Tem categorias do Oscar que fica difícil saber quem é favorito, pois
não é possível ter uma noção geral da mesma em terras brasileiras. É o caso da de
Documentário, que dificilmente se terá acesso a todos os concorrentes daquela
edição do prêmio. Porém, a um dos candidatos nessa categoria tive o prazer de
assistir: “Amy”, de Asif Kapadia,
uma biografia cinematográfica da cantora e compositora britânica Amy Winehouse.
Morta em 2011, Amy, conhecida por seu poderoso e profundo contralto vocal e sua
mistura eclética de gêneros musicais como soul, jazz e R&B, foi o grande
talento da música pop dos últimos tempos, uma cantora comparável a nomes como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. Porém, como o filme retrata em detalhe, os
problemas de relacionamento, as drogas, o álcool e a dificuldade de lidar com a
mídia, a impediram de alçar uma carreira muito mais promissora daquela que teve.
Por retratar uma estrela pop do século XXI, o filme possui, além de
vários depoimentos de amigos, familiares e profissionais do meio artístico, bastante
material audiovisual, desde filmes caseiros a vídeos de webcam – afora, claro,
de reportagens de televisão e rádio. Isso torna o documentário – que não é um
musical, embora retrate a vida de uma musicista – bastante rico em conteúdo.
Assim, o diretor consegue ter subsídio suficiente para traçar a história da
artista em detalhes, o que, por consequência, dá ao espectador bastantes
elementos para entendê-la mais profundamente. Ficam evidentes, por detrás do enorme
talento dessa judia descendente da Rússia, os problemas psicológicos – como a
bulimia –, as dificuldades das relações familiares e os casos amorosos
tumultuados, como o com o ex-marido Blake Fielder-Civil. Mostra-se uma Amy apaixonada
por sua arte, cercada por milhões de pessoas mas extremamente solitária e
frágil.
Tony Bennet e Amy, duas gerações em plena sintonia. |
Tem o lado mais agradável também. É possível acompanhar o crescimento
artístico de Amy, desde as apresentações em pubs de Londres e região, os
primeiros parceiros musicais e os que a acompanharam desde sempre, como o
produtor e amigo Salaam Remi. Bonita também é a passagem da gravação que ela
fizera com Tony Bennett, em que a admiração recíproca é evidente. Vê-se ainda a
relação com o mundo do mainstream e,
mais delicioso ainda, a criação de algumas de suas canções. Após um bem
recebido CD “Frank” (2003), o filme mostra Amy em período sabático nos Estados
Unidos, onde passa o dia compondo e gravando algumas das músicas que se
tornariam sucessos mundiais no aclamado "Back to Black", de 2006, como “Rahib”
e "You Know I'm No Good", a faixa-título e outros singles.
Entretanto, a meteórica ascensão ao estrelato, a mesma que motivara
astros igualmente jovens no passado Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt Cobain, sufocara
também a menina mal saída da adolescência. Por total falta de controle
emocional, haja vista que as conturbadas e irresolutas relações familiares –
principalmente com o pai –, inviabilizava qualquer amadurecimento, Amy sucumbe
às drogas e, cada vez mais doente, interrompe cedo a carreira numa trágica
morte. Entretanto, é visível sua dedicação àquilo que fazia, bem como
consciência nada vaidosa de sua própria figura pública, fator que ao mesmo
tempo a diferenciou dessa leva quase unânime de celebridades narcisistas e a
fragilizou perante o opressor universo do entretenimento.
Um bonito filme com a trilha sonora assinada pelo brasileiro e "pequeno cidadão" Antonio Pinto, já responsável por outras trilhas de respeito no cinema
do Brasil (“Central do Brasil”, “Cidade de Deus”) e estrangeiro (“Colateral”,
“Trash – A Esperança vem do Lixo”). Enfim, um filme que vale ser visto tanto
por retratar a vida de uma das maiores cantoras que a música popular já viu,
quanto, por evidenciar problemas típicos da sociedade moderna como a “fogueira
das vaidades”, o poder destrutivo mídia e a solidão da era digital. Não vi os
que concorrem com “Amy” ao Oscar, mas não será nada absurdo se vencer a
estatueta.
ASSISTA AO FILME:
por Daniel Rodrigues
Um colosso de cantora.
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