O labirinto, as pedras, a areia, as
cores, o talismã devo admitir que depois de tudo passado, para
nenhum deles tenho uma explicação lógica. O que posso afirmar,
não, porém, com muita certeza, é que todos eles fazem parte do
Livro. Agora, diante dele, deste objeto de fascínio e pavor, percebo
que desde sempre todas as coisas fizeram parte dele e ele de todas
elas, por igual. Com curiosidade voraz, passo os olhos com a rapidez
mercurial pelas linhas para em nada fixar-me em especial e ao mesmo
tempo nenhum detalhe deixar de absorver e de repente estanco e
estarreço-me com uma passagem que me parece então mais reveladora
do que tudo o que tinha-me sido revelado até então. “Naquele
momento, o homem que em nada cria, passadas as agruras em meio ao
labirinto, diante do Livro, que se-lhe apresentava mais do que nunca
fascinante e apavorante, admitia para si mesmo que nada entendia: o
próprio labirinto, as pedras, o talismã, e como se com a sabedoria
suprema tivesse sido premiado naquele instante, entendia que tudo era
o Livro e o Livro era tudo, e que nele estavam contidas todas as
coisas, porque desde sempre as guardara em si.”. A revelação de
ser parte de um tempo que ainda se escrevia ao mesmo tempo que
acontecia perturbou-me sobremaneira e vi-me confuso na dúvida entre
agir de alguma maneira para que aquele presente continuasse sendo
escrito ou descobrir algumas páginas à frente como as coisas viriam
a acontecer. Descobri assim que o presente é passado e que o passado
nada mais é do que o que está por vir. Como? Passei corajosamente
algumas folhas, determinado a saber meu destino e com quase
programada casualidade, deti-me por fim, em uma aleatória e pousei
meu indicador sobre uma linha que trazia escrito o que segue: “...
sequioso por ver desvendado o destino que o aguardava o homem, no
centro do labirinto, folheou o Livro com decisão e desassombro,
quedando-se, por fim, no seguinte trecho: “E saindo de um dos
corredores, o homem que em nada cria, viu-se numa espécie de câmara
central, donde desembocavam os diversos braços daquela construção
diabólica feita para ludibriar os sentidos dos homens. Ali, no
centro, em uma espécie de púlpito de pedra, encontrou um livro, uma
publicação sem dúvida muito antiga, diria mais antiga que a
escrita dos próprios homens até. Subiu o degrau que o separava do
pequeno pódio e pousou-se diante da publicação que encontrava-se
aberta em uma página que, muito brevemente descobriria não ser uma
página qualquer. Pôs-se a lê-la num misto de fascínio e pavor de
um ponto qualquer na página e na breve leitura de algumas linhas
teve para si revelado muito mais do que havia-lhe sido revelado até
então.” ".
Cly Reis
(para Borges)
Com todo respeito a Borges, que sei que o próprio Clayton o teve, este pequeno conto intenta estar à altura do mestre. Muito bonito, antes de mais nada. Literatura na essência. Parabéns.
ResponderExcluirNão, não. Sem falsa modéstia, até porque não a tenho, agradeço pelo elogio mas acredito que, por alguma qualidade que o texto possa ter exibido, tenhas-te deixado levar por algum entusiasmo. Bom que gostaste do conto mas nunca estará à altura do inspirador. É acima de tudo um exercício estilístico, uma utilização dos elementos comuns DE Borges num quase-conto que pretende ser bem inconclusivo, mesmo. Não existiria tal como é sem os elementos tradicionais da literatura do autor com os quais 'brinco' (labirinto, espaço, tempo, livros místicos, etc.). É a tal da história do ovo e da galinha: minha galinha nunca teria exstido se não fosse o ovo-Borges e, não tendo escapatória, se for considerar o meu conto o ovo, a galinha que o pôs foi ele também. O maior elogio foi o de, reconhecida alguma qualidade, não tê-lo descaracterizado, ofendido, caricaturado. Por isso, por ter despertado uma impressão tão entusiasta num leitor tão exigente e por um resultado final minimamente satisfatório, já dou-me por feliz. Obrigado.
Excluir