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sábado, 8 de agosto de 2015

The Fall – Manchester Cathedral – Manchester / Inglaterra


3x The Fall
por Fabrício Silveira


Mark E. Smith no palco
Mark E. Smith não envelheceu como um astro do rock. Envelheceu como um trabalhador comum, numa família suburbana. O modo como se veste tem um aspecto atemporal. É anacrônico. O corte de cabelo, os fortes sulcos no rosto, o ar embriagado e o relógio de pulso lhe dão a aparência de um tio distante, morador de alguma pequena cidade, no interior do estado. Com ele, o tempo parece dobrar-se, rodopiando, fazendo-se sentir apenas parcialmente, deixando muita coisa intacta. Impressiona o fato de que o The Fall ainda tenha público, depois de mais de 35 anos de estrada, experimentações e incessantes trocas de formação.
Em cinco semanas – em pouco mais de um mês, portanto –, fui a três shows da banda, na turnê de lançamento do álbum “Sub-Lingual Tablet” (Norman Records, 2015). Foram três cidades diferentes: Londres, Liverpool e Manchester, esta última, na catedral ecumênica. Dentre os shows que vi, foi o melhor, sem dúvida nenhuma. Uma verdadeira comunhão pós-punk. Havia mais público do que em Liverpool. Havia mais jovens e mais mulheres. Havia também uma expectativa e uma empolgação muito maiores. É uma audiência adulta, majoritariamente, de senhores acima dos 50 anos de idade, que se divertem como crianças no mosh pit, na roda de pogo.
E tivemos a performance usual de Mr. Smith, falando quase o tempo todo, utilizando dois ou três microfones, às vezes simultaneamente. A conversação começa, acelerada, antes mesmo de subir no palco. Não raro, durante o espetáculo, retira-se da vista de todos, esconde-se atrás das caixas de som, volta aos camarins, deixando-nos apenas o sermão incessante, feito de longe, na cadência da música.
Capa do novo disco,
"Sub-Lingual Tablet"
Ele costuma caminhar de um lado a outro, importuna os colegas de banda, empurrando-lhes. Deliberadamente, mexe com as regulagens dos amplificadores, chuta os pedais de efeitos, intromete-se na execução das canções, quer se apossar dos instrumentos. Desvia a atenção dos músicos, pedindo-lhes para que cantem em seu lugar. Quando lhe parece apropriado, agride os pratos da bateria. Marca o ritmo batendo nas próprias pernas. Morde-se. Faz caretas. Busca um pouco mais de caos. Entrega um dos microfones para o fã mais afoito, encontrado ao acaso, na pequena multidão.
Mas qual é o segredo do The Fall? A resposta é simples: é repetição, a sensação do volume do som, a pulsação e o grave do baixo esmagando o peito e a permanente elaboração lírica do sr. Smith. Na prática, não há canto. Não se pode nem mesmo dizer que Mark E. Smith seja um cantor. Ele apenas sabe como colocar a própria voz. Sabe como utilizá-la. Trabalha num registro falado e reiterativo. Improvisa. Incorpora o ambiente no discurso que faz. Interpela o público, chama-o à fala, ao reforço dos bordões, ao canto conjunto.
O performer Mark E. Smith
num dos shows da The Fall
A catedral de Manchester dá uma acústica particularíssima à apresentação. O som é consistente e limpo, sem ecos. Há um enorme pé direito, que se afunila em distintas torres e cúpulas, acima de nossas cabeças. Estamos cercados por muitas colunas, um púlpito esculpido em madeira, pequenas capelas laterais, altares e confessionários, anjos e Gárgulas, estátuas de pedra maciça. Às 20h30, quando a banda de abertura começou, o sol ainda batia nos vitrais, projetando múltiplos feixes de luz no interior da nave central.
Uma igreja barroca, que começou a ser construída na Idade Média e foi seriamente danificada na Segunda Guerra Mundial, agora abriga a sobrevivência teimosa do pós-punk inglês. Em pé, à contemplação de todos, diante da pia de batismos, Mark E. Smith abre os braços. Murmura alguma coisa. De repente, deixa a cabeça cair para a frente, encostando o queixo no peito. Então suspira. O show está começando.



*resenha publicada originalmente no portal Culturíssima

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