Di Melo com todo seu gogó e suingue em Porto Alegre
foto: Daniel Rodrigues
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"Dos deuses o final de semana em
Porto Alegre.
Mui-alegremente.
‘Unificando público e banda’, foi
resplandescente...
deu liga, deu encaixe, foi uma festa in-dis-crê-vente.
Uma
banda formada de mágicos músicos locais com a mesma proposta.
Nunca nos vimos e
tocamos como se estivéssemos tocando durante longos anos.
Fica provado que a
linguagem musical e a linguagem do amor são universais.
Que gratificante, meu
Deus!"
Di Melo
Banda afiada acompanhando
o craque pernambucano
foto: Daniel Rodrigues
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Se como o próprio diz, “para o
imorrível, nada é impodível”, um acontecimento raro e inédito envolvendo
ele aconteceu na minha Porto Alegre. O “ele” a quem me refiro é o mestre do pop-soul brasileiro Di Melo, que aterrissou em terras gaúchas nunca d’antes por ele exploradas
com seus contagiantes suingue, simpatia e talento. Num memorável e descontraído
show na quadra da escola de samba Bambas da Orgia lotada dentro da festa
conjunta “Voodoo” e “Cadê Tereza?”, o cantor e compositor pernambucano mandou
ver em clássicos do seu mítico LP de 1975 (recentemente listado por mim entre
os ÁLBUNS FUNDAMENTAIS aqui no ClyBlog) e outras canções próprias que me impressionaram tanto quanto às que já conhecia.
Di Melo no palco e nós assistindo
ali, na primeira fila, ao centro do palco. (acharam?)
foto: Ariel Fagundes
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Di Melo estava acompanhado da cozinha da banda gaúcha Ultraman mais
dois sopros, que, admiradores de sua obra, sabiam de cor todas as faixas a
ponto de nem precisarem ensaiar bastante para o conjunto soar super bem. No centro
do palco, o protagonista, um senhor de 66 anos com certa protuberância
abdominal e de feições tipicamente nordestinas que mantém o mesmo estilão, o
mesmo groove e o mesmo poder vocal de quando lançou seu primeiro álbum, 40 anos
atrás – até a boina de couro com a qual estampa a capa de “Di Melo”, quando ainda
magro e jovem, é igual. Exatamente na frente de seu microfone, na primeira
fileira, Leocádia e eu vimos com clareza todo o show, começando pela arrasadora
“Kilariô”, seu grande sucesso, que abriu a apresentação pondo todos para cantar
e dançar sob aquele fantástico jazz-funk
de ares caribenhos. Na sequência, outros dois funks clássicos e cheios de molho da mesma época: “Aceito Tudo” e
“Se o Mundo Acabasse em Mel”, esta última, bastante gostada pelo público.
Di Melo mandando ver
no funk
foto: Leocádia Costa
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Entre os temas para mim inéditos (Di Melo tem outros nove CD’s
independentes), “Engano ou Castigo” foi a primeira apresentada. Um belo pop-rock romântico. Igualmente
brilhantes, “Milagre”, balada soul
belíssima que podia, como disse o próprio Di Melo, ser gravada por Tim Maia se
este estivesse vivo; e “Fator Temporal”, com a tradicional poesia afiada de Di
Melo, um funk sensual puxado no qual
faz um jogo com terminações de palavras ("Tudo
que me satisfaz é ter seu corpo desnudo/ Nudo/ Teus contornos iniguais me
enlouquecem, vou fundo/ Fundo..").
O bailarino que encantou a
plateia com seus passos
foto: Leocádia Costa
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Ele volta no tempo novamente para trazer as suingadas “Minha Estrela” e
“Pernalonga”, incendiando a quadra. Com disco novo a ser lançado este ano, Di
Melo adiantou ao público porto-alegrense algumas faixas, entre estas
“Diuturno”, com versos que sintetizam várias ocasiões do dia a dia,
corriqueiras ou não, num encadeamento maravilhosamente literário. Ainda por
cima, este funk-rock traz brilhantes riff e arranjo, que a faz ir ganhando
volume até encerrar grandiosamente. Das melhores do show e que já dá uma noção
da maravilha que vem por aí no novo CD. Outra que conterá no próximo trabalho
também executada é o samba-rock “Barulho de Fafá”, que me lembrou bastante os
também pernambucanos Mundo Livre S/A. Esse momento foi especial no show pois,
além de ser mais uma ótima música, contou ainda com a repentina participação de
um lindo bailarino e cantor estilo black
rio, elegantemente trajado de fatiota de linho bege e um chapéu coco
vermelho, que subiu ao palco não apenas para encantar a plateia com seus passos
deslizantes e tomados de malemolência, mas, ainda, mandar um rap de improviso totalmente
dentro da harmonia. Di Melo e o público o aplaudiram.
O convidado articulando
um rap com Di Melo
foto: Leocádia Costa
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Essa ponta foi mostra da interação entre Di Melo e o público. Ele
demonstrava felicidade por estar ali, cumprimentando e se reportando com a
galera, inclusive com este que vos fala mais de uma vez. Fez até poesia de
improviso, dizendo: “Porto Alegre, te amo
alegremente”. Acontece que ele sabe muito bem que essa fase lhe é especial,
uma vez que sua redescoberta, ocorrida anos atrás com mais de 30 anos de
defasagem, tem lhe proporcionado um novo estrelato junto ao público jovem. Mais
uma obra resultante do momento atual é a cortante “Navalha”, um soul-rock de letra igualmente bem
sacada. Nesta, a performance, tanto
dele quanto da Ultraman, foram ótimas. Já “Kiprocô de Patrono”, outro samba-rock,
este escrito em homenagem a Chico Buarque, está presente em um dos seus discos independentes (“Sons, sensações, sambas e tesões”) e no qual parafraseia inteligentemente o riff do clássico samba “Brasileirinho”.
Set list e a pulseira da festa
foto: Daniel Rodrigues
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Seu outro grande sucesso, “A Vida em Seus Métodos Diz Calma”, ficou
guardada para o fim, contagiando todo mundo antes de “Kilariô” ser tocada
novamente como bis e finalizar o belo show. O primeiro de Di Melo em Porto
Alegre, quatro décadas depois de lançado seu disco de estreia e pelo qual ficou
mundialmente conhecido quando DJ’s ingleses e o selo norte-americano de jazz Blue Note recapturaram sua obra nos anos 90. O Brasil só fez ir atrás. Ainda
bem. Antes tarde do que nunca, pois, pelo visto, este retorno de Di Melo, gravando
disco novo em São Paulo – o que se presume estar sendo feito com a devida
estrutura –, está no nível que ele merece pelo artista referencial que é.
A noite continuou lá dentro da quadra dos Bambas, mas não havia mais
porque permanecermos. O show era o que queríamos ver. Antes de sair,
entretanto, pedi ao roadie
o papel com o set list. Ele pegou
para mim justo o que ficava no pé de Di Melo, o qual, junto com a
pulseirinha da festa (que traz a sábia frase da canção: “A Vida em seus métodos diz calma”), guardei como um amuleto. Com
tudo isso, fui para casa pensando: será que, por obra de alguma magia, quem ficou
com um registo físico do show, assistiu-o tão de perto e chegou até a apertar a
mão de um imorrível se torna imorrível também?
trecho do show: "Kilariô" - Di Melo
por Daniel Rodrigues
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