Aquele cara comum, absolutamente comum, ficou simplesmente embasbacado quando aquela mulher fantástica, linda, de formas estonteantes sentou-se à sua frente naquela mesa de lanchonete, afinal não era acostumado a que mulheres lhe dessem alguma bola, quanto mais uma daquelas. O que aquele monumento poderia querer na mesa dele? Provavelmente o confundira com alguém.
Mas ela sentara e permanecera ali. Encarando-o com insistência.
Após um curto momento de silêncio no qual ficou questionando para si próprio a que devia tamanha sorte, ou se aquilo seria alguma sacanagem de um colega da faculdade, brincadeira de programa de TV ou algo do tipo, ficou mais intrigado ainda quando a loira de olhos incrivelmente azuis disparou:
- E então?
- E então o quê? - respondendo à pergunta com outra pergunta, verdadeiramente confuso.
- Você me chamou. - respondeu um tanto evasivamente deixando espaço para que o rapaz pensasse.
- Eu chamei?
O olhar penetrante daqueles olhos profundamente azuis combinado com uma insinuante erguida de uma das sobrancelhas tratou de esclarecer a situação.
- É você? - perguntou verdadeiramente espantado o garoto apesar de já ter a resposta - Mas eu achei que fosse...
- Um homem - completou a loira interrompendo-o - Eu assumo muitas formas: mulher, homem, serpente, fogo, árvore.
- Desculpe, mas é que você me deixou um pouco... É que assim está... lindo... linda.
- Viu, o Diabo pode não ser tão feio quanto parece. - e riu da própria graça.
- Não esperava que fosse assim, aqui.
- Podia ser em qualquer lugar. Quis que fosse bem casual. Pra você ficar mais relaxado. Mas vamos lá, - mudando o rumo da conversa - o que é que vai ser?
- Como assim?
- O que você quer de mim? Para que me chamou? Em que posso ajudá-lo? - quis saber a loira.
- O de sempre: fama, dinheiro, mulheres.
- Bom, - fez uma pausa - vou te dar a fama. O dinheiro e as mulheres ficam por sua conta. Pode estar certo, vão vir naturalmente.
O rapaz assentiu com satisfação mas logo em seguida desfez o sorriso e completou:
- Mas pra você? O que que vai ser?
- O de sempre. Você sabe.
- Sim. Já imaginava. Sem problema. Não vale muita coisa.
- Pode não valer agora que você é ninguém, mas pode ter certeza que vai valer muito quando o mundo estiver atrás de você. É bom pensar bem, porque quando eu voltar pra cobrar, eu quero. E aí não tem volta... - deixou a frase aberta esperando resposta do rapaz.
- Eu tenho certeza do que quero. Tenho certeza do que estou fazendo.
- Tá bom - disse o mulheraço pegando um guardanapo, anotando alguma coisa e logo em seguida arrastando-o na mesa para o lado do carinha. - Esse é o nome que vai usar daqui pra frente.
O rapaz olhou e pela expressão deu a entender que gostara do batismo.
- Estamos fechados? - quis garantir a moça.
- Fechados. Mas, só como curiosidade, - emendou - posso saber o que pretende fazer com tantas?
- Almas?
Ele assentiu com a cabeça.
- Ah, eu estou preparando algo grande. Grande mesmo. - explicou mal conseguindo disfarçar a satisfação.
À pequena exultação daquela divindade seguiu-se um breve novo momento de silêncio que foi oportunamente quebrado pelo rapaz:
- Bom, acho que era isso...
- Pois é - concordou a mulher - Tenho que ir. Tenho muitas coisas pra fazer. Você nem faz ideia - repetindo o intrigante levantar de sobrancelha.
Levantou-se e dirigiu-se à saída num andar serpenteante absolutamente hipnótico que o rapaz acompanhou atentamente virando o pescoço do lugar onde estava para poder acompanhar todo o percurso daquela deusa até a porta.
Depois disso permaneceu por mais algum momento na mesa ainda repassando mentalmente o que acabara de acontecer. Pegou o guardanapo de papel da mesa e saboreou seu novo nome mais uma vez. Um dia todos o conheceriam. Todos saberiam quem era. Sorriu para si mesmo, deixou o dinheiro para pagar o café que tomara, pensou em levar a anotação da mulher, mas deixou na mesa aquele documento informal que trazia seu novo batismo. Não tinha necessidade de levá-lo. Não esqueceria seu novo nome. O nome que o mundo inteiro conheceria e respeitaria. Em breve.
Com um sorriso bobo no rosto, também dirigiu-se à porta de saída e, na rua, perdeu-se entre os tantos na multidão da cidade.
No bar, a garçonete chegou até a mesa, recolheu a xícara, passou um pano, pegou o dinheiro e o lixo. Notou que um dos guardanapos trazia um nome escrito. Não lhe dizia nada. Não conhecia ninguém com aquele nome. Amassou o pedaço de papel e o colocou junto com os outros sujos na bandeja.
Cly Reis
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