Quando adolescente, eu era o xaropão das locadoras. Bastava
ir a um bairro diferente e avistar uma locadora que lá ia eu entrando para ver
o que tinha de especial. Se eu fosse em outra cidade, sempre atentavas às
locadoras. Já quando eu estava nas "minhas" locadoras – ou seja,
naquelas em que eu era "sócio" (em especial: Marcus Vídeo, Pacs Home
Vídeo e Canal Zero) –, aí pronto: me sentia em casa. Às vezes, passava as
tardes olhando capas, lendo sinopses, vendo o elenco, analisando a clientela,
proseando à toa. Me indignava quando o atendente não era do métier. Lembro, nostálgico, de ver o
filme que eu queria assistir com um selinho escrito "ALUGADO". Tinha
também os selinhos "24h" e os "48h". Nunca me apeguei aos
lançamentos. Gostava, mesmo, era dos filmes "ACERVO".
Antes de ser o mala das locadoras, devo lembrar minha
iniciação. Foi no fim dos anos 80, tempo em que videocassetes "duas
cabeças" eram artigo de luxo – comprados via consórcio. Lembro-me de ir
com o Tito (valeu, papito!) toda sexta-feira alugar alguma coisa. Ele escolhia
os dele; eu, os meus. O detalhe é que meu pai nunca me deixava alugar desenho.
Parece maldade, mas reparem no argumento. "Desenho tu vê na TV. Pega um
filme". Justo. Todos os canais passavam desenhos animados nas manhãs. Por
que, então, alugar desenho? A alternativa era alugar filmes de terror e de
ação, sobretudo de artes marciais e de ninja. Ah, eu adorava filmes de ninja.
Michael Dudikoff que o diga. Rememoro, até, um filme de ninja com o Milton
Gonçalves (procura aí que tu acha) – obviamente, ele não era ninja, mas um
detetive coadjuvante. O fato é que o golpe do Tito com a censura aos desenhos
tinha efeito duplo: ele via comigo os filmes (porque desenho ele não veria) e,
aprendendo a gostar de filme filme, eu assistia junto os que ele escolhia.
Inclusive dramas, policiais, suspenses etc. Quando era drama ou romance, a
Paulete curtia ver junto. Mas aí tinha um probleminha: aquelas cenas. Bastava
surgir uma ponta de lascívia e entrava em cena o pudor de minha mãe com o "passa
rápido, Tito, passa rápido". E lá ia meu pai apertando no "FF/fast forward".
Falando em FF, lembrei-me
dos "RW/rewind". Tinha que
rebobinar a fita ao entregar na locadora, sob pena de pagar multa. Lembrei
também que era possível gravar filmes. Bastava ter dois videocassetes e uma
fita virgem. As fitas gravavam em EP, SP e LP (acho que era isso): 2h, 4h e 6h.
Quanto mais longa a gravação (três filmes!), pior era a qualidade. Sempre tinha
alguém pedindo o videocassete emprestado para gravar um filme. Muito fiz isso,
também, até termos dois. Tive estoque de fitas gravadas. Comprei muito filme.
Novo e usado. Meu sonho era ser dono de uma locadora. Fui contratado por duas
(Pacs e Hi Fi), e meus pais me vetaram de começar a vida laboral aos 14 ou 15
anos de idade.
Olha, eu escreveria um livro sobre as locadoras. Lamento
profundamente a morte das locadoras. E tenho culpa, muita culpa no cartório.
Eu, você, todos nós. O Netflix tá aí para provar. Mas, né? Vida que segue.
Agora vou lá ver um filme de ninja.
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