
perguntou hesitante para aquele automóvel ali parado, não
conseguindo evitar de sentir-se um pouco idiota. Mas viu a resposta
escrever-se, novamente, assim como as outras, no metal poeirento do
carro.
- “SIM”.
Sim, o carro comunicava-se com ele.
Escrevia. Escrevia na sujeira da lataria. Ficou tomado de uma alegria
infantil por um momento mas logo pensou na solicitação feita por
seu próprio veículo.
- Mas se eu te lavar você não vai ter
mais como falar comigo... - praticamente lamentou.
E viu então formar-se uma frase um
pouco mais longa no pouco espaço que ainda restava na lataria da
tampa do motor:
“EU SEMPRE ARRANJAREI UMA MANEIRA DE
FALAR COM VOCÊ.”
Visivelmente emocionado, entrou no
carro, girou a chave e dirigiu-se a um lava jato, onde observou cada
fase do processo de limpeza como se apreciasse o banho um mascote.
Levou o carro para casa, entrou na
garagem do condomínio, estacionou, saiu do veículo e como se
dirigindo a um filho deu “Boa noite” antes de subir as escadas
que levavam a seu apartamento.
No dia seguinte encontrou o carro lá.
Lindo, Brilhante. Reluzente. Lamentou que não houvesse poeira para
que o amigo lhe “falasse” alguma coisa. Sua frustração, no
entanto, logo foi desfeita quando no pára-brisa dianteiro, subitamente
embaçado sem motivo aparente, com uma delicada caligrafia, viu-se
escrever apenas duas palavras: “BOM DIA!”.
Cly Reis
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