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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

cotidianas #331 Especial Dia das Bruxas - Espantalho




- Ei, Earl – saudou o velho Hank adentrando o portão da propriedade dos McLennan.
- Ah, como vai, seu bode velho? - retribui o cumprimento.
- Com certeza melhor do que você, seu estrume de vaca
Os vizinhos de rancho sempre tratavam-se daquela maneira falsamente rude, típica de homens que na verdade tem grande apreço um pelo outro mas que procuram disfarçar o carinho com palavras indelicadas.
Assim que Hank aproximou-se e subiu os degraus do alpendre, Earl recebeu o amigo estendendo-lhe a mão, reafirmando a pergunta, agora em tom verdadeiramente cordial:
- Bom dia, Hank, como vão as coisas?
- Vão indo, Earl, vão indo. E por aqui?
- Não posso me queixar. A fazenda está em ordem, vamos começar a colheita. Consegui um bom preço pela produção deste ano.
- Isso é bom – comentou Hank brevemente, logo complementando – A propósito, foi uma boa providência a sua de botar um espantalho. Essas pragas desses bichos não deixam meu milharal em paz, também.
- Espantalho? - estranhou o dono da fazenda.
- É, aquele ali – disse Hank apontando para um espantalho que se via ao longe no meio da plantação, elevado do chão como que dependurado, com o enxerto saindo excessivamente pelas mangas da camisa xadrez e com uma enorme cabeça de abóbora, coberta por um largo chapéu de palha todo desfiado, pendendo mórbidamente para o lado.
- Mas eu... Não fui eu quem colocou aquele espantalho lá – afirmou o fazendeiro, desconfiado.
- Ah, devem ter sido as crianças, Earl. Esses meninos são umas peças, mesmo -e riu.
- É, deve ter sido. Devem ter sido... eles – confirmou, meditabundo, sem muita convicção.
Hank, no entanto, interrompeu o devaneio do amigo para advertir:
- Mas tome cuidado para que os meninos não vão muito longe, mesmo dentro da sua propriedade, Earl. Não viu o que andou acontecendo no Lago Rocks? Parece que um doido desses, um psicopata, andou fatiando um grupo de jovens que acampava na cabana da colina. Parece que usou uma foice ou algo parecido. Desgraçado! Se eu pego um desses malucos pela frente, ele ia saber do que velho Hank é capaz. Ah, ia.
A conversa cessou por um momento e os dois ficaram em silêncio olhando para a plantação, provavelmente pensando, ambos, na loucura em que o mundo se transformara e coisas do tipo, até que Hank interrompeu:
- Mas já vou indo, Earl – disse batendo com a mão na própria coxa - Tenho que ir à cidade comprar ração pras galinhas. Você quer alguma coisa da loja do Bob?
- Não, não. Eu estou bem aqui. Só diga pr'aquele safado do Bob lavar aquele rabo sujo que eu estou sentindo o cheiro daqui.
A piada arrancou uma risada de Hank que já descia a pequena escada da varanda e seguia em direção à porteira.
Até que o amigo mencionasse, não havia lembrado dos filhos naquela manhã. Earl deu-se conta então que ainda não tinha ouvido movimentação das crianças no quarto de cima. Àquela hora já costumavam estar acordados. Resolveu então subir para tirá-los da cama. Antes de entrar na casa lançou um último olhar para a plantação. Sim, tinha orgulho dela. Que beleza.
Mas havia algo... O espantalho que Hank lhe mostrara não estava mais lá. Estranho.
Ora, devia ter caído do pedaço de pau que o mantinha em pé. Por certo.
Deu de ombros, abriu a porta e entrou na casa encaminhando-se para a escadaria que dava para o andar de cima. Estranhou aquela palha no chão. Fazia uma espécie de trilha que seguia escada acima.
Ouviu um barulho.
Teriam acordado?
Com um sentimento que não saberia descrever naquele momento, ainda na parte de baixo da escada, o fazendeiro, olhando para cima, para a porta do quarto, chamou:
- Crianças?



Cly Reis

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