- Ei, Earl – saudou o velho Hank
adentrando o portão da propriedade dos McLennan.
- Ah, como vai, seu bode velho? -
retribui o cumprimento.
- Com certeza melhor do que você, seu
estrume de vaca
Os vizinhos de rancho sempre
tratavam-se daquela maneira falsamente rude, típica de homens que na
verdade tem grande apreço um pelo outro mas que procuram disfarçar
o carinho com palavras indelicadas.
Assim que Hank aproximou-se e subiu os
degraus do alpendre, Earl recebeu o amigo estendendo-lhe a mão,
reafirmando a pergunta, agora em tom verdadeiramente cordial:
- Bom dia, Hank, como vão as coisas?
- Vão indo, Earl, vão indo. E por
aqui?
- Não posso me queixar. A fazenda está
em ordem, vamos começar a colheita. Consegui um bom preço pela
produção deste ano.
- Isso é bom – comentou Hank
brevemente, logo complementando – A propósito, foi uma boa
providência a sua de botar um espantalho. Essas pragas desses bichos
não deixam meu milharal em paz, também.
- Espantalho? - estranhou o dono da
fazenda.
- É, aquele ali – disse Hank
apontando para um espantalho que se via ao longe no meio da
plantação, elevado do chão como que dependurado, com o enxerto
saindo excessivamente pelas mangas da camisa xadrez e com uma enorme cabeça de abóbora,
coberta por um largo chapéu de palha todo desfiado, pendendo
mórbidamente para o lado.
- Mas eu... Não fui eu quem colocou
aquele espantalho lá – afirmou o fazendeiro, desconfiado.
- Ah, devem ter sido as crianças,
Earl. Esses meninos são umas peças, mesmo -e riu.
- É, deve ter sido. Devem ter sido...
eles – confirmou, meditabundo, sem muita convicção.
Hank, no entanto, interrompeu o
devaneio do amigo para advertir:
- Mas tome cuidado para que os meninos
não vão muito longe, mesmo dentro da sua propriedade, Earl. Não
viu o que andou acontecendo no Lago Rocks? Parece que um doido
desses, um psicopata, andou fatiando um grupo de jovens que acampava
na cabana da colina. Parece que usou uma foice ou algo parecido.
Desgraçado! Se eu pego um desses malucos pela frente, ele ia saber
do que velho Hank é capaz. Ah, ia.
A conversa cessou por um momento e os
dois ficaram em silêncio olhando para a plantação, provavelmente
pensando, ambos, na loucura em que o mundo se transformara e coisas
do tipo, até que Hank interrompeu:
- Mas já vou indo, Earl – disse
batendo com a mão na própria coxa - Tenho que ir à cidade comprar
ração pras galinhas. Você quer alguma coisa da loja do Bob?
- Não, não. Eu estou bem aqui. Só
diga pr'aquele safado do Bob lavar aquele rabo sujo que eu estou
sentindo o cheiro daqui.
A piada arrancou uma risada de Hank que
já descia a pequena escada da varanda e seguia em direção à
porteira.
Até que o amigo mencionasse, não
havia lembrado dos filhos naquela manhã. Earl deu-se conta então
que ainda não tinha ouvido movimentação das crianças no quarto de
cima. Àquela hora já costumavam estar acordados. Resolveu então
subir para tirá-los da cama. Antes de entrar na casa lançou um
último olhar para a plantação. Sim, tinha orgulho dela. Que
beleza.
Mas havia algo... O espantalho que Hank
lhe mostrara não estava mais lá. Estranho.
Ora, devia ter caído do pedaço de pau
que o mantinha em pé. Por certo.
Deu de ombros, abriu a porta e entrou
na casa encaminhando-se para a escadaria que dava para o andar de
cima. Estranhou aquela palha no chão. Fazia uma espécie de trilha
que seguia escada acima.
Ouviu um barulho.
Teriam acordado?
Com um sentimento que não saberia
descrever naquele momento, ainda na parte de baixo da escada, o
fazendeiro, olhando para cima, para a porta do quarto, chamou:
- Crianças?
Cly Reis
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